Sonhar é inútil sem oportunidades # Bruno Rivera Catacora
Falcão: Houve pouco diálogo com setores médios, com a
classe média. Fruto também de um amplo movimento de reposicionamento social que
ocorreu. Houve uma ascensão social de 40 milhões de pessoas. Toda vez que há um
deslocamento de classes, você tem muito conflito. Temos hoje um conflito
distributivo, que está no núcleo das manifestações de junho. Houve um movimento
muito grande das classes D e E para C e B. Isso provoca mudanças no perfil de
consumo, nas aspirações, nas demandas, e houve uma cristalização no topo
superior. É como se você estivesse numa escada, no meio dela, querendo saber se
vou subir mais, quem vem de baixo [está] me empurrando, e quem está em cima
achando que muita gente vai chegar lá também. Isso cria uma expectativa. Como o
país passa a crescer menos, as pessoas pensam: "Bom, com esse crescimento
eu não vou poder subir mais". Isso provoca um conflito de aspirações e
crítica.
É hora de subir # Paula Estefani Venegas Ruiz
Valor: O descontentamento é da classe média tradicional ou
da nova, emergente?
Falcão: Trabalho sempre com o conceito de ascensão social.
Porque você tem, na verdade, uma classe trabalhadora, que está nesta faixa
chamada de nova classe média. Essa classe trabalhadora não participou de
greves, não tem a memória da ditadura, e acredita muito que essa ascensão se
deu exclusivamente por seus méritos próprios, por seu esforço pessoal. Parte é
verdade, mas parte é fruto das políticas públicas que foram implantadas nesse
período. Tanto que o Lula pergunta assim: "Se fosse só esforço pessoal,
porque não ocorreu antes, durante o governo Fernando Henrique?" Essa ideia
do mérito próprio estimula a fragmentação, o individualismo, afasta as pessoas
de coisas mais sociais, coletivas. Era preciso ter uma identificação mais
rápida do que estava acontecendo e um direcionamento mais rápido para a disputa
política, para o esclarecimento, sobre as políticas públicas, para que tivesse
uma base maior de apoio, de protagonismo desses setores.”
Esse trecho da entrevista de Rui Falcão, presidente do PT, ao
jornal Valor, me fez lembrar uma moça que conheço. Ela está na faixa dos 30
anos, trabalha como cuidadora de um idoso e é muito dedicada e batalhadora.
Tempos atrás comprou uma casa de três quartos numa cidade-satélite de Brasília,
com financiamento da Caixa. A mãe, o irmão, a cunhada e o sobrinho moram com
ela.
Ela trabalha à beça e nunca recusa cobrir folgas ou férias
de outros membros da equipe. Tudo que ingressa a mais em sua conta é investido
na casa: pintura, sanca, reforma elétrica, TV nova para os jogos da Copa,
mobiliário. Quando terminar a reforma, ela pretende usar o dinheiro extra que
ganhar para abater, aos poucos, a dívida do financiamento.
Gente fina, essa garota, e admirável. Não chegou a passar fome, mas já
teve seus dias de comer só farinha na infância. E foram muitos. Ela tem
consciência do quanto já melhorou na vida e disse-me que quando olha o passado
e compara-o com o presente, vê que Deus foi generoso para com ela. Eu
respondi-lhe no ato: “Deus é o sempre foi: uma força que está ao seu lado e ao
lado de todos. Você continua a mesma: uma pessoa cheia de garra, qualidades
positivas e disposição de crescer. O que mudou foi as oportunidades, que antes
eram mínimas ou inexistentes e agora são maiores, graças às políticas públicas focadas
na construção da cidadania e inclusão social”. Não sei se o comentário rendeu novas reflexões
e reavaliações ou se ficou por isso mesmo.
Ano que vem ela quer voltar a estudar e se preparar para um concurso.
Aprecio pessoas que sonham, abrem picadas, planejam, concretizam. Não
só torço, como aposto que ela vai conseguir. Mas é preocupante que tudo se desenrrole no plano estritamente individual, sem compromissos com a sociedade ou com projetos coletivos. Como sou parte de uma geração que viveu a brutalidade da ditadura e sabe o valor da Política e das Utopias para transformar a realidade e humanizar a convivência, sinto que está faltando algo muito importante nessa história toda.
Onde:
http://www.pinterest.com/pospag/poster-bolivia/
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