terça-feira, 12 de agosto de 2014

Mérito e oportunidades

Sonhar é inútil sem oportunidades # Bruno Rivera Catacora





Falcão: Houve pouco diálogo com setores médios, com a classe média. Fruto também de um amplo movimento de reposicionamento social que ocorreu. Houve uma ascensão social de 40 milhões de pessoas. Toda vez que há um deslocamento de classes, você tem muito conflito. Temos hoje um conflito distributivo, que está no núcleo das manifestações de junho. Houve um movimento muito grande das classes D e E para C e B. Isso provoca mudanças no perfil de consumo, nas aspirações, nas demandas, e houve uma cristalização no topo superior. É como se você estivesse numa escada, no meio dela, querendo saber se vou subir mais, quem vem de baixo [está] me empurrando, e quem está em cima achando que muita gente vai chegar lá também. Isso cria uma expectativa. Como o país passa a crescer menos, as pessoas pensam: "Bom, com esse crescimento eu não vou poder subir mais". Isso provoca um conflito de aspirações e crítica.


É hora de subir # Paula Estefani Venegas Ruiz

Valor: O descontentamento é da classe média tradicional ou da nova, emergente?

Falcão: Trabalho sempre com o conceito de ascensão social. Porque você tem, na verdade, uma classe trabalhadora, que está nesta faixa chamada de nova classe média. Essa classe trabalhadora não participou de greves, não tem a memória da ditadura, e acredita muito que essa ascensão se deu exclusivamente por seus méritos próprios, por seu esforço pessoal. Parte é verdade, mas parte é fruto das políticas públicas que foram implantadas nesse período. Tanto que o Lula pergunta assim: "Se fosse só esforço pessoal, porque não ocorreu antes, durante o governo Fernando Henrique?" Essa ideia do mérito próprio estimula a fragmentação, o individualismo, afasta as pessoas de coisas mais sociais, coletivas. Era preciso ter uma identificação mais rápida do que estava acontecendo e um direcionamento mais rápido para a disputa política, para o esclarecimento, sobre as políticas públicas, para que tivesse uma base maior de apoio, de protagonismo desses setores.”


Esse trecho da entrevista de Rui Falcão, presidente do PT, ao jornal Valor, me fez lembrar uma moça que conheço. Ela está na faixa dos 30 anos, trabalha como cuidadora de um idoso e é muito dedicada e batalhadora. Tempos atrás comprou uma casa de três quartos numa cidade-satélite de Brasília, com financiamento da Caixa. A mãe, o irmão, a cunhada e o sobrinho moram com ela.

Ela trabalha à beça e nunca recusa cobrir folgas ou férias de outros membros da equipe. Tudo que ingressa a mais em sua conta é investido na casa: pintura, sanca, reforma elétrica, TV nova para os jogos da Copa, mobiliário. Quando terminar a reforma, ela pretende usar o dinheiro extra que ganhar para abater, aos poucos, a dívida do financiamento.

Gente fina, essa garota, e admirável. Não chegou a passar fome, mas já teve seus dias de comer só farinha na infância. E foram muitos. Ela tem consciência do quanto já melhorou na vida e disse-me que quando olha o passado e compara-o com o presente, vê que Deus foi generoso para com ela. Eu respondi-lhe no ato: “Deus é o sempre foi: uma força que está ao seu lado e ao lado de todos. Você continua a mesma: uma pessoa cheia de garra, qualidades positivas e disposição de crescer. O que mudou foi as oportunidades, que antes eram mínimas ou inexistentes e agora são maiores, graças às políticas públicas focadas na construção da cidadania e inclusão social”.  Não sei se o comentário rendeu novas reflexões e reavaliações ou se ficou por isso mesmo.

Ano que vem ela quer voltar a estudar e se preparar para um concurso. Aprecio pessoas que  sonham,  abrem picadas, planejam, concretizam. Não só torço, como aposto que ela vai conseguir. Mas é preocupante que tudo se desenrrole no plano estritamente individual, sem compromissos com a sociedade ou com projetos coletivos. Como sou parte de uma geração que viveu a brutalidade da ditadura e sabe o valor da Política e das Utopias para transformar a realidade e humanizar a convivência, sinto que está faltando algo muito importante nessa história toda.



Onde:

http://www.pinterest.com/pospag/poster-bolivia/

Nenhum comentário:

Postar um comentário