quarta-feira, 30 de setembro de 2015

As múmias de ordem e regresso

Peace before/after War # Pravin Sevac



Marta, FHC, Bicudo e a geração perdida de velhos do Brasil

Kiko Nogueira

Marta Suplicy, 70 anos. Fernando Henrique Cardoso, 84. Hélio Bicudo, 93. Fernando Gabeira, 74. Et caterva.

Em comum, além das cãs e das rugas, a raiva e a disseminação da raiva. Idosos estão estimulando outros idosos a odiar num grau como eu aposto que você não se lembra de ter testemunhado antes.

Dois casos recentes com amigos meus:

1) Tiago Mendes Tadeu, nosso programador, foi a uma festa de aniversário em Monte Verde (MG). O padrasto da aniversariante, levemente alcoolizado, ao saber que ele morava em São Paulo, solta a seguinte frase: “E o Haddad, aquele comunista?”

Em seguida, saca o celular e mostra o Decálogo de Lênin. “Assim eles vão tomar o poder”. Fica frenético. Tadeu pede licença e se retira, antes que a situação perdesse o controle.

2) José Marcos Castanho, assessor de imprensa, num casamento. O tio da noiva, um “velhote simpático”, começa de repente a vociferar contra o “bolivarianismo” e a invasão de agentes cubanos. José tenta argumentar que vivemos numa democracia. O homem o expulsa da festa.

Estamos perdendo uma geração para o ressentimento. Foi-se o decoro, a educação, o verniz social, até mesmo a hipocrisia. A regra é ser grosso, inconveniente e insultuoso, de preferência em lugares públicos. Se, antigamente, já era complicado falar de religião ou política em encontros de família, agora tornou-se arriscado fisicamente.

Nelson Rodrigues era um cultor da velhice. Declarava-se uma “múmia, com todos os achaques das múmias”. Recomendava aos jovens: “envelheçam”.

O que diria agora o gênio de Nelson? As ruas são tomadas por senhorinhas de cabelos azuis carregando cartazes pedindo “intervenção militar” enquanto suas coleguinhas indagam “por que não mataram todos em 64?”

Com o enorme auxílio das redes sociais, septuagenários que poderiam estar pensando numa aposentadoria feliz se dedicam a compartilhar memes estúpidos e ofensivos. A necessidade de estar ativos, um daqueles clichês da gerontologia, se traduziu em emular os revoltados on line.

Não era assim. Você se recorda de sua madrinha querida. Conservadora, sim — mas discreta. Ela comentava, por exemplo, que Lula não sabia falar direito. “Não que eu tenha preconceito contra nordestino, nada disso, por favor! Mas ele devia ter feito uma faculdade”.

Isso era, de certa maneira, o limite. Uma barreira psicológica acendia uma luz amarela. Opa. Não é de bom tom ir adiante. O que os vizinhos vão pensar?

Essa barreira foi rompida coletivamente nos últimos anos. O normal é chamar Lula de “lularápio com nove dedos”, Dilma de “presidanta”, o Bolsa Família de “esmola de vagabundo” e por aí afora.

Enquanto ninguém olha, eles são intoxicados com uma dieta de rancor e desinformação desde a hora em que acordam. No rádio, pau nas ciclovias. Na TV, denúncias seletivas de corrupção. No Facebook, aquele costumeiro festival de imbecilidades.

Avós passaram a ser um perigo para seus netos. Eu falei aqui das mães ensinando crianças a mandar Dilma tomar no cu em manifestações. Isso ganhou o status de aceitável. Como explicar a seu menino o ditado segundo o qual é preciso respeitar os mais velhos?

FCH, Marta, Gabeira, Bicudo são a face mais conhecida de uma tragédia nacional, os garotos propaganda de uma geração perdida para a paranoia ultradireitista.

Em “Um Conto de Natal”, a história da redenção de um ancião mesquinho visitado por três espíritos, Charles Dickens escreve que “a escuridão era barata, por isso Scrooge gostava dela”. Os velhos brasileiros precisam de luz e calor.



Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/marta-fhc-bicudo-e-a-geracao-perdida-de-velhos-do-brasil-por-kiko-nogueira/

http://www.graphis.com/entry/31bb3e4c-4b31-11e2-a2c9-f23c91dffdec/

domingo, 27 de setembro de 2015

Superlua, eclipse e sonho meu

Sonho meu (Dona Ivone Lara  - Délcio Carvalho) # vários artistas

Sua família tem estatuto?



14 tuítes que você precisa ler sobre a decisão do Estatuto da Família 

Sugerido por Beatriz Nassif

Muita gente não concorda com a decisão da Câmara dos deputados.
1. Esta é uma ótima questão.
definição de família formada por homem e mulher falo o que pra minha aluna que é criada pela tia pq o pai matou a mãe na frente dela?
— titia avó™ (@likeazombie)
2. E quando as famílias são formadas pelo destino?
Minha família não é formada por um homem e uma mulher, já que minha mãe morreu tenho uma mãe adotiva que no caso é lésbica, faz de mim órfã?
— beatriz (@beabrisei)
3. Quando você acorda e:
durmo treze horas e quando acordo descubro que uma comissão da câmara me tirou da minha família.
— Tatiana Vasconcellos (@tavasconcellos)
4. Como ficam as famílias de pais e mães solteiros?
Se família é = a homem e mulher, você que o pai abandonou e é criado pela mãe também não é uma família #NossaFamiliaExiste
— Bic Müller (@bicmuller)
5. E esta definição de família - por que não?
definição de família: pessoas que se amam e querem ficar juntas (também pode ser inclusa pelos bichinhos de estimação dessas pessoas)
— mariana (@dmimonde)
6. Sarah Oliveira se excluiu do Estatuto.
Minha família ñ tem estatuto
— Sarah Oliveira (@OliveiraSarah)
7. Quando você sente vontade de dar o troco.
câmara definiu 'família' como como 'união entre homem e mulher' e eu defino 'câmara' como 'união do inútil com o desnecessário'
— lucas rohan (@lucasrohan)
8. Polêmico.
Não sei pq tão reclamando da decisão. Todo mundo sabe que família tradicional brasileira de vdd é formada por homem, mulher, filho e amante.
— Andrei Fernandes (@Andreizilla)
9. Lembra da crise?
O país à beira de um colapso e eles se preocupando com o Estatuto da Família.
— DaniAF (@DanielaAF)
10. Verdade.
"Comissão especial da câmara aprova definição de família como união entre homem e mulher" especial não ESPACIAL pq n deve ser desse planeta
— 9Ariel (@arielfilipe)
11. =/ .
A lógica da Câmara: mulher é obrigada a criar o filho do estuprador mas ela e o filho não formam uma família.
— Magli (@maglioqueira)
12. Imaginando os próximos passos.
câmara não apenas define o que é família como institui prova da ordem das famílias pra ver se a sua família pode atuar como família, entenda
— João Luis Jr. (@joaoluisjr)
13. Lembra da famosa enquete da Câmara?
Agora a Comissão especial formada para analisar o projeto ignora a enquete feita pela própria Casa e aprova outro texto.
— Leandra Leal (@leandraleal)
14. Basicamente isto.
estatuto da família não é defesa da família é a exclusão de várias famílias que não se encaixam num modelo conservador que comtempla poucas
— Jaguá Coroado (@goticosuave)

 Onde:
http://jornalggn.com.br/noticia/14-tuites-que-voce-precisa-ler-sobre-a-decisao-do-estatuto-da-familia

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Zeitgeist

Charge de Aroeira


A charge que captou o Espírito do Tempo: um tributo a Aroeira

Por Paulo Nogueira

Os alemães têm uma palavra mágica para editores e jornalistas em geral: Zeitgeist.

Significa “Espírito do Tempo”.

O chargista Aroeira captou magistralmente o Zeitgeist numa charge que viralizou ontem na internet.

Nela, Dilma aparece num paredão prestes a ser fuzilada por armas que são os jornais e as revistas das grandes corporações de mídia.

No futuro, as pessoas entenderão como a imprensa agiu contra Dilma e a democracia pela simples visão da imagem de Aroeira.

O espírito do tempo está presente em outros chargistas, como Laerte e Latuff.

Laerte disse tudo aí

Pela vitalidade criativa deles você pode avaliar a desinspiração atordoante e atordoada que, lamentavelmente, tomou conta do grande chargista dos anos 1980 e 1990, Chico Caruso.

O ambiente do Globo deve ter contaminado Chico. É a única explicação que me ocorre para descrever o salto no abismo que ele deu.

Chico é hoje um desenhista rasteiro, sem graça, reacionário e patronal: tem, enfim, todos os defeitos que marcam aqueles que não souberam entender o Zeitgeist.

Suas charges parecem destinadas não a chacoalhar a sociedade, não a acordar a todos nós de absurdos que estão ocorrendo sem nos darmos conta.

Parecem destinadas apenas a agradar os patrões.

É um patético outono de atividade para alguém que prometeu tanto — e que durante um bom tempo entregou o prometido — no início da carreira.

Chico poderia envelhecer como seu xará da música. Mas envelheceu como Lobão.

E deixou um imenso espaço que é hoje ocupado por chargistas como Aroeira, Laerte e Latuff.



Latuff e o Zeitgeistj



Fica a lição.

Zeitgeist, em atividades como a de Chico, não combina com obediência mental a patrões.

Você pode garantir o emprego, mas não a dignidade e a relevância.



Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/duas-charges-viralizam-nas-redes-sociais/image-4734/

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Visitas ao lugar-comum

 
Chema Madoz




VISITAS AO LUGAR-COMUM

Ana Martins Marques

1


Quebrar o silêncio
e depois recolher 
os pedaços
testar-lhes o corte
o brilho
cego

2

Pagar para ver
e receber
em troca
vistas parciais
uns cobres
de passagem

3

Dobrar a língua
e ao desdobrá-la
deixar cair
uma a uma
palavras
não ditas

4

Perder a hora
e encontrá-la depois
num intervalo
de teatro
nos cantos empoeirados
do domingo
entre um telefone e outro
dentro do táxi

5

Dar à luz
e então sondar
num átimo
de abismo
- como um espeleólogo
um cenógrafo
um guarda-noturno -
a própria escuridão

6

Perder a cabeça
e então buscá-la
nos últimos lugares
onde esteve
dentro da touca
de banho
sobre o travesseiro
entre  os joelhos
entre as mãos
na casa demolida
da infância
sobre as coxas
mornas
ainda  

7
Tirar fotografias
e depois devolvê-las
àqueles de quem as tiramos
à mulher fora de foco
em seu vestido violeta
à casa de janelas verdes
às paisagens
tomadas emprestadas
à casca
de cada coisa
aos vários ângulos da Torre Eiffel
ao cachorro morto 
na praia

8

Cortar relações
e depois voltar-se
verificar se o que restou
suporta 
remendo
demorar-se
sobre a cicatriz
do corte

9

Esperar horas a fio
e então desvencilhar-se
das coisas tecidas na espera
dos ponteiros do relógio
cada um mais lento que o outro
dos pelo menos dez cigarros
das poltronas de mogno
uma delas
vazia

10

Amar
profundamente
mas testar
volta e meia
se ainda
dá pé

11

Correr riscos 
e ao fim
arfante
da corrida
voltar-se
para avaliar
o traçado

12

Chegar em cima da hora
e espiar 
de relance
como quem levanta o tapete
em casa alheia
o que ficou 
por baixo 

13

Esperar junto àqueles
que caíram em si
que caíram na risada
que caíram no ridículo
que caíram do cavalo
que caíram das nuvens 
que a noite
caia

14

Quebrar promessas
e ao recolher os cacos
dicerni-los
entre aqueles
do silêncio
quebrado 



Onde:

O livro das semelhanças # Ana Martins Marques
Companhia das Letras

http://www.chemamadoz.com/

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Entre amigos

Entre amigos (Bianca Gismonti) # Bianca Gismonti Trio
no Cotton Club de Tóquio



"The bird a nest, the spider a web, man friendship."

William Blake




Onde:

Escritos de William Blake - Edição bilíngue
L&PM

domingo, 6 de setembro de 2015

Alegria é a prova dos 9




Ainda existe bom humor no país do ódio

Fernando Brito


Ontem, no G1 do Amapá, publicou-se esta preciosidade.
Coisa mesmo do tempo em que brincávamos com o “laicá, nóis laica, mas money que é gud nóis num have“.
Quando a gente comia na barraquinha ou no trailler, e não no “foodtruck” e os bares da faculdade, na Praia Vermelha, eram o “Moscão”e o “Sujinho”.
Tempo em que ter um Fusca era a suprema felicidade e o chamávamos carinhosamente de “caidinho”.
No tempo em que ostentação era coisa de babaca e nosso amigo “rico”, o Robertão, como na música, dizia ter um barracão, à feição do Chão de Estrelas, um barracão no Morro do Salgueiro, onde o “cantar alegre do viveiro” era um grande escudo do Botafogo posto na parede.
Quando comer era um prazer, não um ato de exibição de linhos, louças e lugares, mas de fatura e satisfação em ver parentes e amigos saciados, até levá-los à “desfeita” de recusar mais um pouquinho.
Não porque fôssemos ricos, mas porque éramos generosos.
Foi isso o que fez a Dona Keila Cardoso abrir o Pobr’s, lá em Macapá, numa brincadeira com o “Bob’s”, primeiro fast-food do Brasil, criado pelo grindo Robert Falkenburg, que se apaixonou por uma Mayrink Veiga e veio morar no Brasil.
A ideia do Pobr’s veio de uma cena que, afinal, todos nós já vivemos.
“Fui convidada para um evento chique e com pessoas importantes da sociedade aqui em Macapá e ao chegar lá só me serviram coquetel. Eu estava com muita fome mas só tinha isso. Logo depois meu telefone toca e um amigo me chama para ir no aniversário da mãe dele em uma área periférica. Fui na hora, cheguei e só tinha três balões, mas tinha macarronada, risoto , bolo, torta, tanta da comida que até levei para casa”.
Lembrei-me da mesa do Iapi de Realengo, do cozido, das carnes e dos salgados fumegando, minha avó a reencher o prato dos recalcitrantes que teimavam em dizer que estavam “satisfeitos”, nem sempre com esta sofisticação.
A gente até sabia que carne tinha proteína, mas não fazia a menor ideia do que fossem ômega 3, radicais livres, gordura trans ou o tal do carboidrato que hoje me leva às lágrimas de saudade pelo diabetes.
Éramos uns privilegiados, sabíamos, até porque meu avô havia deixado – para desespero de minha avó – uma bolsa de frutas e verduras comprados na feira para as meninas do vizinho, uma delas sua afilhada, que tinham mais dificuldades.
Pobres, mas não miseráveis, nem mesmo no sentido da mesquinhez que torna tantos ricos miseráveis e os faz achar que os pobres são uns preguiçosos, vadios, e que só por isso seriam “inferiores” e nem precisam comer o que eles próprios comem, em suas “gourmetices”.
Não que não houvesse imbecis, havia. Mas eles acabavam envergonhados de sua própria imbecilidade, até com a ajuda da gurizada, que se encarregava, como se diz hoje, de “zoar os metidos a grande coisa”.
E “zoar” a nós mesmos, porque assim também não nos achávamos melhores do que ninguém.
Como Keyla “zoa” nos nomes dos sanduíches que serve: “Fome Zero”, “Bolsa-Família”, “Pobreza Suprema”, este o mais avantajado. Ainda bem que não apareceu nenhum “politicamente correto” para reclamar….
Não nos ofendíamos com a nossa pobreza “remediada” e estávamos mais perto dos que não tinham nada do que daqueles que tinham tudo.
E ríamos, ríamos, ríamos do prazer de estarmos vivos e vendo os garotos crescendo, indo à escola, aprendendo as letras que os velhos sabiam tão pouco e sonhando em ser “Presidente da República”, que era o grau máximo de sabedoria que se podia imaginar.
Ríamos tanto que ríamos até de nossas desgraças, porque não eram ódios, não eram desprezo pelas outras pessoas como nós, eram a afirmação de nossa felicidade em sermos o que podíamos ser e éramos, com todos os defeitos e vicissitudes de cada um: essencialmente bons, como todo ser humano nasce e devia viver.


Onde:

http://tijolaco.com.br/blog/?p=29439

sábado, 5 de setembro de 2015

Odô Iyá

Iemanjá # Calunga Bonecas de Papel


ORIKI DE IEMANJÁ

Iemanjá que se estende na amplidão
Aiabá que vive na água funda
Faz a mata virar estrada
Bebe cachaça na cabaça
Permanece plena em presença do rei.
Iemanjá se revira quando vem a ventania
Gira e rodopia em volta da vila.
Iemanjá descontente destrói pontes.
Come na casa, come no rio.
Mãe senhora do seio que chora.

lo espesso na buceta
Buceta seca no sono
Como inhame ressequido.
Mar, dono do mundo, que sara qualquer pessoa.
Velha dona do mar.
Fêmea-flauta acorda em acordes na casa do rei.
Descansa qualquer um em qualquer terra.
Cá na terra, cala - à flor-d'água, fala.


(NVO*, pp. 297-298)

Transcriação de Antonio Risério

*NVO - Notes sur le Culte des Orisha et Vodoun à Bahia, la Baie de Tous les Saints au Brésil et à l'ancienne Côte des Esclaves, Dakar, IFAN, 1957, de Pierre Verger.


Onde:

Oriki Orixá # Antônio Risério
Ed. Perspectiva

https://pt-br.facebook.com/calungabonecasdepapel

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O patrono do ódio

Ódio gera ódio # Benjamin Kivikoski



Aécio é o "pai adotivo" do advogado que ameaçou Dilma

Paulo Nogueira

Sabe aquele sujeito que enche as pessoas de cachaça numa festa e depois reclama que elas se comportaram como bêbabas?

É Aécio falando do advogado desvairado que gravou um vídeo no qual ameaça Dilma de morte.

Desde que perdeu as eleições Aécio vem distribuindo cachaça a analfabetos políticos e desvairados em geral com sua patética inconformidade em aceitar que foi batido nas urnas.

E agora mostra espanto, finge indignação?

O envenenamento do ambiente político pós-eleições, a divisão crescentemente explosiva entre brasileiros – tudo isso deve muito a Aécio com seu comportamento de Presidente de Manicômio.

Desde o começo ele insuflou os antipetistas, os antibolivarianos, os anticomunistas e os idiotas em geral com a mentira de que as eleições foram roubadas.

Até as urnas eletrônicas foram colocadas em questão.

É cachaça e mais cachaça para a tigrada, e agora Aécio se surpreende com o vídeo criminoso de um filiado do PSDB?

Mesmo o moderado Alckmin, que concedeu chamar Dilma de “presidenta”, deu agora para falar que o PT é uma “praga”. Isso foi repercutir do blogueiro da Globo Noblat, que num de seus frequentes momentos de desvario patronal escreveu que é preciso jogar “pesticida” no governo.

Aécio herdou o sobrenome, mas não a maior virtude de seu avô Tancredo, um conciliador de enorme talento.

Já caminhando para os 60 anos, fato que procura disfarçar com botox, implante de cabelo e embranquecimento de dentes, age como um adolescente irresponsável, com a cumplicidade sinistra do octogenário FHC.

Quer ser presidente?

Faça algo que nunca fez: vá trabalhar. Percorra o Brasil, os rincões nacionais, e não só as praias e bares cariocas. Mostre aos eleitores humildes, os 99%, que pode melhorar sua vida e, com isso, reduzir a vergonhosa desigualdade social que enlameia o Brasil.

Talvez obtenha votos.

Mas em vez disso ele dá cachaça à turma numa festa de desequibrados, e depois parece surpreender-se com o fato de que os bêbados agem como bêbados.



Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/aecio-e-o-pai-adotivo-do-advogado-que-ameacou-dilma-por-paulo-nogueira/

http://www.bureau-progressiv.com/

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Utopia, Distopia

Utopia (Luminária de mesa) # Nanda Vigo



Do espaço ao tempo

Marcelo Jasmin


A utopia nasceu como um não-lugar, como um espelho às avessas de um mundo que se queria observar e criticar. A sua primeira versão se encontra na obra do humanista inglês Thomas Morus, que viveu entre 1477 e 1535, cavaleiro e personagem importante na corte de Henrique VIII. O seu livro, De Optimo Reipublicae Status deque Nova Insula Utopia Libellus Vere Aureus, foi escrito entre 1515 e 1516 e publicado em latim, na cidade de Louvain, em dezembro de 1516. O termo que deu título ao livro era um neologismo inventado por Morus. Derivava da combinação do prefixo grego ou, que indica negação, e o substantivo topos, lugar. O sufixo ia provavelmente foi adotado para dar proximidade a nomes de lugares conhecidos, como Itália, Britânia, Germânia, Alexandria, Macedônia, etc. Utopia é, então, em seu primeiro sentido etimológico, um não-lugar, embora apareça nesta obra seminal como o nome de uma ilha.

Interessante notar a escolha de Morus, pois não quis nos apresentar uma eutopia que ao reunir o prefixo grego eu, que quer denotar bom, ao topos, indica o lugar do bem. Aqui podemos identificar uma diferença da utopia original em relação a outras versões de mundos imaginados. Um bom exemplo é o da terra da Cocanha, uma tradição de múltiplas versões que convergem para a imaginação de um lugar da abundância e da satisfação dos mais diversos apetites, terra sem trabalho e sem sofrimento, onde tudo é gratuito e dado, onde os conflitos são eliminados pela “satisfação privada dos apetites dos homens” (Davis). Também na Arcádia, ficção em perspectiva pastoril, encontramos os temas da abundância e da satisfação dos desejos, mas através da moderação e da simplificação dos desejos humanos que se harmonizam, assim, com a generosidade da natureza, integrando homem e meio ambiente. A utopia de Morus não é nada disso. Ela é uma cidade, e expressa “a ascendência do homem sobre a natureza, a dominação do ambiente pelos padrões mentais abstratos e conceituais” (Frye). É também uma crítica da sociedade pelo escritor que aponta a irracionalidade ou o equívoco dos comportamentos sociais observados, diferentemente dos ideais da terra da Cocanha que, se sugerem um desejo de libertação daquilo que oprime, não se elaboram a partir de uma análise da sociedade contemporânea ao escritor, preferindo afirmar a fantasia paradisíaca da plena satisfação.

Mas de lá para cá a utopia ganhou muitos outros significados e versões, impedindo com que possamos delimitar cabalmente os seus limites. Ela se confunde com a idade de ouro, com o irrealizável, com a quimera, com a ficção científica, com o que devemos esperar adiante, com o que é necessário para continuarmos suportando o mundo em que vivemos, só para falarmos de alguns contextos comparativos em que a literatura contemporânea a apreende. Nos séculos XVIII e XIX, a utopia, como tudo o mais, se temporalizou, sendo lançada ao tempo futuro como aquilo a que podemos aceder pela via da ação e do desenvolvimento da razão. Ao final do século XIX europeu, a crença num progresso cientificamente ordenado lançou a utopia ao reino de uma ficção rebaixada. Friedrich Engels, por exemplo, comparou, em 1877, o socialismo de Fourier, Owen e Saint-Simon, que chamou de “utópico”, com aquele professado por Marx e por ele mesmo, um “científico”, para dizer do caráter ao mesmo tempo ingênuo e irrealizável das ideias daqueles primeiros. Neste contexto, as ideias dos utópicos foram identificadas como imaginações arbitrárias na medida em que não se adequavam ao tempo em que se vivia, o tempo do capitalismo, apreendido cientificamente no desenvolvimento das forças produtivas inovadoras e revolucionárias que haviam conquistado o planeta. A crítica produtiva do não-lugar deveria ser substituída por bases realistas (científicas) que apontassem para a ultrapassagem da sociedade capitalista e a construção do comunismo visto como um futuro desejável e exequível, pois fundado nas estruturas dinâmicas do mundo moderno. Desde então, e especialmente após 1989, muitos passaram a enxergar aquela cientificidade professada por Engels como uma ilusão desejante a ser arrolada na coleção das utopias generosas e inexequíveis da humanidade.

Vivemos, hoje, um momento especialmente distópico, quando a descrença em relação a modelos redentores se associa ao aumento da violência cotidiana e à crescente dependência dos seres humanos à tecnologia e de sua incrível parafernália. O horizonte contemporâneo parece carregado de incerteza e a sensação de impotência se mistura à ausência de uma direção definida para a história humana. No entanto, sabemos que grande parte daquilo que pareceu natural, necessário e inevitável a homens e mulheres de outras épocas mostrou-se contingente e sujeito à mudança ou ao desaparecimento. Ao mesmo tempo, o que pareceu estapafúrdio num tempo qualquer, pode vir a tornar-se senso comum, como uma república num grande território ou uma democracia de milhões de eleitores. Pensando nisso, talvez encontremos um lugar para revitalizar a potência utópica na sua tarefa de alimentar a imaginação e a esperança, e de abrir as brechas no mundo dos grandes mecanismos globais para que pensamento e ação possam significar outra coisa que tolice ou ingenuidade inócuas. O possível não pode prescindir da coragem da invenção, do ficcional, da imaginação. Talvez a utopia não seja hoje nem não-lugar, nem futuro realizável, mas uma instância permanente de crítica e imaginação que nos livra da naturalização do que há aí e agora.


Onde:

http://www.mutacoes.com.br/sinopses/do-espaco-ao-tempo/

http://www.wikiart.org/en/nanda-vigo/utopia-table-lamp-1970