quinta-feira, 25 de maio de 2017

Infiltrados

Foto:Andressa Anholete / AFP


Falta de controle nas manifestações dá munição para mídia e governo

Mauro Santayana

A falta de controle, por parte dos comitês de organização da manifestação de ontem, 24, em Brasília, acabou sabotando a pauta que levou a maioria dos manifestantes à Praça dos Três Poderes, que era a de pedido de realização de eleições diretas e de repúdio às reformas trabalhista e previdenciária. 

Manifestação da oposição, qualquer que seja ela, não pode ser feita sem a organização de comitês de segurança formados por gente de confiança escolhida entre os próprios manifestantes. 

Se até nos blocos dos trios elétricos de Salvador dá para separar o público, bastando para isso um cordão humano e uma simples corda, porque não tentar fazer o mesmo em uma manifestação dessa importância? 

Não é a polícia que tem que revistar os "participantes". 

Como ocorre em muitos países estrangeiros, quem tem que fazer isso, primeiro, são os próprios manifestantes, para possibilitar a rápida identificação de fascistas e infiltrados pagos que ali estão recebendo justamente para garantir que a imprensa e a opinião pública tenham razões suficientes para ficar contra e desancar quem está protestando.

Em política, qualquer cena de destruição e violência é passível de ser aproveitada pelo adversário. 

Ao final da tarde de ontem em Brasília, a TV já reforçava, a todo instante, a ocorrência de atos de "vandalismo". 

Justificava, com isso, a truculência da polícia, e lembrava, a cada cinco minutos, que se tratava de manifestações organizadas e "pagas" por centrais sindicais. 

Reforçando, indireta e gostosamente, a bandeira do enfraquecimento dos sindicatos e do fim do imposto sindical obrigatório. 

E a convocação de tropas das forças armadas pelo presidente da República, em absurda "ação de garantia de lei e da ordem". 

Sem esclarecer, com a mesma ênfase, que o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já havia desmentido ter pedido - em gesto por si só já absolutamente desnecessário e inadequado - tropas do exército, e, sim, da Força Nacional, para "colaborar" com a polícia do Distrito Federal na "defesa" dos prédios da Esplanada dos Ministérios. 

Um pouco de estratégia e de informações históricas não fazem mal a ninguém. 

O Movimento das Diretas Já só deu certo, do ponto de vista da ampla e bem-sucedida mobilização da sociedade brasileira - embora tenha perdido no Congresso depois - porque era suprapartidário, reunia as mais importantes organizações da sociedade civil, como a Igreja, a UNE e a OAB, tinha sido "costurado" politicamente antes de sair para a rua, era ordeiro, organizado e pacífico e primava pela organização. 

Vou falar o que penso, porque não sou vaquinha de presépio. 

Compreende-se a necessidade da oposição ir à luta nessa hora, em defesa, principalmente, da democracia. Mas se for para sair no improviso, de qualquer jeito, e acabar servindo de plataforma para a ação de provocadores fascistas, dando tiro pela culatra, ajudando a parte mais canalha da mídia a justificar a truculência da polícia, o enfraquecimento dos sindicatos e o golpismo, insuflando as vivandeiras dos quartéis e alimentando um novo golpe dentro do golpe, quem saiu para as ruas que me desculpe, mas é melhor ficar em casa assistindo, indignado, pela televisão, à ação dos infiltrados e à deprimente repetição de velhos e costumeiros descuidos do passado.


Onde:
http://www.maurosantayana.com/2017/05/falta-de-controle-nas-manifestacoes-da.html







quarta-feira, 24 de maio de 2017

Brutalidade fascista




A brutalidade fascista inútil de Doria na cracolândia feriu de morte sua imagem de “gestor” eficiente

Mauro Donato

Antes de mais nada, peço ao leitor que faça a seguinte reflexão: o prefeito João Doria e a PM de Geraldo Alckmin atacariam uma balada de classe média-alta repleta de consumidores de drogas sintéticas e traficantes bem vestidos? Chegariam com bombas e tratores?

É duro ser pobre no Brasil.

Pelo terceiro dia seguido a investida de Doria na região conhecida como cracolândia espalhou terror, medo e violência. De forma atabalhoada, uma escavadeira apressada iniciou a operação 20 minutos antes do horário marcado e derrubou um pedaço de uma pensão que ainda estava habitada. Três pessoas se feriram.

Doria estava próximo do local, assim que soube do ocorrido tratou de fugir o mais rápido possível. Não pediu desculpas, nada declarou. Marcou uma coletiva para às 16:00 e não apareceu.

Sobrou para o secretário de Serviços e Obras, Marcos Penido, explicar o acontecido. Piorou tudo. “Nós fomos ao estacionamento e verificamos que ali só tinha carros, mas nós não demos conta de que havia uma entrada clandestina para o fundo onde dava acesso e essas pessoas estavam.” Era melhor ter feito como Doria e ficar calado, já que ninguém na prefeitura parece afeito a pedir perdão.

A operação de Doria – que no primeiro dia decretou que a cracolândia havia ‘acabado’ – já dura 3 dias. O prefeito está mais para um George Bush que em 2001 declarou vitória americana na primeira semana após invadir o Afeganistão. As tropas estão batalhando lá até hoje, 16 anos depois.

O prefeito irá insistir numa prática que nunca funcionou. Em gestão nenhuma. Sua ação hoje não conta com o apoio de nenhuma entidade que atua na questão seja no combate, seja no tratamento do problema.

Mas Doria é turrão e ontem promoveu uma verdadeira réplica da ‘Noite dos Cristais’ no centro da cidade (a famosa noite de novembro de 1938, marcada pela destruição de casas comerciais e residências de judeus em toda a Alemanha e Áustria).

A operação paulistana é idêntica. Comerciantes e moradores não tiveram tempo de nada. Alguns donos de bares e mercearias afirmaram terem tido menos de duas horas para tirar tudo. Portas foram lacradas com blocos de cimento. Logo depois as máquinas estavam tratorando.

E o que demolir casas tem a ver com o problema de tráfico e consumo de drogas? “A cracolândia é composta por pessoas doentes que necesitam de tratamento médico, emprego e recuperação. Não de tiro, porrada e bomba. Já se fala em em demolição de prédios e construção de outros, sempre visando os interesses de um mercado especulativo”, disse a Promotora de Justiça Cinthia Gonçalves Pereira. Respondido?

Apenas para efeito comparativo, para a implantação do programa Braços Abertos de Fernando Haddad, os usuários em situação de rua da região não tiveram seus barracos demolidos enquanto não estivessem cadastrados e de posse de um quarto nas pensões próximas.

João Doria extinguiu o programa e bastaram 4 meses de sua moderna ‘gestão’ para a cracolândia tomar a dimensão que estava.

A partir daí é o roteiro que estamos cansados de conhecer. A Polícia Militar repete os métodos de sempre: ataca primeiro para obter o efeito manada, a ignição da violência, para então culpar os atacados, criar uma imagem ruim perante a opiniao publica. Faz isso com manifestantes, com secundaristas, com sem-terra, com sem-teto. Moderno, não?


Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-brutalidade-fascista-inutil-de-doria-na-cracolandia-feriu-de-morte-sua-imagem-de-gestor-eficiente-por-donato/

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Apagar a História




Que tempos são estes? 

por Fernando Horta

É errado supor que o passado não pode ser modificado. Entre 1945 e 1950, foram feitas pesquisas na França, perguntando a quem os franceses atribuíam a vitória na segunda guerra. A resposta de mais de 70% da população francesa era de que os responsáveis pela vitória sobre os nazistas haviam sido os comunistas, soviéticos e franceses. Após 1960, as mesmas pesquisas revelavam que mais de 68% dos franceses acreditavam que a segunda guerra havia sido ganha pelos norte-americanos.

Este é um caso de reconfiguração do passado. Milhões de dólares despejados num processo de propaganda ideológica reorganizava as memórias de todo um continente, virtualmente apagando o esforço de guerra feito pelos soviéticos em sua luta contra os fascistas. Este processo é tão violento que hoje há ainda quem acredite que a URSS é ameaça para o mundo ocidental. A quem acredite que o comunismo ameaça o Brasil.

Isto nos serve para perceber que as elites sabem muito bem como jogar com a propaganda. Sabem como reconstruir memórias, criar e atacar símbolos. Além dos imensos recursos materiais que os detentores da riqueza mundial têm ao seu dispor, eles entendem este processo de dominação ideológica de forma muito mais apurada do que a esquerda.

A Lava a Jato foi designada desde 2012, pelo menos, para reescrever a História do Brasil. O objetivo principal não é acabar com a corrupção, não é entregar riquezas brasileiras a estrangeiros ou destruir o governo Dilma. Todos estes pontos são e foram secundários. O objetivo é lutar pela memória dos últimos catorze anos. Como o período entre 2002 e 2014 será lembrado? Será um momento virtuoso do Brasil em que conquistamos autonomia política externa pelo pagamento de dívidas e forte desenvolvimento, acabando com a fome e redistribuindo riqueza? Ou será um período de aparelhamento perverso do Estado com destruição da economia por uma corrupção nunca antes existente e que colocou o país em uma crise pelos vinte anos seguintes?

Impossibilitados de lutar contra o passado, opositores políticos de Lula resolveram apagar completamente o governo da história. Reescrevendo a narrativa através dos golpes institucionais, se reorganiza o pensamento elitista de que “o povo não sabe governar”. O interrogatório de Moro a Lula, na semana passada, expressa exatamente isto. Das cinco horas de interrogatório, o juiz usou três horas para suas perguntas, e quase todas remetiam ao início do período entre 2002 e 2010. Por isto a mídia é tão importante. Nada tem a ver com o combate à corrupção, que pode ser feito sem alarde e seguindo os preceitos legais. Mudar a história não pode ser feito em silêncio, em gabinetes de juízes ou desembargadores. É preciso horas em jornais diários, construindo a narrativa da terra arrasada.

Infelizmente, neste jogo, uma parte da esquerda cai como um pato amarelo. Talvez por ingenuidade ou por tentarem amealhar votos, parte da esquerda tem feito exatamente o mesmo papel de desconstruir o período entre 2002 e 2014. Começam por pejorativamente chamar de “lulismo” e, em seguida, colocam-se ombreados com a direita a exigir prisão de A ou B e declarar que tudo não passou de um “populismo irresponsável”. Não vou entrar aqui na discussão historiográfica sobre os absurdos desta tese. O fato é que quando a esquerda se une para atacar o “lulismo” ela joga um papel gratuito. Papel que o capital pagou alguns milhões de dólares para grupos como MBL e outros fazerem.

Precisamos entender duas coisas: primeiro, todos aqueles que culpam o “lulismo” pelo não desenvolvimento de alternativas de esquerda durante este tempo, o fazem para não reconhecer o seu próprio fracasso eleitoral. O fato é que nenhuma figura de esquerda hoje faz mais de 10% de intenções de voto sozinha. E não se pode nem acusar Lula que, a bem da verdade, colocou TODAS as lideranças que o apoiaram em postos de governo. Desde Cristóvão Buarque, até Marina Silva, todos participaram do primeiro governo. Se fizeram guinadas à direita ou se não conseguiram andar pelas próprias pernas, isto é outro problema. Luciana Genro não conseguiu passar para o segundo turno nas últimas eleições, em Porto Alegre. Freixo, mesmo com todo o apoio que recebeu no Rio, não conseguiu eleger-se. Haddad da mesma forma. Mesmo o novo “nome de ouro” da esquerda, Ciro Gomes, não faz mais votos que Bolsonaro. Ouso dizer que se alguma candidatura emplacasse mais de 10% de votos, Lula não concorreria.

O segundo ponto é compreender que defender Lula hoje, para a imensa maioria da população, não é defender um político que pode ou não ter cometido atos desabonadores. Que pode ou não ter sido beneficiado em alguns negócios. Que pode ou não ter deixado de fazer reformas em nome de uma composição política questionável. Apoiar Lula hoje é defender a própria história. Apoiar Lula é dizer que os últimos catorze anos não foram uma farsa. É lutar pela própria sanidade mental, dizendo que se trabalhou, e muito, neste período para um Brasil mais justo. Lula é, portanto, não mais o metalúrgico Luís Inácio que organizava greves em 1970. Lula hoje significa um período de tempo na vida de cada um. Um período em que o Brasil saiu do mapa da fome, ficou mais rico e menos desigual. Defender o símbolo Lula, não é compactuar com reformismo ou com alianças fisiológicas. Defender Lula é reafirmar os últimos catorze anos da vida de todos e de cada um, dizendo a altos pulmões que eu estive aqui e sei o que aconteceu.

A direita sabe disto, por isto ataca o símbolo Lula e não o metalúrgico Luís Inácio. Por isto precisa de mídia e não de justiça. O fato é que se a direita brasileira tivesse um trunfo destes governaria pelos próximos vinte anos. A esquerda, entretanto, continua se fagocitando. Destruindo seu capital político em troca de nada. Se Lula será ou não candidato em 2018 é secundário. Hoje é preciso lutar pela História dos últimos catorze anos. É preciso dizer que é possível crescer e incluir, que é possível desenvolver e distribuir e que é possível que o povo exerça sim o poder.


Onde:

http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/que-tempos-sao-estes-por-fernando-horta

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Vaza a jato e o massacre midiático




“As declarações de Moro sobre a imprensa foram cínicas. Aquilo é uma balbúrdia”: o ex-ministro Eugênio Aragão fala ao DCM


Por RIBAMAR MONTEIRO, de Brasília.

Prestes a se aposentar do Ministério Público, e enfrentando mais um Processo Administrativo Disciplinar interno, por criticar o Conselho Nacional do Ministério Público, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão deu a seguinte entrevista ao DCM.



Como avalia o depoimento de Lula a Moro?

Pífio. Perguntas extensas sobre questões distantes da acusação, com um juiz impaciente em ouvir a defesa, fazendo indagações antes do Ministério Público, o que distorce o sentido da norma processual.

O juiz só pode fazer perguntas sobre omissões, contradições ou ambiguidades decorrentes das já feitas pelas partes. Quem primeiro pergunta é o MP, depois a defesa. O juiz, só ao final, e não pode inovar.

As supostas provas apresentadas foram rasteiras, documentos não assinados, declarações soltas sem comprovação. Enfim, uma balbúrdia, não um processo. As declarações de Moro ao final sobre a imprensa foram cínicas.

Ele mesmo usa e abusa dos meios de comunicação para buscar apoio de parte da população em seu discurso contra a corrupção. É claro que os abusos e violações da presunção de inocência tiveram a contribuição decisiva do juiz, que não para de dar entrevistas e palestras. 

Na minha opinião, desnudaram-se o circo e os objetivos canhestros dessa tal operação Lava Jato.

Como vê a relação entre grande imprensa e Lava Jato?

Eu acho que existe um grande equívoco por parte de colegas do Ministério Público quando acreditam que essa grande mídia que os apóia, agora, é sua aliada. Confundir a sua pauta com a da imprensa é um risco institucional enorme. Ao afirmar que o sucesso da Lava Jato depende do apoio da chamada opinião pública, me parece que o juiz de Curitiba não sabe o que é isso.

Opinião pública não se confunde com um levantamento de opinião por um instituto estatístico. É algo forjado, martelado, é o resultado do trabalho dos formadores de opinião, que se forma, simplesmente, a critério de quem manda nos meios de comunicação, dos donos de jornais. Muitos colegas se veem, realmente, como os salvadores da pátria, acreditam nisso, o que os torna “vesgos”, enxergando a realidade da forma como pinta a mídia, que os põe num pedestal, numa situação absolutamente artificial.

Por que enxergam assim?

Acho que é falta de noção do que é comunicação social, de como ela trabalha. Apesar de muitos dos nossos colegas terem tido media training, acho que não entenderam do que se trata. Trabalhar o conceito de opinião pública com os membros do MP e do Judiciário é fundamental para que eles entendam essa dinâmica. Falta estudar as teorias da comunicação.

Quais as consequências disso?

Como a grande imprensa usa o MP para suas pautas, buscando promover um desgaste sistemático da esquerda, isso acaba desacreditando o MP e a PF, porque a mídia os coloca dentro de seu viés parcial, contra o PT, por exemplo. Pode até ser que alguns membros da Lava Jato não estejam apenas atrás de políticos petistas, mas não é isso que é representado pela mídia tradicional, que mostra um Ministério Público, sobretudo, antipetista.

Como quebrar essa narrativa?

Como eu disse, acredito na boa fé de muitos colegas, que realmente acreditam fazer a coisa certa, mas eles estão completamente equivocados por não verem que por trás do discurso de combate à corrupção há um discurso de desmantelamento de setores estratégicos para a economia do País. Na verdade, existe uma verdadeira operação de guerra para a quebra desses setores.

E isso não é feito por gente desinteressada. Isso não é feito pelo empresariado nacional, que quer salvar-se, muito menos feito por uma sociedade que preza por seus empregos. Me parece claro que é feito por uma mão vinda de fora.

Como assim?

A verdade é que a quebra do setor de engenharia civil, indústria naval e agora o profundo impacto nas exportações de carne que houve com aquela operação “Carne Fraca”, mostram claramente os interesses em jogo: tirar o Brasil da disputa por mercados.

O Brasil não pode mais ser um concorrente, segundo essa visão. E na carne a situação é ainda mais grave do que na engenharia, porque o País é o maior exportador do mundo, sendo que não exportamos sequer 20% da produção. Ou seja, o maior produtor absoluto. 

Do jeito que a PF, para fazer sensacionalismo, colocou o problema, fica parecendo que o Brasil estava exportando carne podre, o que não é verdade. A carne que vai para fora, diferentemente da que fica para o mercado interno, passa por um controle sanitário muito mais rigoroso, por parte das autoridades estrangeiras, para que o produto possa ser exportado. Agora, a carne distribuída nacionalmente depende de quem você compra. 

Já tivemos casos de frigoríficos que injetavam água no frango para aumentar o peso, por exemplo, mas isso não tem reflexo no exterior, ou seja, quem tem que reagir são as autoridades brasileiras. Então, generalizar e dizer que a carne brasileira é ruim, é perigoso para o sucesso desse setor. 

O mercado externo é uma praça de guerra onde o Brasil conseguiu desbancar Argentina, Uruguai e Estados Unidos. É claro que esses países estão doidos para que a nossa carne seja rejeitada no mercado, porque o preço da commodity vai subir e eles vão poder voltar a ser os principais atores dessa indústria. 

A União Europeia proibir a importação não vai prejudicar o grupo JBS, que tem frigoríficos no Canadá, Estados Unidos, Europa. A queda na exportação não vai diminuir o rendimento dessa empresa, vai prejudicar os frigoríficos menores, a cadeia nacional.

Portanto, nossas instituições, como a PF, não sabem jogar o jogo nacional. Não têm consciência de uma estratégia nacional. Se veem como ilhas isoladas de bem-estar do serviço público, e estão pouco se lixando para o impacto que suas operações têm na economia. Até o momento em que elas mesmas poderão ser atingidas, porque quebrando esses setores, a arrecadação do estado brasileiro diminui drasticamente, e algum dia pode faltar dinheiro para pagar os vencimentos dos funcionários públicos.

Qual o pensamento que impera hoje dentro do Ministério Público?

Hoje existe uma espécie de idealismo deformado. Desde o final do governo FHC, o recrutamento dentro do Ministério Público levou à transformação da grande maioria dos colegas numa massa de classe média consumista. São pessoas que querem, sobretudo, a carreira para viverem bem, tirar o que ela tem de melhor para suas expectativas individuais, que é uma boa remuneração, status, poder, prestígio social.

Aqueles que realmente trabalham com Direitos Humanos, com a tutela coletiva, estão minguando, são cada vez mais minoria em relação aos que lutam baseados num discurso contra a corrupção, seja no viés criminal ou nas ações de improbidade. Isso que é o pop, dentro do MP.

Os concursos para o Ministério Público atraem pessoas muito bem instruídas, capazes de passar por provas disputadíssimas. Aquele indivíduo que talvez tenha um ideal maior e uma visão mais realista da sociedade, porque padeceu mais, não tem tanta chance nessas disputas. Quem faz um concurso desses tem que ter tempo para estudar e se preparar, e isso está disponível, normalmente, para pessoas que tenham quem os sustente. 

A visão da maioria dessas pessoas é que a carreira no MP é um investimento pessoal. Uma vez passando, o cidadão age dessa forma quer o retorno. Ele pensa: eu investi todos esses anos, agora quero ver o que tem para mim. É uma visão completamente diferente da que originou o Ministério Público em 88. 

Essas pessoas reclamam de tudo: excesso de trabalho, falta de gente para compor suas equipes, falta de perícia. Ora, quando entramos no MP não tinha menos trabalho, até porque éramos Ministério Público e Advocacia da União, tudo junto. 

A estruturação, em si, não é negativa, mas esses servidores não veem o tanto que têm, não param de reclamar. O que mais se vê na lista de discussão do MP é reclamação. “Ah, estou assoberbado. Ah, o dinheiro não está dando. Ah,eles têm que pagar o plantão. Têm que pagar o acúmulo de ofícios”.

Meu Deus do céu! Eu, na minha carreira, já acumulei em determinados momentos seis, sete funções ao mesmo tempo, e nunca pedi distribuição diferenciada por causa disso. E não sou eu apenas, há muitos assim, mas atualmente o que impera é uma outra cultura, a cultura do “eu quero me dar bem”. 

Claro, existem honrosas exceções de pessoas que fazem um trabalho formidável, sozinhas em Procuradorias do interior, mas são exceções. A grande maioria quer sair da periferia para o centro e estão mais preocupadas com um projeto pessoal.

Por que esse pensamento é dominante?

Tem a ver com o que eu disse sobre o recrutamento. Alguns, mais jovens, quando viram o crescimento do Ministério Público, se sonharam lá dentro porque achavam que aquilo era uma carreira para o sucesso pessoal. E isso está desmanchando o tecido institucional que levou a Constituinte de 87 e 88 a prestigiar o Ministério Público. 

Àquela época, os membros eram pessoas altruístas, cidadãos que levaram o MP a ser o que ele é hoje, que se sacrificavam pela instituição. Antes, tirávamos do próprio bolso a complementação das diárias disponíveis para viagens. Atualmente, muitos viajam para receber diárias que giram em torno de mil reais. Ou seja, cinco dias fora significam cinco mil reais, líquido, a mais num salário que já é polpudo.

Como retomar os princípios que nortearam a criação do MP?

Acho que será necessária uma reformulação de todo o sistema público. Mexer só no Ministério Público, que se tornou parte de um conjunto em que se formaram elites, não adianta. A administração pública tem que voltar a crescer e se reafirmar, para poder fazer frente a esses desafios de sua autoridade, muitas vezes mais corporativas do que institucionais.

Tal corporativismo pode ser exemplificado com a busca pela retirada dos servidores do MP da reforma da Previdência proposta pelo governo Temer?

O que eu acho pior não é nem a reforma abrir mão dos membros do MP. É os membros do MP, da magistratura e suas respectivas associações brigarem por regras especiais para si, querendo se destacar da maioria, ao invés de se juntarem à luta popular pela manutenção das regras atuais da Previdência. Isso é um indício muito claro de como o MP se distanciou da sociedade. Porque o MP hoje não está mais brigando contra a loucura que é essa proposta de reforma, e sim para garantir o seu.

Mas existem iniciativas internas que se diferenciam disso?

Existe a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, doutora Deborah Duprat, que já fez parecer técnico mostrando que essa reforma da Previdência é inconstitucional. Mas a doutora Deborah, hoje, faz parte de um grupo minoritário. A Associação Nacional dos Procuradores da República briga para que o MP fique fora dessa reforma, usando toda sua influência, lobby, junto ao governo golpista.

É a favor do fim foro privilegiado?

Atualmente, não. Diante da forma como a Justiça tem agido, não. Não vejo imparcialidade possível no primeiro grau em lidar com atores políticos de peso. Porque esse tipo de atitude midiática, que vemos por parte da Lava Jato, só vai ser fortalecida, gerando mais arbitrariedades.

E o projeto de abuso de autoridade, aprovado pelo Senado, com o fim do foro?

Temos que ter cuidado. Claro que sou a favor de uma lei que combata o abuso de poder em relação a atitudes midiáticas da Justiça e do Ministério Público, a vazamentos de informações, escuta de conversas entre advogado e cliente, e uma série de outras barbaridades que matam o processo legal. Porém, já temos os instrumentos necessários para combater isso.

O problema é a falta de resposta, da própria Justiça, na hora de uma representação contra. As pessoas muitas vezes se iludem, achando que uma lei vai resolver. Quem vai julgar segundo essa lei serão os próprios magistrados. E vai ser o MP quem vai atuar na acusação. Por isso digo: sou contra a extinção do foro privilegiado até que tenhamos uma reforma do sistema que garanta atuação isenta, imparcial e equilibrada por parte do MP e do Judiciário.

Qual sua opinião a respeito das dez medidas contra a corrupção?

É um projeto corporativo, para dar mais musculatura a quem já está cheio de músculos. O MP aproveitou a onda de uma parcela da população polarizada e mal informada, pessoas que veem o combate ã corrupção como única finalidade do estado. Acha que é o programa que vale, esquecendo o combate à pobreza, da desigualdade, proteção dos vulneráveis, E o MP soube pegar carona nas manifestações de 2013 para matar a PEC 37. 

Vejo esse projeto como um marketing. Tanto é que essas medidas foram gestadas dentro do Ministério Público e publicidade em cima disso é, basicamente, institucional. Tem muito pouco de medida de iniciativa popular.

E a lei da terceirização, sancionada por Temer?

A terceirização mata o artigo 7º da Constituição, os direitos sociais, que fazem parte de cláusula pétrea. São a base dos direitos fundamentais de quem é cidadão brasileiro. Tanto que em direitos humanos, falamos em direitos civis e políticos de um lado e econômicos e sociais de outro. São as duas faces de uma mesma moeda. O artigo 7º é inviolável.

Agora, vai depender muito da atitude do PGR de questionar isso diante do STF e a atitude do Supremo acolher, uma vez que vemos muitos ministros falando contra os direitos trabalhistas, dizendo que a justiça do trabalho é um laboratório do PT. 

Portanto, até que medida o STF está apto para defender o que a Constituição determina? Podemos confiar neste guardião da Constituição?

Estamos vendo os consensos que montaram nossa democracia depois da ditadura sendo dissolvidos. E quando isso se desmancha as pessoas já não se empenham mais pelos valores constitucionais. Tudo se torna relativo. 

Vale para um, não vale para outro. Por exemplo, quando prenderam o Daniel Dantas e colocaram uma algema nele, nasceu uma súmula vinculante proibindo que se algemasse. Agora, quando se algema Palocci, o Supremo, que baixou a súmula vinculante, não fala nada.

Então, a gente vê que esses conceitos estão virando pó, e isso traz uma insegurança jurídica muito grande. A quem recorrer?

A quem recorrer?

Acho que se a sociedade não se organizar e cobrar, seja por meio dos mecanismos legais ou da voz das ruas, podemos sepultar nossa democracia. 

Estamos vendo que o Judiciário e o MP estão sujeitos a qualquer tipo de pressão da mídia. Tudo é questão de saber quem grita mais alto numa hora dessas. E se a sociedade não se organizar para gritar, não será ouvida.


Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/as-declaracoes-de-moro-sobre-imprensa-foram-cinicas-aquilo-e-uma-balburdia-o-ex-ministro-eugenio-aragao-fala-ao-dcm/

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Se o juiz ganhar todos perdemos

Charge de J. Bosco


Se o juiz ganhar todos perdemos

Milly Lacombe


Imagino que não exista mais a figura do brasileiro que deixe de achar que o juiz Sergio Moro está à caça de Lula e quer prendê-lo. Há, naturalmente, os que concordam com o juiz porque também detestam Lula e desprezam tudo o que acreditam que Lula tenha feito de mal ao Brasil. A falta de provas não importa mais. Prendam o homem como conseguirem porque temos certeza de que ele é culpado.

Se o caso é esse, como me parece evidente, então estamos todos lascados.

Já não se trata mais de saber se Lula tem culpa, ou quanto de culpa, se trata de preservar algum vestígio de justiça e de moral, e de ter algum respeito pela presunção a inocência, um direito de todos nós.

Se aceitamos que o juiz seja parte então haverá quem comemore hoje o fato de um inimigo ser preso esquecendo que amanhã o juiz pode ser a parte contra você ou contra alguém que você ame.

Uma passada de olhos na história do nazismo basta para que entendamos o papel que o judiciário alemão teve na tragédia.

O nazismo não foi ilegal, muito ao contrário. Apoiado por leis e decisões judiciais, ele se mantinha com a propaganda de que estava sendo implantado para acabar com a corrupção e para punir severamente os corruptos.

Como agora, havia uma crise econômica no ar e a população, desesperada por ajuda, estava pronta para acreditar em qualquer maluco que prometesse a salvação apontando o inimigo.

A escolha de um inimigo comum, e a fabricação de consenso para que a população acredite na fábula, está por trás dos maiores crimes cometidos contra a humanidade.

Judiciário e imprensa produziram a base de legalidade e de popularidade necessárias para que o nazismo fosse instalado.

O juiz Sergio Moro já deu inúmeras demonstrações de ter ideologia e preferências políticas, o que não seria problema algum se ele não fosse juiz. Assim como já deixou claro o carinho que tem pelos holofotes, o que, outra vez, não seria um problema não fosse ele um juiz.

Mas, pior, já deixou cristalinamente claro que não se intimida em burlar a lei se o objetivo for moralizar a nação. E há quem não veja o absurdo e o bizarro em um juiz cometer ilegalidades e abusos em nome da suposta moralização nacional (veja a lista dos abusos cometido até aqui pelo juiz).

Moro já driblou a lei pelo menos uma dúzia de vezes e foi celebrado por fazer isso pelos mesmos motivos que, no nazismo, celebrava-se juízes que alargavam a lei para acabar com a corrupção. Diziam que por tão nobre motivo liberdades individuais podiam ser perdidas.

Não há como buscar justiça nessas condições. Mas há como buscar o caos, que é para onde estamos caminhando.

Nossas instituições quase não funcionam mais e estamos diante do absurdo de aceitar que o réu e o juiz sejam oponentes. Estamos assistindo de braços cruzados um juiz fazer valer suas crenças e sair em busca de provas que as justifiquem.

Trata-se, como explicou o jurista Rubens Casara, do primado da hipótese sobre o fato, típico da mentalidade inquisitorial.

O juiz, dentro de um quadro mental paranoico, assume como verdade o que é uma possibilidade.

“Se faltam provas dessa hipótese que o o juiz acredita ser verdadeira”, diz Casara, “se os fatos provados não vão de encontro à fé do inquisidor, o juiz passa a acreditar que a culpa dessa ausência de provas é do investigado ou acusado”.

É bastante perigoso que aceitemos esse cenário paranoico apenas porque alguém com quem antipatizamos – e vamos deixar de lado aqui a análise dos motivos que fazem com que Lula seja odiado – está se dando mal.

É perigoso, é cruel, é desumano. E se aparentemente a vítima desse embate com o juiz é alguém que você despreza é melhor ter em mente que a vítima não é Lula, a vítima é você, porque, para o cidadão comum e assalariado, não há vida fora do Estado de Direito.


Onde:

http://domacedo.blogspot.com.br/

https://blogdamilly.com/2017/05/09/se-o-juiz-ganhar-todos-perdemos/

domingo, 7 de maio de 2017

Alô alô ONU: o Direito brasileiro está pelo avesso e foi pras cucuias

Charge de Angeli - Folha de São Paulo





O que o “bonzinho” Moro quer com apelo a seguidores por vídeo?

Fernando Brito

Em mais um momento esdrúxulo desta esdrúxula saga da “Lava Jato”, vejo o sr. Sérgio Moro num vídeo onde pede a seus “apoiadores” que não vão a Curitiba “manifestar seu apoio” no dia do depoimento do ex-presidente Lula, para que “ninguém se machuque”.

Abstraia-se o fato de ser estranho que juiz tenha “apoiadores” e igualmente se descarte que faça comunicados e apelos pelas redes sociais, algo totalmente incompatível com a discrição e o silêncio próprios a um magistrado e faça-se uma análise do que contém o fato incomum, ainda mais incomum porque feito por uma página de Facebook, mantida por sua mulher, que tem o nome de “Eu Moro com ele”.

Com base em que Moro espera (ou ao menos teme) conflitos na quarta-feira? Ele está ciente de que há pessoas ou grupos dispostos a isso, para além de algum incidente que o mínimo de policiamento poderia evitar? O que há, assumidamente, é uma manifestação política de apoio a Lula, que é político, não juiz e, neste caso, cabe ter “apoiadores”.

Ao que se saiba, além de notícias imprecisas sobre convocação de lutadores de artes marciais para tal “apoio a Lava Jato”, só quem fez incitação até agora foi o grupo – pago por quem? – que espalhou 30 out-doors em Curitiba, figurando Lula como presidiário. Desejo de prender Lula seria apoio a um juiz que não teria a mesma intenção, em tese?

Ou Moro, com sua “cognição sumária” tem a intenção de desonerar-se, previamente, do que seus “apoiadores” são capazes de fazer e, no mesmo movimento preventivo, precaver-se do fato de que serão poucos, muito poucos e quase só os mais ferozes?

Porque, depois deste “apelo”, o juiz está blindado de qualquer acusação de responsabilidade pelo que uma dúzia de bestas-fera venham a fazer, não é?


O "Direito Morano"

Fernando Brito

A propósito do que postei mais cedo, sobre o ineditismo do “apelo” de Sérgio Moro pelo Facebook, um interessante resumo feito pelo pesquisador da Universidade de Brasília Fernando Horta sobre “algumas novidades do direito introduzidas pelo pretor de Curitiba”:

– intimação de advogado por SMS
– prazo de oito horas para apresentar defesa
– intimação de cia aérea para verificar se advogado viajou em dia de audiência não ocorrida
– televisionamento ao vivo de audiência sob sigilo legal
– prisão provisória de 3 anos
– grampo telefônico por mais de 8 meses em TODOS os advogados do escritório da defesa
– deferimento de ofício de condução coercitiva (não pedida pelo mp) 
– apropriação indevida dos bens do acusado sem comprovação de prejuízo financeiro algum
– manifestações via facebook
– pedidos de “apoio da mídia” para coagir réus 
– aceitação de delações premiadas depois de exarada sentença 
– vazamentos de conversas sigilosas para redes de televisão
– gravações ilegais e uso do material ilegal como base de decisão interlocutória
– obrigação da presença do réus nas oitivas de testemunha
– atração de competência “por conexão” de todos os processos relativos ao réu 
– designação de parte da indenização a ser paga para entidades que não figuram nos polos da ação e não foram lesadas (mp e pf) 
– artigo “científico” afirmando que a “flexibilização dos direitos individuais é um preço pequeno a ser pago pelo combate à corrupção”. 
– acordos de cooperação judicial internacional sem o conhecimento ou anuência do congresso ou ministério da justiça 
– negação de acesso da defesa aos autos “para não comprometer acordo internacional sigiloso” feito entre o juiz e um país estrangeiro 
– réus que recebem percentual sobre os valores reavidos em ação e mantém bens obtidos com dinheiro de ações ilícitas com a anuência do juízo 
– o próprio juiz figura como “chefe de força tarefa” figurando, em realidade, no polo acusatório
No século XIX nossos juristas e nosso imperador emendaram o livro “o espírito das leis” e criaram um quarto poder (o poder moderador). “Jênios”. Agora um juiz brasileiro “revoluciona” o direito no mundo … E sua corte superior chancela tudo, dizendo que “é um caso de exceção”. O direito agora tem jurisprudência defendendo o casuísmo, a norma ad hoc e o “in dubio contra a esquerda”.
Talvez você devesse ler sobre a “lei em movimento” e o juiz Roland Freisler que serviu ao nazismo.

Moro é um caso a ser objeto de estudos mundiais. Sobre o que, claro, deve ser evitado a qualquer preço pela Justiça, se ela quer manter este nome.


Onde:

http://www.tijolaco.com.br/blog/o-2/

http://www.tijolaco.com.br/blog/o-direito-morano/

sábado, 6 de maio de 2017

Stalinismo curitibano



Xadrez dos processos de Moscou e de Curitiba


Luis Nassif


Peça 1 – os processos de Curitiba e os de Moscou

O interrogatório de Renato Duque lembra os processos de Moscou de 1938, onde foram condenados bolchevistas históricos como Lev Khamenev, Gregori Zinoviev, Nikolai Bukharin, Leon Trostsky, Leon Sidov (filho de Trotsky), todos condenados à morte após confissões. Trotsky e seu filho fugiram antes.


As confissões eram montadas e extraídas sob tortura, mas proferidas perante um juiz togado, obedecidos todos os procedimentos legais, com os interrogados em postura de arrependimento e humildade.

Aliás, o mesmo modelo adotado pela ditadura com a Globo, no início do Jornal Nacional. Depois de obter “confissões” sob tortura, gravava-se uma entrevista na qual o prisioneiro manifestava seu arrependimento. E as imagens iam ao ar pelo Jornal Nacional.

Repetiu-se o mesmo jogo com Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e Renato Duque, ex-diretor da Petrobras.

Retransmitido dezenas de vezes pelo sistema Globo, as imagens mostram um homem destruído, no chão, o padrão clássico do interrogado sob tortura que diz o que o interrogador quer que diga. É inconfundível o cheiro de confissão montada.

Depois de ter € 20,5 milhões bloqueados por autoridades do Principado de Mônaco e da Suíça, no Banco Julius Baer, de Mônaco, em nome das offshores Milzart Overseas (€ 10,2 milhões) e Pamore Assets (€ 10,2 milhões), Duque diz que

“Para mim bastariam 10 milhões de dólares (...) eu não queria dinheiro para mim”.

E conclui com um:

- Gostaria de enfatizar meu interesse de assinar uma repatriação, o que for necessário, para que esse dinheiro venha e volte aí para quem de direito.

Se o roteirista fosse mais imaginoso poderia terminar a delação-cnfissão com um desinteressado

“gostaria de agradecer os bravos, honestos e patrióticos membros da Lava Jato pela oportunidade de me trazer de volta para as sendas do bem”.

Mas, onde as provas? Onde a verossimilhança.

Peça 2 – a delação de Renato Duque

A confissão de Renato Duque é de uma pessoa presa e acuada, com ameaça de ficar preso pelo resto da vida. Tem tanto valor quanto a confissão de um prisioneiro no pau de arara.

Vamos submetê-la ao filtro mais imediato: o teste de verossimilhança.

Duque e Dilma

Graça Foster foi indicada para a Petrobras por Dilma, com a missão específica de afastar diretores sobre os quais pairavam rumores de corrupção. Seu primeiro ato foi demitir Paulo Roberto Costa e Renato Duque.

Todos os depoimentos sobre Dilma Rousseff, mesmo de adversários ou delatores, jamais atestaram qualquer abertura dela com terceiros, qualquer declaração minimamente íntima. E nenhuma intimidade tinha especialmente com o círculo que se aproximou do poder através de José Dirceu.

Pela delação, Duque pediu demissão espontaneamente e foi convocado por Dilma, que teria pedido:

“Você tem que ficar porque será o nosso arrecadador”

E nosso bravo delator disse não.


Duque e Lula

Segundo Duque, o diálogo com Lula teria sido o seguinte:

Lula – A Dilma tinha recebido a informação de que um ex-diretor da Petrobras tinha recebido dinheiro da CBM

Duque – Não, não tenho dinheiro da SBM. Nunca recebi dinheiro nenhum da SBM,


Lula - E as sondas? Tem alguma coisa?

Duque – Não, também não tem.

Lula – Olha, preste atenção: se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no seu nome, entendeu?

Por tudo o que se sabe de Lula, em 37 anos de vida pública jamais se abriu com alguém de fora de seu círculo pessoal. E Duque nunca foi de seu círculo. 

Duque diz que Lula “sabia de tudo” e era o “comandante do esquema”.

Ora, o objetivo principal de um esquema de corrupção é obter dinheiro. Como então o chefe desse esquema pergunta a um personagem secundário aonde está o dinheiro? E não sabe se o pagador pagou e nem se tinha que pagar, não sabe o que foi combinado, como o combinado foi pago e se foi pago onde está o dinheiro. E, no entanto, mesmo sendo do círculo secundário da corrupção, Duque “sabia” que um terço do dinheiro ia para o PT, outro terço para Lula e outro terço para Dirceu.

Em outro trecho, diz Duque, segundo o padrão de jornalismo Veja:

· Lula operava em favor das empreiteiras e definia percentuais de propina.

· Lula mantinha uma agenda de encontros nos quais cobrava pessoalmente a liberação de dinheiro para as empreiteiras.

· O ex-Ministro José Dirceu e Lula planejavam dividir com o PT uma cota da propina que poderia chegar a US$ 200 milhões.

Até é possível que Lula tenha cruzado com Duque no hangar da TAM. Mas a conversa não faz sentido.

Mesmo aceitando como verdadeiro o diálogo relatado por Duque, o que se conclui é que:

1.Lula NÃO SABIA NADA, apenas desconfiava.

2.Pelas perguntas a Duque, Lula não estava em busca do dinheiro. Apenas fez uma advertência.

3.Se Lula não sabia nada sobre a) se houve comissão, b) se ela foi paga, c) onde foi paga e d) onde está o dinheiro, Duque deixou claro que Lula NÃO SABIA DE NADA, nem ele e nem Vaccari.

4.Mesmo assim, Duque diz que sabia de tudo, até que o dinheiro era dividido pelo PT, por Dirceu e por Lula.

Peça 3 – Uma amostra da cartelização da manipulação da notícia


Todos os jornalões e sites de jornais repetiram o mesmo título.

Folha: "Ex-diretor da OAS diz que tríplex estava 'reservado' para Lula"

Estadão: "Ex-diretor da OAS afirma que tríplex estava 'reservado' para Lula"

Globo: " Ex-diretor da OAS diz a Moro que tríplex estava reservado para Lula".

G1: "Ex-Diretor da OAS diz a Moro que tríplex estava reservado para "Dona Mariza e o ex-presidente´"

As matérias se referiam ao depoimento prestado por um ex-diretor regional da OAS, Roberto Marinho Ferreira, responsável pelas benfeitorias realizadas na unidade.

Segundo a reportagem da Folha, Ferreira teria declarado o seguinte:

Ferreira disse que soube por meio de um diretor que havia uma "reserva específica", para o ex-presidente, da unidade.

Segundo o réu, as chaves nunca foram entregues para Lula ou para Marisa Letícia e o apartamento está fechado desde a deflagração da sétima fase da Operação Lava Jato, que prendeu Léo Pinheiro no fim de 2014. A unidade permanece sob responsabilidade da OAS.

O ex-diretor regional diz que nada na reforma foi feito de "forma oculta" e que há notas fiscais de todos os gastos.

A manipulação das ênfases é apenas um dos aspectos desse jornalismo de guerra. Destaca-se o acessório ou tira-se uma frase do contexto e, pela maior visibilidade de manchete sobre o corpo da matéria, transmite-se a convicção de que o apartamento pertenceria a Lula.

Desde o início desse jornalismo de esgoto, mais explícito no período Veja de 2006 a 2014, uma das jogadas consistia em lançar pesadas acusações no ar, sem a apresentação de provas.

No início, o blefe pegava. Não se imaginava uma publicação com a história de Veja lançar denúncias de grande gravidade sem dispor de provas. Havia sempre a expectativa de que na edição seguinte apareceriam novas evidências, motivo pelo qual muitos seguravam as críticas. E as evidências jamais apareciam até se descobrir o fenômeno da pós-verdade assumida por toda a mídia corporativa.

Peça 4 – a metodologia de manipulação dos processos

O processo judicial exige provas. A delação só tem valor jurídico se acompanhada de provas. No caso de acusações por corrupção tem que existir o subornado, o subornador, e a prova do suborno – de um lado o pagamento, de outro lado o benefício.

Suponha que determinada empresa queira fazer um agrado a um ex-presidente. Por si, não é corrupção. Para caracterizar a corrupção tem que haver a contrapartida, amarrar o pagamento a um episódio específico.

O método de acusação da Lava Jato é tão óbvio quando o dos Processos de Moscou:

1.Levantam qualquer espécie de pagamento que possa ter sido feito a Lula, por palestras no exterior e aqui, para armazenamento dos presentes da Presidência, para financiamento do Instituto Lula – em tudo parecido com o que ocorreu com o Instituto Fernando Henrique Cardoso.

2.Levantam provas de corrupção na Petrobras.

3.A partir daí tentam forçar relações entre um caso e outro, em uma espécie de jogo de junte-os-pontos.

Ora, há pontos fundamentais para caracterizar a corrupção:

1.Provas cabais de entrega de dinheiro a Lula, por depósitos, contas no exterior ou em dinheiro vivo.

2.Provas cabais de enriquecimento patrimonial de Lula, como documentos provando posse de imóveis ou outros bens.

E aí a Lava Jato se enrola.

Contando com os mais potentes instrumentos de investigação da história – a NSA, FBI e Departamento de Justiça na cooperação internacional, os bancos de dados do Banco Central, Receita, Coaf, as interceptações telefônicas e as delações premiadas – a equipe da Lava Jato não conseguiu levantar uma prova sequer contra Lula.

As palestras tinham preço de mercado, inclusive tendo como um dos clientes a própria Globo. As palestras na África e América Latina obedeciam a propósitos comerciais das empreiteiras, de ter Lula como seu garoto-propaganda. Os favores pessoais foram feitos a um ex-presidente que, desde que deixou o poder, não teve o menor espaço no governo – porque tendo uma sucessora que fazia questão de exercer o poder absoluto, sem abrir espaço sequer para conselhos.

Houve favores também a filhos de Lula, a sobrinho da primeira mulher. Pela dimensão da ajuda, em contraposição ao valor da suposta corrupção, qualquer analista minimamente racional consideraria como mimos de empresas.

Daí o jogo midiático da Lava Jato, entupindo a mídia nativa com afirmações taxativas, com ilações sem o menor valor legal, para um público leigo, atendido por um jornalismo tão primário quanto ele, para quem seguir os procedimentos legais são “meras tecnicalidades” – como diz o texto da brilhante Eliane Cantanhede.

Peça 5 – os processos contra Lula

Hoje em dia, há três processos correndo contra Lula.

1.O do Power Point, que analisa três contratos da OAS com a Petrobras e tenta estabelecer relações com o triplex, que seria supostamente de Lula.

2.Os contratos da Odebrecht e o prédio do Instituto Lula,

3.A acusação de obstrução da notícia, a partir da delação do ex-senador Delcídio do Amaral.

Caso 1 - o triplex

Até agora foram ouvidas 73 testemunhas, 27 de acusação.

As últimas declarações de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS - atribuindo a Lula a propriedade do tríplex - não tem o menor valor legal. Leo depôs da condição de co-réu, Como tal, não depõe sob juramento e nem tem a obrigação de falar a verdade. Seu depoimento não tinha o menor valor para o processo. Mas foi tomado para garantir as manchetes do dia seguinte.

Os advogados conseguiram provas cabais da inocência do Lula, não só documental, mostrando o verdadeiro proprietários das propriedades, mas a testemunhal também. Todas as testemunhas inocentaram Lula.

O próprio administrador judicial – do pedido de recuperação judicial da OAS – já informou os credores que o imóvel em questão faz parte dos ativos em garantia.

Léo Pinheiro ainda não fechou a delação. Mas já admitiu não ter provas com base em uma desculpa padrão: Lula pediu para ele destruir todas as provas. E ele destruiu.

Segundo a acusação da Lava Jato, o triplex teria sido transferido para Lula no dia 7 de outubro de 2009. Esse é o dia em que foi selado o acordo entre a Bancoop e a OAS, para assumir a construção do edifício Solaris, sob a supervisão do Ministério Público Estadual e a Justiça estadual de São Paulo.

No dia 6 de novembro de 2009, o próprio Léo Pinheiro protocolou na Junta Comercial a escritura de uma emissão de debêntures incluindo o imóvel nos ativos da companhia. Ao contrário da sua confissão, a escritura de debêntures era encimada por um "declaro sob as penas da lei que as informações são verdadeiras".

Dona Marisa possuía uma cota do edifício, adquirida em 2005. A tese da Lava Jato supõe que dona Marisa adquiriu a cota em 2005 sabendo antecipadamente que a obra seria transferida para a OAS em 2009 e o triplex seria transferido para ela, embora só ficasse pronto em 2014.

Fora os factóides, a Lava Jato não possui um documento sequer comprovando posse do tríplex por Lula, nenhum depoimento sustentando que ele tenha passado uma noite sequer no edifício ou recebido as chaves, menos ainda, as escrituras. Nada.

Caso 2 – o imóvel para o Instituto Lula

Até agora, 87 testemunhas sustentaram que o terreno em questão jamais foi de Lula ou do Instituto Lula.

A defesa de Lula está solicitando acesso aos documentos da Petrobras desde outubro do ano passado. Com os documentos, julgam provar que não houve nenhum ato ilícito.

Há, inclusive um de autoria da Price confirmando que não reportou nenhum ilícito de Lula, nem levantou nada que pudesse identificar as falcatruas cometidas.

Questiona-se, inclusive, as acusações de sobre preço. Ora, toda obra tem seguro e contratos de financiamento. Se havia sobre preço, como nenhuma instituição identificou?

A disputa jurídica tem sido desigual.

A procuradoria tem acesso a toda a documentação da Petrobrás há três anos, sem contar o serviço de inteligência da Polícia Federal e a assistência luxuosa da NSA, FBI e Departamento de Justiça dos Estados Unidos.


A defesa, nenhum aceso. A Petrobras tornou-se assistente de acusação, não permitindo acesso a nenhuma ata societária.

Os advogados de Lula solicitaram perícia contábil e acesso às atas e documentos que entendem serem capazes de refutar integralmente as teses da acusação.

O juiz Sérgio Moro negou, alegando simplesmente que não tinha relevância.

Os advogados recorreram ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) que também indeferiu a prova pericial, alegando que seria muito alto o custo de xerocar todos os documentos.

Os advogados reforçaram o pedido e sugeriram consultar in loco os documentos e só xerocar os que fossem necessários, às suas próprias custas.

O tribunal concedeu. Inicialmente, o diretor jurídico da Petrobras concordou. Depois, voltou atrás. Alegou que a entrada de advogados causaria constrangimento aos funcionários da Petrobras. Depois, alegou sigilo estratégico.

Os advogados peticionaram a Moro, mas até agora não obtiveram nenhuma resposta.

Caso 3 – a obstrução da Justiça

Esse processo nasceu da delação do ex-senador Delcídio do Amaral, que descreveu – sem provas – um diálogo travado com Lula no qual ele supostamente teria manifestado interesse em calar Nestor Cerveró, um dos diretores-chave do esquema de corrupção.

Posteriormente, o próprio Cerveró declarou que apenas Delcídio tinha interesse em calá-lo. Mais tarde, Delcídio voltou atrás e declarou que sobre por terceiros que Lula teria informações sobre os esquemas de corrupção.

Faltam ainda 40 dias para terminar as diligências desse processo.

Peça 6 – a conclusão dos processos

Recentemente, o juiz Sérgio Moro tentou exigir a presença de Lula em todos os depoimentos de testemunhas arroladas pela defesa. A intenção foi induzir a defesa a diminuir a quantidade de testemunhas, porque, por lei, ele não tem o poder de recusar testemunhas.

O TRF4 derrubou essa exigência.

Os próximos passos, então, serão acabar de ouvir as testemunhas. Em seguida, encerra-se a instrução e há as alegações finais da defesa e da procuradoria.

Finalmente, abre-se um prazo para o juiz dar sua sentença e o caso ser encaminhado ao tribunal superior. 

Mas o capítulo mais relevante acontecerá na próxima semana, no julgamento da liminar pedindo a libertação do ex-Ministro Antônio Palocci.

Ali se verá se o STF (Supremo Tribunal Federal) irá seguir a lei ou se curvar ao clamor da turba, a que se manifesta nas ruas, nas redes sociais e nos veículos da Globo.


Onde:

http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-dos-processos-de-moscou-e-de-curitiba