segunda-feira, 23 de julho de 2018

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Barafunda jurídica: cada cabeça (de juiz) é uma sentença?

Charge de Duke


E eis que STJ, TRF-4 e MPF implodiram o livre convencimento

Subtítulo: Raquel Dodge inventa dois novos crimes: hermenêutica e porte ilegal da fala! Quem escapará?
Por Lênio Luiz Streck

A esta altura, todos já estão cientes do imbróglio do dia 8 (domingo retrasado). “Imbróglio”. Muitos vêm usando essa palavra, mas, em meio ao calor dos acontecimentos, ainda no domingo, fui o primeiro a chamar o episódio de “o maior imbróglio jurídico do século”. Pois é. A minha distópica coluna (podem ler de novo — é quase a realidade!) da semana passada (que, em dois dias, teve 101.400 leitores!) já é uma decorrência desse imbróglio.

Relembro do que escrevi e me manifestei em cinco rádios, três sites, um jornal e a ConJur. Afirmei que a decisão do desembargador Favreto somente poderia ser desconstituída dentro das regras processuais. E jamais um juiz — em férias — poderia ter descumprido e armado um verdadeiro tendéu em torno do assunto, demonstrando sua total parcialidade (veja-se nesse sentido a contundente crítica de alguém que não pode ser considerado um homem de esquerda, Bresser-Pereira, publicada em seu perfil no Facebook). Também errou feio o relator, desembargador Gebram, que não tinha competência (avocação é coisa dos tempos da ditadura), e o presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores, quem jamais poderia ter decidido como decidiu. É como se ele fosse presidente do STF e passasse a desconstituir — por discordância — os HCs concedidos em plantão ou monocraticamente pelos ministros Marco Aurélio, Toffoli, Gilmar, Lewandowski, Rosa Weber... Bem assim.

Decisão judicial se cumpre, quem não cumpre comete crime de desobediência. Ou, quando a decisão for contrária (i) à posição política do destinatário e (ii) à sanha punitivista, aí pode descumprir?

Mantenho tudo o que eu disse à primeira hora do dia 8. E acrescento: Playboy, amigo de Beira-Mar, obteve um HC em Goiás e acabou solto por engano. Uau. O mundo vai cair? Como o TJ-GO ousou dar um Habeas Corpus e depois, por engano, o presídio o soltou? Calma. Sem problema. O TJ pode dar HC à vontade. Se os desembargadores decidiram assim, só outra instância para derrubar o HC. Não consta que o presidente do TJ-GO vai instalar sindicância ou tenha “avocado (sic) o HC”. Alguém poderia dizer: mas como um bandido como Playboy recebe um HC? Os desembargadores deveriam saber que... Pois é, pessoal. Direito é um fenômeno complexo. Ele não é um fenômeno causal(ista). É sempre imputacional. Por isso o processo é forma (dat esse rei).

Favreto também estava convencido de que havia fatos novos (questões eleitorais etc. — afinal, a juíza não decidia nunca e acabou, logo depois, decidindo) e concedeu o HC. Como faz qualquer juiz ou desembargador... Plantonista. Por exemplo, um desembargador do TJ-SP — monocraticamente — decretou prisão preventiva de um mendigo de ofício... Em sede de HC. Crime de hermenêutica? Quando o banqueiro Cacciola recebeu HC em 2007, houve crime de hermenêutica? Ah, bom: agora a questão envolve política. E envolve Moro e outros. E Moro é intocável. Ilegalidade de Moro é chamada de “agir prudente”. Nosso Eliot Ness de toga. Por isso, quem o desgostar pode responder por dois crimes: porte ilegal da fala e crime de hermenêutica. E Raquel Dodge manejará a denúncia.

Ora, dezenas ou centenas de erros e acertos são cometidos pelo Judiciário todos os meses. Coisas horrorosas como (i) inversão do ônus da prova, (ii) prisão de ladrão de galinhas, (iii) prisão de ofício, que nem foi pedida pelo MP, (iv) benesses para sonegadores e contrabandistas etc. Isso sem falar no que se faz nos juizados (que é um território à parte no Direito) e na área cível. E isso não causa espécie. Algum crime de hermenêutica nesse conjunto cotidiano de decisões?

Aliás, nesse episódio todo, o vencedor... Fui eu. Mas eu lamento ter vencido. E explico por que. Fui, sou, o mais candente crítico do fantasma do livre convencimento. Já escrevi mais de 2 mil páginas criticando e demonstrando a(s) inconsistência(s) epistêmica(s) desse “instituto” brasileiro, demasiadamente brasileiro. É uma katchanga real. Com o LC é possível fazer qualquer coisa. Essas mais de 2 mil páginas estão em livros, artigos, estão aqui na própria ConJur. Agora mesmo, estamos — Dierle Nunes, George Salomão e eu — lançando todo um livro dedicado ao assunto.

Afinal, por que eu lamento? Vejamos.

Vou explicar essa coisa do LC melhor. Vejam que interessante (pau que bate em Chico, na hora de lanhar Francisco, há uma rebelião dos chicoteadores): quando da discussão do projeto das “10 medidas” (na verdade, lacanianamente, desmedidas), o MPF e os juízes estavam preocupados porque, em um contraponto, os deputados decidiram dar mais responsabilidade aos juízes, criando algumas medidas que impedi(ri)am suas eventuais manifestações contra legem. Isso está na mídia da época, basta procurar. Aqui, por exemplo, o projeto é noticiado e discute-se o “crime de hermenêutica”, lembram?

É impossível não questionar: o tal “crime de hermenêutica” não servia para punir o abuso de autoridade... Mas agora, para retaliação, serve? Hein? Dra. Raquel Dodge, falei para a senhora contratar um estagiário que procedesse como o escravo nos tempos de Roma, que lhe dissesse, a cada cinco minutos: “Lembra-te da Constituição” — escrevi aqui —, e a senhora sucumbiu à política. Chame o estagiário de volta, doutora. Sim, Dodge protestou contra a emenda de Requião e agora surfa na onda do crime de hermenêutica, porque agora é... Bem, o leitor completa a frase. Isso tem nome: lawfare.

Aos que ainda não entenderam, torno mais claro. Trago isso tudo para demonstrar que, de novo, o Direito foi esquecido. Foi predado pela política. O “crime de hermenêutica” era, e é, uma questão clara e puramente política. Assim como também o é o livre convencimento.

Explicitando ainda mais: ninguém tinha qualquer problema com o LC até agora, afora eu e alguns juristas que cabem em uma Kombi — com motorista. Estou falando nisso há anos, e ninguém parecia dar a mínima. Ajudei a tirar o livre convencimento do CPC. A resposta da dogmática: “Humpf... [onomatopeia] Isso não existe. Claro que juiz tem livre convencimento”. Pois é. Então agora virou problema? Daí, tem-se que ele só é bom se contenta o emissor. O LC é apoiado, aplaudido... Desde que a decisão que esteja nele baseada seja a favor da opinião política daquele que discute. A PGR Raquel Dodge e outros são a favor do LC... Mas só se ele for exercido em favor do que ela e outros pensam. Simples assim.

Um pouco de história faz bem. Falo do mensalão. Como em 2012, o LC é ótimo... Quando é para condenar. Pra absolver? Que absurdo! O ministro Lewandowski sabe bem disso, quando escrevi artigo mostrando exatamente isso: todos eram a favor do LC; quando o ministro Lewandowski invocou o LC para absolver, o mundo caiu. Escrevi, então, dizendo: ora, o LC só serve para condenar?

Torno ainda mais claro, porque meu ponto hoje é muito simples: se abrirmos qualquer site de tribunal, inclusive do STF, o LC é sobranceiro. E como se invoca essa entidade metafísica. Problemas para justificar o não deferimento de embargos? Simples: basta dizer que usou o LC. Condenou bem ou condenou mal? Basta dizer que a condenação ou absolvição se deu por LC. Daí, pergunto: se a moda vale, Favreto não tinha livre convencimento? Quer dizer então que, agora, acabou o LC? Por mim, o LC nunca deveria ter existido... Mas já que...!

Juridicamente, a coisa é simples: nesse caso Favreto-Lula-Moro-Gebram-Thompson, dogmaticamente, quando alguém não concorda com uma decisão (quantas decisões acertam ou erram por dia Brasil afora?), somente dentro das regras do jogo é que a polêmica poderia ter sido derrubada. Mas nunca do modo bizarro como foi.

E atenção. Para quem acha que qualquer opinião no sentido de que Favreto era competente é um absurdo jurídico (como diria o ministro Gerson Camarotti, da 3ª Turma do STF, apoiado por alguns professores do RJ, “quem concorda com Favreto é esquerda, ‘petralha’, adjetivos desse jaez), o painel da Folha de S.Paulo de segunda-feira (16/7) dá conta do que minhas fontes já revelavam durante a semana:

“Desembargadores do TRF4 divergem sobre a atitude do Des. Favreto, que mandou soltar o ex-presidente Lula num domingo de plantão. Parte entende que ele tinha competência para decidir o HC — embora discorde dos argumentos para a liberação. [...] O pedido de abertura de inquérito contra Favreto também divide o TRF4. Desembargadores dizem que, se a investigação prosperar, será criado um clima de que todo juiz que decida a favor de Lula está sujeito a punição”.

Pois é. Se ele era plantonista, tinha competência, sim. Plantonista é o único que tem competência. Em qualquer foro, tribunal, inclusive no STJ. Laurita Vaz, presidente do STJ, concede HC em plantão (atenção: a mesma presidente Laurita quem diz que a pena restritiva de direitos não pode ser executada após sentença de 2º grau — ou seja, para ela, prisão, que é grave, pode remeter o sujeito direito ao ergástulo depois do segundo grau — diz também e ao mesmo tempo que o menos, restrição de direitos, não pode executar: nesse caso, a colegialidade [sic] do STF não vale; mas quando é Favreto-Lula, aí não pode?). Afinal, qual é a diferença do que fez Favreto com o que fez Laurita? Se vale a decisão do STF para execução de pena, por que não valeria para restrição de direito, que é o menos? Laurita, então, decidiu contra o que decidiu o STF. Imaginem se algum ministro do STJ, não concordando com o posicionamento da ministra Laurita, resolvesse desconstituir a decisão da plantonista?

De todo modo, tranquilizemo-nos: sou libertário e garantista; sou totalmente a favor de Laurita e de Favreto e digo: que bom que existem plantonistas nos tribunais. Ruim é qualquer juiz ou desembargador ou ministro que não goste da decisão do plantonista decidir, a manu militari, o não cumprimento. Ou avoquem o feito. Aí a emenda sempre é pior que o soneto.

Ah, erros e acertos judiciários. Crime de hermenêutica? Livre convencimento? O ex-prefeito de Petrópolis teve seus bens bloqueados por quatro anos e agora foi absolvido pelo STJ (aqui). O TJ-RJ cometeu crime de hermenêutica? Oh, céus! Pois é. E de onde Raquel Dodge e os que pensam como ela mudaram tão radicalmente de ideia sobre crime de hermenêutica a ponto de, depois de serem radicalmente contra, agora usarem a tese como retaliação a Favreto? Que tal usar a tese contra o ex-procurador-geral da República (Janot) quem, depois de pedir a prisão de políticos como Sarney, pediu o arquivamento... Por total ausência de provas? Oh, céus. E o que dizer do caso Cancellier? Crime de hermenêutica da PF, do MPF e do PJ? Qual a pena? Oh, céus. E o caso da operação carne fraca, que causou prejuízo de bilhões de reais ao país? Organização criminosa cometendo o tipo penal-interpretativo de “crime de hermenêutica”? Ou, como ele foi cometido por aliados, aí não vale? E o que dizer das centenas de conduções coercitivas, declaradas inconstitucionais pelo STF? Crime de interpretação? Clareza do CPP... Violada por juízes. Aliás, Moro foi o primeiro violador do CPP. Contra a letra do CPP, vale crime de hermenêutica? Pois é. E os mais de 70 executivos da Odebrecht que fizeram acordo de delação sem denúncia e sem processo? Crime de hermenêutica? Qualificado? E as condenações revertidas pelo STF de casos baseados só na palavra do delator? Quem paga o prejuízo? O FAMCH (Fundo de Arrecadação das Multas do Crime de Hermenêutica)?

Ora, senhoras e senhores. Um dia de ConJur derruba todos os argumentos de Raquel, Moro e os que pensam como eles. Peguemos a edição de terça-feira (17/7). “Sem aviso nem despacho, juíza do RJ bloqueia bens em 7 mil execuções” (aqui). Será que algum colega dela, ao achar um absurdo a decisão, a desconstituiria? Ou o presidente do TJ-RJ avocará? Crime de hermenêutica, dra. Raquel? E que tal outro “crime de hermenêutica”? Leiam: “Juiz do DF reconhece duas uniões estáveis simultaneamente” (aqui). Baseado em quê? Não opinião pessoal dele. Livre convencimento? Dra. Raquel, vejo indícios de crime de hermenêutica... Ou não. Afinal, Direito é um fenômeno complexo.

Portanto, cuidado, muito cuidado. E se a própria Raquel Dodge for acusada de cometer crime de hermenêutica toda vez que tiver que requerer arquivamento de uma investigação da qual resultou pedido de prisão e a prova nada apontou, como no caso Sarney (aqui)? Seria péssimo, não? E se olharmos para trás, quantos crimes de hermenêutica encontraremos no ato de autoridades? Com efeito ex tunc. Quantos réus haveria por crime de hermenêutica ou por “porte ilegal da fala”... A ver (sem h).

Post scriptum: Tivesse o STF decidido as ADCs (43,44 e 54), nada disso teria acontecido. Ups. Mas a presidente do STF tem livre convencimento e discricionariedade (o que dá no mesmo) para decidir a pauta... Por isso, as consequências vêm sempre depois, como dizia o Conselheiro. Não seria melhor que fossemos ortodoxos no cumprimento das leis e da CF? Não seria melhor que os juízes não tivessem LC? Não seria melhor cumprirmos à risca as leis?

O LC é autocontraditório. Autoimplosivo. Aliás, esse episódio jogou uma bomba na tese do LC. Alguém com LC pode ser processado por ter tido LC por alguém que usa o LC para dizer o que é LC... E o resultado tanto faz, porque o julgamento será por LC e o recurso será apreciado por LC, sendo que alguém poderá vir correndo e dizer que nem sequer o primeiro processo poderia ter sido feito porque o LC não era livre... E o final é o suicídio epistêmico. Enquanto não cumprirmos dispositivos como o 926 do CPC, o 93, IX da CF e pensarmos que cada “cabeça é uma sentença” (germe do LC), esta(re)mos fragilizando mais e mais a democracia. O custo é altíssimo. E não sei se teremos capital simbólico para pagar a conta. Aliás, a conta está aí. E não inclui os 10%.

Minha tese: bem que poderíamos aprender um pouco com isso, não?

Super Post scriptum: Crime de hermenêutica foi o que Rui Barbosa disse acerca da acusação ao seu cliente, o Juiz gaúcho Alcides de Mendonça Lima, em 1897 condenado por fazer controle difuso de constitucionalidade de uma lei sobre o júri. A lei foi editada no governo de Julio de Castilhos, sobre o qual é despiciendo falar. Lima foi suspenso por 9 meses pelo Superior Tribunal de Justiça do RS. Recorreu ao STF e Rui Barbosa foi seu advogado, sustentando a tese do crime de hermenêutica. Foi absolvido no STF. Pois a sentença de Mendonça Lima - que lhe rendeu a suspensão - pode ser considerado o precedente do controle difuso no Brasil. Nesse sentido, ver excelente texto de Maria Fernanda Salcedo Repolês "O Caso dos crimes de hermenêutica: precedente do controle difuso de constitucionalidade no Brasil", publicado nos anais do XVIII Congresso Nacional do Conpedi, em 2009. Bingo, Maria Fernanda!

Onde:

https://www.conjur.com.br/2018-jul-19/eis-questj-trf-mpf-implodiram-livre-convencimento?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter


Querem me derrotar, façam isso nas urnas





Lula, na Folha via Tijolaço

Estou preso há mais de cem dias. Lá fora o desemprego aumenta, mais pais e mães não têm como sustentar suas famílias, e uma política absurda de preço dos combustíveis causou uma greve de caminhoneiros que desabasteceu as cidades brasileiras. Aumenta o número de pessoas queimadas ao cozinhar com álcool devido ao preço alto do gás de cozinha para as famílias pobres. A pobreza cresce, e as perspectivas econômicas do país pioram a cada dia.

Crianças brasileiras são presas separadas de suas famílias nos EUA, enquanto nosso governo se humilha para o vice-presidente americano. A Embraer, empresa de alta tecnologia construída ao longo de décadas, é vendida por um valor tão baixo que espanta até o mercado.

Um governo ilegítimo corre nos seus últimos meses para liquidar o máximo possível do patrimônio e soberania nacional que conseguir —reservas do pré-sal, gasodutos, distribuidoras de energia, petroquímica—, além de abrir a Amazônia para tropas estrangeiras. Enquanto a fome volta, a vacinação de crianças cai, parte do Judiciário luta para manter seu auxílio-moradia e, quem sabe, ganhar um aumento salarial.

Semana passada, a juíza Carolina Lebbos decidiu que não posso dar entrevistas ou gravar vídeos como pré-candidato do Partido dos Trabalhadores, o maior deste país, que me indicou para ser seu candidato à Presidência. Parece que não bastou me prender. Querem me calar.

Aqueles que não querem que eu fale, o que vocês temem que eu diga? O que está acontecendo hoje com o povo? Não querem que eu discuta soluções para este país? Depois de anos me caluniando, não querem que eu tenha o direito de falar em minha defesa?

É para isso que vocês, os poderosos sem votos e sem ideias, derrubaram uma presidente eleita, humilharam o país internacionalmente e me prenderam com uma condenação sem provas, em uma sentença que me envia para a prisão por “atos indeterminados”, após quatro anos de investigação contra mim e minha família? Fizeram tudo isso porque têm medo de eu dar entrevistas?

Lembro-me da presidente do Supremo Tribunal Federal que dizia “cala boca já morreu”. Lembro-me do Grupo Globo, que não está preocupado com esse impedimento à liberdade de imprensa —ao contrário, o comemora.

Juristas, ex-chefes de Estado de vários países do mundo e até adversários políticos reconhecem o absurdo do processo que me condenou. Eu posso estar fisicamente em uma cela, mas são os que me condenaram que estão presos à mentira que armaram. Interesses poderosos querem transformar essa situação absurda em um fato político consumado, me impedindo de disputar as eleições, contra a recomendação do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Eu já perdi três disputas presidenciais — em 1989, 1994 e 1998— e sempre respeitei os resultados, me preparando para a próxima eleição.

Eu sou candidato porque não cometi nenhum crime. Desafio os que me acusam a mostrar provas do que foi que eu fiz para estar nesta cela. Por que falam em “atos de ofício indeterminados” no lugar de apontar o que eu fiz de errado? Por que falam em apartamento “atribuído” em vez de apresentar provas de propriedade do apartamento de Guarujá, que era de uma empresa, dado como garantia bancária? Vão impedir o curso da democracia no Brasil com absurdos como esse?

Falo isso com a mesma seriedade com que disse para Michel Temer que ele não deveria embarcar em uma aventura para derrubar a presidente Dilma Rousseff, que ele iria se arrepender disso. Os maiores interessados em que eu dispute as eleições deveriam ser aqueles que não querem que eu seja presidente.

Querem me derrotar? Façam isso de forma limpa, nas urnas. Discutam propostas para o país e tenham responsabilidade, ainda mais neste momento em que as elites brasileiras namoram propostas autoritárias de gente que defende a céu aberto assassinato de seres humanos.

Todos sabem que, como presidente, exerci o diálogo. Não busquei um terceiro mandato quando tinha de rejeição só o que Temer tem hoje de aprovação. Trabalhei para que a inclusão social fosse o motor da economia e para que todos os brasileiros tivessem direito real, não só no papel, de comer, estudar e ter moradia.

Querem que as pessoas se esqueçam de que o Brasil já teve dias melhores? Querem impedir que o povo brasileiro —de quem todo o poder emana, segundo a Constituição— possa escolher em quem quer votar nas eleições de 7 de outubro?

O que temem? A volta do diálogo, do desenvolvimento, do tempo em que menos teve conflito social neste país? Quando a inclusão dos pobres fez as empresas brasileiras crescerem?

O Brasil precisa restaurar sua democracia e se libertar dos ódios que plantaram para tirar o PT do governo, implantar uma agenda de retirada dos direitos dos trabalhadores e dos aposentados e trazer de volta a exploração desenfreada dos mais pobres. O Brasil precisa se reencontrar consigo mesmo e ser feliz de novo.

Podem me prender. Podem tentar me calar. Mas eu não vou mudar esta minha fé nos brasileiros, na esperança de milhões em um futuro melhor. E eu tenho certeza de que esta fé em nós mesmos contra o complexo de vira-lata é a solução para a crise que vivemos.

Onde:

http://www.tijolaco.com.br/blog/lula-o-que-voces-temem-que-eu-diga/

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Que tiro foi esse?


Charge de Aroeira


"Que Tiro Foi Esse?"

Roberto Tardelli

Vamos pular as introduções desnecessárias. Com a condenação de Lula pelo TRF-4, absurdamente (matéria ainda não votada pelo STF) decretou-se sua prisão, para início de cumprimento de pena.

Esse processo acabou na vara de origem, presidida pelo juiz Sergio Moro, e também se encerrou com o acórdão condenatório e com a decisão de seguimento do caso para o STJ — recurso ordinário — e com a interposição de agravo para o STF — recurso extraordinário.

Moro e Gebran encerraram suas atividades de juízes, no processo.

Terminaram seus trabalhos.

Com a prisão de Lula, deu-se início à execução da pena, desta feita a cargo de uma Juíza de Direito, de outra Vara, que nada tem a ver com o juiz Sérgio Moro.

A prisão de Lula não revogou uma série de direitos que ele possui, como ex-presidente da república e o que acabou ocorrendo era aquilo que se previa: Lula acabou em ilegal e abusivo isolamento.

Ademais, Lula permanece com seus direitos políticos inteiramente preservados e, nessa condição, pode exercê-los, votar e ser votado, exatamente porque é pré-candidato à presidência, nas eleições de outubro próximo.

Se não puder se manifestar, haverá evidente cerceamento a seu direito político.

Os demais candidatos estão circulando e apresentando suas idéias ao país e Lula, ao contrário, sequer visitas pôde receber, permanecendo em ilegal isolamento.

Essa questão foi levada à Juíza que nada fez para alterar a situação de Lula e os advogados, que a gente em Direito chama de Impetrantes, entraram com Habeas Corpus.

Todas as discussões sobre a responsabilidade criminal de Lula são estranhas ao HC, que se preocupou apenas com a sua situação política e seu isolamento prisional.

Não existe data para impetrar-se um HC, que pode ser apresentado ao Tribunal de Justiça de segunda a domingo e feriados.

O HC foi impetrado na sexta-feira à noite e, por sorteio, havia dois desembargadores no plantão, foi destinado ao Desembargador Rogério Favreto.

Ele estudou a situação na noite de sexta-feira e no sábado, proferindo sua decisão liminar, no domingo, por força da qual concedia a liberdade ao Presidente Lula, entendendo fortes e coesos os argumentos da defesa e afastando o parecer contrário do MP.

O mundo caiu e um festival de desinformações e informações estapafúrdias teve início, com cenas constrangedoras e, diria, abusivas e que percorrem, sim, o Código Penal.

Rogério Favreto era competente para a decisão? Sim.

A matéria era relativa ao plantão? Sim, na medida em que se noticiava um estado permanente de grave ilegalidade na execução da pena de Lula.

Era cabível HC nessa situação? Em tese, sim, porque havia uma grave afronta ao direito do preso, não contornável por outra medida.

O Desembargador determinou a expedição de ofício ao diretor do presídio da polícia federal, em verdade, ao delegado de plantão, comunicando-lhe que Lula deveria ser posto em liberdade.

Num passe de mágica, surge de suas férias, o juiz Sérgio Moro, que determinou ao delegado federal que não cumprisse a ordem recebida.

Sérgio Moro poderia ter feito isso? Evidentemente que não.

Por várias razões, a primeira delas é que Moro não mantém com o processo mais nenhuma relação, sendo pessoa inteiramente estranha a esse Habeas.

Não é o juiz da execução da pena, não era o que se cuida chamar de autoridade coatora e não poderia, jamais, como juiz de primeira instância, determinar a uma autoridade policial que descumprisse uma ordem emanada de um desembargador, regularmente expedida, no bojo de um pedido específico.

Podemos dizer que Moro agiu por interesse ou satisfação pessoal e praticou ato contrário à lei; em outras palavras, cometeu, pelo menos, em tese, crime de prevaricação, previsto no Código Penal:

Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Qual a competência de Moro para determinar ao Delegado de Polícia que não cumprisse a ordem de soltura?

A mesma competência que teria Tite para determinar uma substituição na seleção da Bélgica ou da França...

Tudo piora para ele, Moro, se relembrarmos que ele se encontrava em gozo de férias regularmente concedidas.

Isto é, fora do país - encontrava-se em Portugal - e fora da função judicante, ele jamais poderia ter dado a ordem que deu e revelou sua completa perda de serenidade para julgar qualquer outra causa que tenha Lula como acusado.

Moro deixou de ser juiz e passou a ser perseguidor de Lula e seu comportamento nos permite dizer que ele é, efetivamente, obrigado a declarar-se impedido (suspeito) para processar Luiz Inácio Lula da Silva, porque desfez-se de qualquer sentido de imparcialidade.

É ver para certificar-se. Moro ficou nu.

No trem que se descarrilhava na curva, um outro componente completamente maluco se agregou.

Rompendo a cena, o Desembargador Relator do processo de Lula, Desembargador João Pedro Gebran Neto, dizendo-se ser ele a verdadeira e única fonte de emanação de Direito, também ele sem se dar conta que sua atividade havia se encerrado, veste sua beca de super-juiz e, de ofício, sem ser provocado, oficia também ao atônito Delegado Federal, determinando-lhe que se abstivesse de cumprir o alvará (que é uma ordem) para soltar Lula.

Lula ficou solto, mas permaneceu preso, ou continuou preso, permanecendo solto. Um caos.

O Desembargador Gebran poderia ter dado a ordem que deu?

Não, porque há maneiras processualmente corretas até de revogar a ordem emanada pelo desembargador Favreto, cujos trâmites se dão no interior do próprio TRF-4, através de recurso próprio da parte contrária, o esquecido Ministério Público, primo pobre nessa briga.

Sim, o MPF poderia recorrer, através de um agravo interno, que levaria a soltura a conhecimento da Turma processante, que poderia manter ou revogar a liminar concedida.

Nunca vi um cavalo de pau desses para fazer descumprir uma ordem, repita-se, regularmente dada.

Não sou menino e carrego algumas dezenas de milhares de processos criminais nas costas e nunca, mas nunca, vi uma rave processual dessa animação.

Tenho certeza que ninguém viu.

Nossos limites estão revogados no que toca à maluquice jurídica.

Endurecendo o jogo, o Desembargador Favreto chuta de bico e, reitera pela terceira vez, a ordem de soltura, dando uma hora para seu imediato cumprimento.

Uma hora em juridiquês tem duzentos, trezentos minutos.

A ordem é dada e segue para que funcionários operacionais trabalhem para que ela chegue a seu destinatário, o delegado federal.

Carimba daqui, carimba de lá, cafezinho, calor, abre a janela, fecha a janela, computador está lento, essa uma hora espichou e...

Novo terremoto.

O Presidente do TRF-4, Desembargador Thompson Flores, vestiu sua capa preta e tirou sua espada de Jedi, entrevendo naqueles dois ofícios, de Gebran e de Favreto, um caso raro de conflito positivo de competência, em que dois desembargadores se apresentavam como competentes para decidir de forma diversa sobre o mesmo caso.

O baile da loucura estava atingindo seu auge e ninguém era de ninguém, quando ele emitiu uma quinta ordem à mesma autoridade policial, que, naquela ocasião, já prensava em prender-se, ele próprio a si mesmo.

Loucura por loucura, seria apenas mais uma pereba num caso constrangedor.

Em outro ofício, ele determina que a ordem deve ser ignorada e determina, sem revogá-la expressamente, uma vez que o caso seria devolvido ao Desembargador Gebran.

Isso se deu hoje e o Desembargador Gebran anulou todos os atos de seu colega de Tribunal, inclusive, quase para deixar a gente cantando QUE TIRO FOI ESSE?, anulando tanto e tudo, mas tanto que anulou uma das ordens de Favretto, que foi a de dar ciência dos fatos ao CNJ e à Corregedoria da Justiça pela esdrúxula intervenção de Sérgio Moro.

Ele determinou, quase num surto formalista, que não se levasse ao conhecimento de ninguém a vexaminosa atuação do Juiz Moro.

Como se isso fosse necessário.

Nesse surto midiático, com juiz e desembargadores disputando o cargo de JUIZ MARVEL, quem perdeu foi o Estado Democrático de Direito, quem perdeu foi a democracia, quem perdeu foi a população que percebeu que a Justiça cedeu a impulsos narcísicos.

Quando a vaidade se sobrepõe, todos perdemos.

Favreto mostrou ser independente e mostrou ser um juiz exemplar porque não se intimidou, não se curvou às pressões e tinha competência para decidir porque estava no lugar certo e na hora certa.

Sua decisão foi eminentemente jurisdicional e ele também foi alvo de um ataque jurisdicional de que nunca tive notícia.

Colunistas, blogueiros e jornalistas da extrema-direita ultrapassaram todos os limites da insanidade e até telefones pessoais foram divulgados nas redes sociais.

A Globo o associou criminosamente ao PT, sem se dar conta de que o próprio Moro desfila pelo mundo a tiracolo com Dória e outros expoentes do PSDB.

Favreto nunca teve questionada sua honestidade e probidade e se tornou vítima desses lobos que vagam no mundo virtual e na grande mídia.

Um grande juiz a ser preservado e defendido por todos nós.

Roberto Tardelli é procurador aposentado do Ministério Público de São Paulo e advogado.

Onde:

https://www.brasil247.com/pt/247/parana247/361390/Tardelli-quem-desfila-com-políticos-a-tiracolo-é-Moro-não-Favreto.htm

segunda-feira, 9 de julho de 2018

A morte de Direito e a morte do jornalismo na batalha que não houve





A batalha (que não houve) sobre o HC de Lula

por João Feres Júnior

Eventos críticos como os ocorridos nesse domingo, dia 8 de julho de 2018, são cruciais para revelar o nível de politização a que a grande mídia brasileira chegou. Em períodos de polarização política, como este que atravessamos desde 2013, eventos críticos tendem a gerar controvérsia, palavra que significa literalmente oposição de versões, isto é, diferentes pontos de vista. O evento de ontem foi um caso exemplar. Perante a dissonância interpretativa, como se comportou a grande mídia? Vejamos aqui dois exemplos bastante significativos que não pertencem ao rol de meios examinados pelas análises do Manchetômetro.

Matéria na Band News no dia 9 de manhã comentando a batalha jurídica em torno da liberação de Lula que se travou no dia anterior. O âncora descreve o ocorrido, de maneira a dar entender que o presidente do TRF-4, Flores, terminou com a “confusão”. Daí ele parte para ouvir opiniões de especialistas. Primeiro fala um jurista que diz que o desembargador plantonista Rogério Favretto não pode reverter decisão da própria corte e que somente o STJ poderia decidir sobre um habeas corpus para Lula. Em seguida, outro jurista declara o contrário – que o plantonista pode sim decidir dessa maneira, mas que ele não pode estar movido por motivo ideológico, como estava Favretto. Aí a Band News abre seus microfones para ninguém menos que Janaína Paschoal, que com seu estilo já bem conhecido, desanca a decisão de Favretto. Por fim, volta o âncora dizendo que a defesa de Lula não aceitou a decisão do presidente do TRF-4, que cancela o ato de Favretto.

É difícil conceber cobertura mais enviesada. Nenhum dos agentes que defendeu a soltura do petista foi ouvido pela reportagem da Band News, juristas com posição favorável ao habeas corpus tampouco. Um dos juristas entrevistados, o que desqualifica o procedimento de aprovação do habeas corpus por Favretto, atuou como promotor da Lava Jato. O outro desqualifica Favretto, acusando-o de ideológico, um argumento bastante estranho pois se generalizado, desqualificaria boa parte dos juízes brasileiros, inclusive vários ministros do STF. Não bastasse essas duas fontes bastante desequilibradas para um lado da controvérsia, a Band News conclama o auxílio luxuoso de Janaína Paschoal, cujas credenciais e modus operandi dispensam comentários, mas que vale anotar, tem posição extremamente parcial na controvérsia, como era de se esperar.

Perante esse estado de coisas, cabe a pergunta: onde está o outro lado? A resposta é simples: ele aparece muito brevemente quando os advogados de Lula são nomeados, mas não ouvidos, e só. Advogados são parte; eles têm o dever profissional de defender seus clientes. Portanto, não contam como opiniões advindas da sociedade usadas para exemplificar as posições em torno de um evento. Vamos ao outro exemplo. 

Enquanto se desenrolavam os acontecimentos, no período da tarde, o UOL, portal noticioso de propriedade do grupo empresarial da Folha de S. Paulo, estampava no topo do site foto do ex-presidente Lula com chamadas para cinco matérias. A foto em si continha a legenda “Relator não solta Lula”. As outras três matérias cujas chamadas estão ali são impressionantes. A primeira tem o seguinte título: “Para Moro, juiz é incompetente”. O texto dá a palavra a Moro para desqualificar a decisão do desembargador Favretto. Em seguida, vem reportagem em que a palavra é dada a membros do MPF envolvidos na Lava Jato, que fazem o mesmo. A próxima matéria tem a seguinte chamada: “Marun: Lula não pode ser candidato”. O entrevistado agora é o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, que já havia dado declaração idêntica quando da decisão do TRF4 de rejeitar os embargos de declaração do ex-presidente, em março deste ano.

Por fim, o UOL coloca a chamada para a matéria intitulada “Políticos comentam a decisão”. A estrutura do texto é bastante simples. Ela consiste em uma lista alternada de políticos, uns a favor e outros contrários ao habeas corpus de Lula. Há uma exceção, contudo, ao rol de políticos elencados na matéria: o líder do MBL Kim Kataguiri. Todos ali têm ou tiveram mandato, menos ele.

Temos aqui mais um exemplo de viés pronunciado, acompanhado de silenciamento de vozes discordantes. É preciso entender a estratégia de apresentação da opinião adotada por essas mídias para ter uma real compreensão do grau de politização de sua cobertura.

A Band News optou por uma estratégia mais simples. Separou opinião douta, de supostos especialistas, de opinião interessada, no caso a dos advogados de Lula. Para compor o primeiro time escalou um ex-integrante da Lava Jato, Janaína Paschoal, e outro jurista com opinião também contrária ao habeas corpus. Em suma, falta total de pluralidade no âmbito da opinião douta, apesar de haver uma multidão de juristas de opinião diversa. Os advogados de Lula são as únicas partes nomeadas. Assim, a cena dramática composta é de agentes partidários em contenda contra agentes técnicos, cuja opinião desinteressada é consensualmente contrária aos interesses partidários.

No UOL a estratégia é um pouco mais complexa, mas nem por isso mais sofisticada. Assim como na matéria da Band News, temos uma narrativa dos fatos supostamente isenta que então é qualificada por opiniões. O UOL também utiliza o recurso da opinião douta. Para esse papel escalam Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato. Tal escolha é no mínimo temerária, dado que a suposta falta de isenção desses operadores do direito é matéria da própria contestação ora em trânsito no TRF4. Assim, no que toca os eventos de domingo, Moro e os promotores lavajateiros são também parte interessada e não operadores isentos do sistema de justiça. Não bastasse tal escolha enviesada, a editoria do Portal publica a opinião requentada de Carlos Marun, político envolvido na articulação que retirou a presidente do PT do poder. A matéria com o ping pong entre políticos contra e a favor pretende claramente dar um verniz de pluralidade à cobertura do UOL. Mas tal verniz mal esconde o viés, dada a maneira tendenciosa com que a opinião douta foi representada e o privilégio dado a Marun entre os políticos.

Mostrando-se fiel a suas práticas jornalísticas, o UOL amanheceu na segunda-feira, dia 9 de julho, com um layout diferente para a cobertura do “caso Lula”. Ao lado de foto do ex-presidente há uma chamada em letras garrafais para entrevista com o advogado e ex-ministro do STF Carlos Velloso, na qual este qualifica a decisão de Favretto como estranha e teratológica. Em seguida, defende a posição de Sérgio Moro com as seguintes palavras: “O juiz é juiz 24 horas por dia. É assim mesmo que se portam os juízes vocacionados. É possível verificar que Sergio Moro é um juiz vocacionado. Ele procedeu muito bem”.

Mais uma vez, selecionamos um evento crítico, controverso, e verificamos a prática da expressão da pluralidade de opiniões na cobertura jornalísticas de grandes mídias brasileiras. Dessa vez os casos foram a Band News e o portal UOL. Os resultados, ainda que não surpreendentes, são alarmantes para aqueles que testemunham o esfacelamento das instituições da democracia brasileira.

E pensar que ainda há aqueles polemistas de plantão, sempre sequiosos para publicar suas opiniões isentas em veículos da grande imprensa, que se exasperam ao ouvirem essa mesma imprensa receber a alcunha de PIG por parte de seus críticos. Ora, difícil conceber caraterização mais sintética, bem-humorada e verdadeira. A única dúvida que me resta é se há ainda espaço para qualquer humor perante a calamidade que assistimos.

João Feres Júnior - Professor de Ciência Política do IESP-UERJ, o antigo IUPERJ. Coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP), que abriga o site Manchetômetro (http://www.manchetometro.com.br) e o boletim semanal Congresso em Notas (http://congressoemnotas.tumblr.com)

Onde:

https://jornalggn.com.br/noticia/a-batalha-que-nao-houve-sobre-o-hc-de-lula-por-joao-feres-junior

sábado, 7 de julho de 2018

As novas invasões bárbaras


Bolsonaro, o “suicídio” de Herzog, e os testes de marketing da barbárie fascista. 

Por Kiko Nogueira


O escritor Fintan O’Toole, colunista do Irish Times, fez um belo artigo sobre Donald Trump.
Trump, diz O’Toole, está realizando ensaios fascistas que servem a dois propósitos.
“Eles acostumam os indivíduos a algo que inicialmente rechaçariam; e também permitem que se refinam e calibrem as ações”, escreve.
“O fascismo não surge de repente em uma democracia consolidada. Não é fácil convencer as pessoas a desistirem de seus ideais de liberdade e civilidade”.
Segundo O’Toole, “é preciso enfraquecer as barreiras morais, acostumar as pessoas a aceitarem fatos de extrema crueldade. Como os cães de caça, é preciso acostumá-las ao gosto do sangue. Elas precisam experimentar a selvageria.”
Isso vale para Jair Bolsonaro.
Bolsonaro foi acostumando os ouvidos da audiência com ignomínias sobre negros, gays, mulheres.
A mídia ajudou a normalizar seu discurso incivilizado. Sequer é chamado de extrema direita.
O sujeito foi aplaudido numa sabatina da Confederação Nacional da Indústria — não pelas ideias, que ele não as tem, mas pelas bravatas.
“Não quero botar um busto do Che Guevara no Palácio do Planalto”, falou, como se isso fizesse algum sentido.
“Hoje estão tirando nossa alegria de viver, não podemos mais contar piadas de afrodescendentes, de cearenses, de goianos”. Palmas para ele.
Na entrevista a Mariana Godoy na RedeTV, Bolsonaro passeou à vontade com seu terno fascista.
Arrancou, no máximo, risadas da entrevistadora e de seu estafeta quando defendeu, na maior, que Vladimir Herzog tinha cometido suicídio.
“Lamento a morte dele, em que circunstância, se foi suicídio ou morreu torturado. Suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”, afirmou.
Herzog era “um colaborador” (do quê?) e esse pessoal se “vitimiza”. A Anistia já resolveu tudo: “Essa é uma história que passou”.
Há dias, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado brasileiro apure, julgue e, se for o caso, puna os responsáveis pela execução de Herzog.
Em outubro de 1975, o jornalista, membro do Partido Comunista Brasileiro, apresentou-se voluntariamente para depor no DOI/CODI, em São Paulo.
Foi interrogado, torturado e finalmente executado. Tinha 38 anos.
Uma farsa foi montada para simular um suicídio. Daí a famosa foto de Herzog “enforcado” a uma altura de 1,68. O laudo foi forjado. Seu corpo estava coberto de hematomas. O horror, o horror.
A viúva está viva. O filho, Ivo, também.
Essa excrescência proferida por JB deveria provocar uma onda de indignação na sociedade. Não aconteceu nada.
A começar por Mariana e seu ajudante, que tocaram seu barquinho como se tivessem ouvido daquele tiozão a piada do pavê.
Milhões estão aprendendo a pensar o impensável, aponta Fintan O’Toole em seu texto.
“Eles já cruzaram, em suas mentes, os limites da moralidade. Eles são, como Macbeth, ‘aprendizes nesse ofício’. Entretanto, esses testes serão refinados, os resultados analisados, os métodos aperfeiçoados, suas mensagens acentuadas. Só então suas façanhas poderão ser realizadas”, avisa.

A barbárie está instalada. Bem-vindo.
Onde:

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/bolsonaro-o-suicidio-de-herzog-e-os-testes-de-marketing-da-barbarie-fascista-por-kiko-nogueira/

terça-feira, 3 de julho de 2018

Afinidades eletivas



Apoio de Janaína a Bolsonaro revela raízes fascistas do golpe

Paulo Moreira Leite

A gravidade do momento em que vivemos pode ser resumida pelos movimentos de uma personagem, a advogada Janaína Pascoal. Cumprindo uma trajetória didática, que apenas surpreende os mais ingênuos, a principal formuladora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, acaba de gravar um vídeo no qual declara apoio a Jair Bolsonaro, candidato presidencial que é a versão brasileira do fascismo e lidera todas as pesquisas de opinião quando Lula é excluido dos levantamentos.

Em 20 de abril de 2016, quando subiu a tribuna da Câmara para dar seu voto pelo afastamento de uma presidente eleita por mais de 51,4 milhões de brasileiros, o Bolsonaro fez uma declaração reveladora -- talvez uma das mais reveladoras daquela tarde terrível -- sobre o processo em curso no país:

"Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim", disse.

Na época, a declaração já causou escândalo e constrangimento. "Houve apologia a uma figura que cometeu tortura e também desrespeito a imagem da própria presidente", reagiu Felipe Santa Cruz, presidente da OAB/RJ, anunciando a disposição de pedir a cassação de Bolsonaro no STF porque "a apologia à tortura, ao fascismo e a tudo que é antidemocrático é intolerável".

Dois anos e dois meses depois, o apoio da advogada do impeachment a Bolsonaro encerra um capítulo do processo político que derrubou Dilma Rousseff, instalou um grupo de aventureiros sem escrúpulos nem remorsos no Planalto e hoje organiza a entrega das riquezas do país ao império norte-americano.

Hoje todos concordam que não havia, nunca houve e nunca ninguém acreditou seriamente na existência de qualquer prova jurídica para pedir o afastamento da presidente. O processo não respeitava as regras da democracia. Jamais se sustentou na prova de qualquer crime de responsabilidade. Era a política por outros meios -- espúrios, a margem do eleitorado. 

Formuladora da denúncia, Janaína produziu o pretexto jurídico para um processo político que quebrou as instituições e jogou o país num abismo político no qual banqueiros, empresários dos oligopólios de mídia e ministros do STF instituíram um governo próprio, dispensado de prestar contas aos brasileiros -- e até resolver, às costas do eleitorado, quem pode e quem não pode disputar a presidência.

"O fascismo à espreita na reta final", escrevi neste espaço (18/10/2014), quando faltava uma semana para o segundo turno da eleição presidencial. Não há dúvida de que este era o processo em curso: "a intolerância e o ódio cresceram no Brasil como uma consequência inevitável de um movimento destinado a criminalização da política e dos políticos -- em particular do Partido dos Trabalhadores". Alguns exemplos daquele momento.

Ao oferecer postos de trabalho para profissionais da medicina em pontos miseráveis do Brasil, o programa Mais Médicos levantou a raiva de entidades corporativas do país inteiro, dando origem a um grupo de 100 000 internautas que, intitulado "Dignidade Médica", propunha castração de "nordestinos" e profissionais pouco qualificados, como recepcionistas de consultório e enfermeiras. Militantes com a camisa do PT passaram a ser espancados nas ruas, enquanto Fernando Henrique Cardoso sentenciava: "O PT está fincado nos menos informados, que concidem de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT. É porque são menos informados".

Imaginando que seria o grande beneficiário pela tragédia produzida numa democracia conquistada com muita dificuldade e inegáveis sacrifícios, o PSDB pagou R$ 40 000 para Janaína Pascoal alinhavar uma denuncia conveniente a seus propósitos de instalar-se no Planalto -- sem voto.

Deu errado, sabemos todos. Os tucanos não perceberam, mas em sua irresponsabilidade, seu oportunismo, chegaram ao ponto de empunhar a enxada que cavou a própria sepultura.

Embora não tenham sido "purificados", expressão de Janaína que inclui as masmorras da Lava Jato, Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira, tornaram-se dinossauros fora de combate. Geraldo Alckmin não sái do lugar, o que volta a atiçar João Dória. 

Nesse universo, Janaína Pascoal achou seu lugar ao lado de Bolsonaro.

Ninguém pode se mostrar surpreso, concorda?

Onde:

https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/360437/Apoio-de-Janaína-a-Bolsonaro-revela-raízes-fascistas-do-golpe.htm