sábado, 25 de novembro de 2017

O DNA punitivista e os arroubos autoritários do MPF

Grades. Grades. Grades.




Raquel Dodge, Gleisi Hoffmann e o DNA punitivista do MPF


POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça

Não surpreenderam as alegações finais apresentadas ontem pela Procuradora-geral da República, Doutora Raquel Dodge contra a Senadora Gleisi Hoffmann e o ex-Ministro Paulo Bernardo. Como na parábola do escorpião e da tartaruga, Sua Excelência não podia negar sua natureza. Afinal, para chegar lá, não contou com a indicação de um chefe de governo eleito e com contas a prestar à sociedade.
Contou tão e só com eleição corporativa na qual, para constar de ilegítima e ilegal lista tríplice, teve que prometer rios e fundos a seus colegas, muitos dos quais não primam por sentimentos democráticos e fidelidade à constituição. A grande maioria do colégio eleitoral de Raquel Dodge aplaude o punitivismo tosco e redentor que fez a instituição descarrilhar e se alimenta da bronca antipetista disseminada pela mídia tupiniquim.
Não foi por outra razão que a Senhora Procuradora-geral da República escolheu para compor sua equipe criminal os procuradores da República José Alfredo, Raquel Branquinho e Alexandre Espinosa, todos eles do time de Antônio Fernando e Roberto Gurgel, que despontaram na elaboração da canhestra denúncia do Mensalão e em suas pornográficas alegações finais, ambas obras primas da ficção jurídica que talvez só encontrem par nas peças do processo Dreyfus, na França do final do século XIX.
A Doutora Raquel Dodge tem virtudes ausentes em seu antecessor. Não fica a tagarelar para a mídia. É comedida e assentada. Tem maior e melhor conhecimento técnico. Elabora mais. Não parece conspirar. Internamente, ninguém jamais teve dúvida sobre seu lado.
Mas, por não saber se desvencilhar da marca genética de sua corporação, acaba por torná-la tão perniciosa quanto o ex-PGR para a democracia brasileira.
O Ministério Público Federal (MPF) se livrou do aventureirismo de Janot, mas está longe de se livrar da praga do punitivismo que foi plantado contra o PT e acabou por se alastrar por toda a política, para ceifar, por igual, guerreiros democráticos como Gleisi Hoffmann e atores reacionários e antipopulares, que têm no patrimonialismo e no clientelismo corruptos sua prática cotidiana.
Nisso o MPF não é diferente dos generais que reprimiram a sociedade brasileira por vinte e um anos. Também eles jogaram no mesmo saco pessoas que qualificavam de  subversivas – os democratas – e os que rotulavam de degenerados ou corruptos.
Decapitavam-nos por igual com uso de seus atos institucionais. E deixaram um triste legado para o processo de redemocratização, quando todos, anistiados também por igual, retornaram à vida pública podendo, sem distinção, se gabar de terem resistido à ditadura. Misturaram os heróis e mártires com os aproveitadores e canalhas que, por algum acaso mal calculado, tropeçaram na rede da repressão que haviam sustentado.
Nossa democracia pagou um preço alto por isso. Formou-se, ainda antes da Constituinte de 1987-1988, o centrão político infestado dos falsos resistentes da ditadura, que passou a chantagear todos os governos eleitos desde então. Plantaram, com essa anistia para os reacionários descomprometidos com a causa nacional, a semente o golpe de 2016.
Não tardará de a sociedade se conscientizar do estrago promovido pelos arroubos autoritários do MPF, que provocaram não só o maior terremoto político da jovem democracia pós-constituinte, mas destruíram um promissor projeto de inclusão social e, de lambuja, todo parque industrial da construção civil pesada, da engenharia naval, da produção petrolífera e da engenharia nuclear, sem falar da instalação do governo mais alheio à probidade da história do país.
O problema, ao acordar desse pesadelo, será mais uma vez, como na anistia de 1979, distinguir entre os que lutaram contra o atraso e o golpismo  dos que, aliados do golpe, foram igualmente apeados pelo MPF em sua fúria redentorista. Todos foram vítimas do arbítrio e do excesso de poder persecutório. Mas nem todos são bons para a reconstrução democrática.
Já passou da hora de acordarmos dessa letargia e de enfrentarmos esse processo de deformação de nosso esboço de Estado democrático de Direito. É urgente reavaliar o modo de o MPF trabalhar, com uso de ficções processuais e delações programadas, tendentes, apenas, a tornar hegemônica sua ideologia fascista de depuração moral e, com isso, realizar seu projeto de poder corporativo.
A revisão constitucional do papel e dos poderes do ministério público é, do mesmo modo que a superação da ditadura militar, pressuposto para a recuperação das instituições democráticas e, quanto antes acontecer, menos dificuldade teremos para separar, na política, o joio do trigo, entre os vitimados pelo abuso de autoridade.

Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/raquel-dodge-gleisi-hoffmann-e-o-dna-punitivista-do-mpf-por-eugenio-aragao/

domingo, 12 de novembro de 2017

O fogo da criação é incompatível com as fogueiras da inquisição

Fogo # M. C. Escher

“Pedofilia não está no museu, mas em subterrâneos que Magno Malta deve conhecer bem”, diz o curador da ‘Queermuseu’ ao DCM


POR ROBERTO DE MARTIN
O curador da exposição “Queermuseu”, Gaudêncio Fidélis, questiona a legalidade do pedido de sua condução coercitiva pela CPI dos Maus-Tratos, ressaltando que o assunto não tem relação com a mostra cancelada pelo Santander Cultural recentemente.
Em sua visão, o senador Magno Malta tem interesses claramente eleitoreiros e utiliza-se de seu cargo e do dinheiro público para perseguir artistas e trabalhadores honestos.
Gaudêncio também joga nova luz sobre o debate ao acusar o Santander de ter sido covarde e de ter sequestrado as obras durante o período em que a exposição ficou fechada.
Segundo ele, nesse tipo de evento as obras são emprestadas gratuitamente por meio de solicitação dos organizadores (no caso, o Santander), seguindo um protocolo internacional que prevê a exibição pública.
Com o fechamento, o banco trancou as produções numa sala em Porto Alegre por cerca de um mês, prejudicando os colecionadores e impedindo que elas fossem para outros centros culturais.
Ele também cobra o diretor artístico do Santander Cultural em Porto Alegre, Carlos Trevi, responsável por aprovar previamente todo o conteúdo. “Ele sabia desde o início o que seria exposto”, diz.
Trevi, de acordo com Fidélis, faz parte da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic) do MinC, que aprova os projetos da lei Rouanet.
“Não posso afirmar se ele se isentou na hora de votar ou não, mas posso afirmar que ele estava na reunião que aprovou a ‘Queermuseu’ na lei Rouanet. Carlos Trevi é membro da Cnic há muito tempo. E representa quem? O Santander”.
DCM: O que acha do senador Magno Malta?
Gaudêncio Fidélis: É preciso que seja dito para a sociedade brasileira não somente que o senador Magno Malta vem, mais uma vez, transformando uma CPI em uma plataforma eleitoreira com motivações obscuras — ele também se utiliza de dinheiro do contribuinte para perseguir trabalhadores honestos da arte e da cultura. O Senado é uma instituição da maior relevância para o País e senador Magno Malta não faz justiça ao cargo para o qual foi eleito porque. Ele engana os brasileiros com essa farsa sobre pedofilia quando ele mesmo sabe que exposições não promovem crimes. Pedofilia não está no museu e sim em outras instituições e redes subterrâneas que o senador Magno Malta deve conhecer muito bem, com a autoridade que lhe foi atribuída. E esta CPI deveria tratar desse assunto exatamente e não de exposições de arte.
Como enxerga o pedido de sua condução coercitiva?
Gaudêncio Fidélis: Sob o ponto de vista legal, ele não pode me conduzir coercitivamente, porque eu concordei em comparecer após uma convocatória. Incialmente, eu declinei um convite, há cerca de dois meses. Era um convite, não uma convocatória.
Declinei dizendo que na minha visão era uma distorção em relação ao objeto de uma CPI de maus-tratos a crianças e adolescentes. Quando recebi uma primeira convocatória, continuei com a mesma posição e entrei com um habeas corpus, junto ao Supremo, alegando isso. O STF deferiu parcialmente o pedido. Eu teria de comparecer, mas não precisaria me manifestar e poderia ser acompanhado de um advogado, por prevenção, além de recomendar que o senador Magno Malta não me ofendesse.
Só que houve um problema com a chegada do documento de habeas corpus: a reunião era numa quarta-feira, às 14h, e o resultado do pedido saiu às 21h de terça-feira, ou seja, não haveria tempo para providenciar tudo. 
Escrevi, então, uma carta, na própria terça, que foi protocolada na quarta, no Senado, antes da reunião, pelo advogado que me representa. Nessa carta eu digo que concordo em comparecer e peço ao senador, como presidente da Comissão, que seja remarcada uma nova reunião.
Eles poderiam alegar que você deveria estar com a passagem comprada?
Não. Sob o ponto de vista legal, não, porque eles é que têm de comprar a passagem. Mas eu não respondi que eu iria porque tenho o direito, como cidadão, de entrar com o habeas corpus. Eu não posso responder que vou ou que não vou e entrar com um habeas corpus, não tem muito sentido. O habeas corpus, na verdade, tem de ser julgado em 24 horas, o que não aconteceu.
Eu expressei claramente na carta que vou, mas que considero fora do objeto da CPI. Como eu concordei, e isso foi protocolado antes da audiência, ele não pode determinar uma condução coercitiva. Isso foi no dia 4 de outubro. Desde então, o senador não se manifestou, em nenhum momento. A gente estava até estranhando. E no dia 8 de novembro, ignorando esse procedimento pregresso, ele determinou uma condução coercitiva, dizendo que é porque eu me recusei a ir, mas não é verdade. Então, complicou para ele.
E eu sei que o próprio presidente do Senado e vários outros senadores estão muito irritados com essa avacalhação que o Magno Malta faz com o Senado. Ele não segue os procedimentos. Está causando um incômodo.
Porque, veja bem, se eu sou levado coercitivamente numa situação dessas, sem cabimento, daqui a pouco o Senado é colocado numa situação constrangedora diante, por exemplo, de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ele está tentando me conduzir e ao performer Wagner Schwartz, do episódio do Museu de Arte Moderna, como um criminoso.
O mais surpreendente é que o senador Magno Malta não considera o fato de que as pessoas trabalham. Quando foi feito o primeiro convite, recebi com três dias de antecedência. É tudo muito informal. Sei que quando enviaram ao Wagner Schwartz, foi para o email geral do Museu de Arte Moderna, sendo que ele não reside no MAM.
Da primeira vez, recebi e respondi que, além de discordar, tinha um compromisso de trabalho. E, afinal, era um convite.
Que interesses estão por trás desta convocação?
Eu acredito que essa convocatória é uma afronta ao direito, tem um teor de intimidação direcionado a mim, mas que, na verdade, tem o objetivo de atingir a comunidade artística como um todo, dentro de um processo de criminalização da produção artística.
E eu acho que está ficando um pouco mais complicado. Tivemos aquele episódio em que um deputado ofendeu a mãe do ministro da Cultura numa audiência da comissão de combate ao crime organizado, cujo tema foi “exposições de arte”. Ou seja, insistem numa criminalização, relacionam ao crime organizado, a maus-tratos, estão sempre construindo essa narrativa – e o senador está muito empenhado nesse processo, com objetivos eleitoreiros – mas também com objetivos mais obscuros que, evidentemente, não sabemos quais são. Este é o meu sentimento neste momento.
Censura?
Acho que a tentativa de consolidação de um “regime”, entre aspas, num sentido mais amplo, consolidação de um regime fundamentalista, onde você ataca os princípios da democracia e da liberdade de expressão usando argumentos que passam pelo território do simbólico, da arte, da liberdade de escolha. Inclusive, vale destacar o episódio da vinda da filósofa Judith Butler, eu fiquei horrorizado, com vergonha. É um episódio que envergonha o País. Está se consolidando esse regime fundamentalista no Brasil.
E sobre essas invasões de determinados grupos a eventos artísticos?
Soube que o MBL, há cerca de duas semanas, fez um ataque, em Porto Alegre, a um evento sobre o “Queermuseu”, voltado à comunidade LGBT, com mais de 150 pessoas na plateia. E pouco tempo depois, há uma semana, fizeram pior: invadiram um sarau feminista dentro da Feira do Livro de Porto Alegre.
Agridem verbalmente, colocam câmera na cara. Nessa, de duas semanas atrás, tive de sair às pressas, colocaram a câmera na cara de um desembargador e de um membro do Ministério Público, presentes no evento.
Esses episódios que, a partir do seu caso, começaram a acontecer: tivemos o caso da filósofa Judith Butler e até a atriz brasileira Fernanda Montenegro. Como fica a arte nisso tudo?
A arte é um dos grandes mecanismos de produção de conhecimento. Então, quando você fecha uma exposição, não permite o acesso ao conhecimento. E esta é a principal razão que a gente tem que considerar como censura. Porque o que a Constituição está dizendo é que censura é não permitir o acesso ao conhecimento e à informação, entre outras coisas.
E a arte é esse instrumento para o conhecimento. A produção de conhecimento, quando se fala de uma filósofa, escritora, do status da Judith Butler, por exemplo, está-se trabalhando na mesma frequência. Esse ataque à produção de conhecimento, à informação por meio da arte e de objetos simbólicos da produção criativa, é um retrocesso para a democracia que a gente não ouvia falar há muitos anos.
Nem o horrível período da ditadura, que cometeu crimes, perseguiu artistas, intelectuais, atacou dessa forma o universo simbólico e a produção de conhecimento. E Esses ataques terríveis atingem os princípios básicos da democracia. Tempos atrás o MBL provocou a demissão de um jornalista da Folha de S. Paulo, e isso é um absurdo.
O fechamento da “Queermuseu” abriu, de certa forma, o debate sobre esses absurdos?
Para além de eventuais inclinações partidárias, o fechamento da exposição, e todo o processo que se desencadeia a partir desse fechamento determinado pelo Santander, com o episódio adquirindo uma dimensão internacional, fomenta, sim, uma discussão. Sobre democracia, sobre liberdade de expressão, liberdade de escolha, respeito às questões de gênero, de sexualidade, de comportamento etc. Ou seja, a exposição reabriu esse debate, mesmo fechada.
E qual o papel da imprensa nisso tudo?
Creio que a imprensa foi e tem sido muito correta no processo de colaboração para que esse diálogo, debate, pudesse ser reaberto na sociedade.
Mas acredita que essa colaboração é mais interesse no debate ou interesse na polêmica que pode gerar?
Logo no início do fechamento da exposição, quando houve manifestação em frente ao Santander, eu já disse que não sentia a imprensa me procurando por sensacionalismo, e mantenho a mesma opinião até hoje. Honestamente. E sinto, inclusive, que a imprensa em geral sempre demonstrou uma certa consternação por esses absurdos dentro de uma democracia terem sido revogados arbitrariamente. Claro que existem setores interessados na polêmica, mas em geral a imprensa tem contribuído para o debate.
Outra coisa é que este é um processo muito complexo de esclarecimento da chamada opinião pública e, aos poucos, a gente vai conseguindo construir isso e essa narrativa vai progredindo.
E temos de tentar ver esses desdobramentos a partir de uma perspectiva otimista, senão a gente não vai conseguir ir adiante, porque é assustador, muito assustador.
Voltando à questão da convocação, caso seja dada razão aos argumentos do senador Magno Malta, você pretende atender a essa condução coercitiva, mesmo discordando?
Eu considero firmemente que a coercitiva não pode ser aplicada neste caso, porque eu já havia concordado em comparecer. E meu advogado entrou nesta quinta (9 de novembro) com requerimento no Senado, para que seja anulado o requerimento de condução coercitiva.
Se isso não acontecer, vamos entrar com outro habeas corpus, ressaltando que um novo habeas corpus não contradiz minha posição inicial, de me dispor a comparecer. Mas meu interesse, deixando claro, não é comparecer por meio de uma condução coercitiva. O correto é que marquem uma data nos termos do que já estava acertado a partir da decisão do STF. Eu não aceito ir coercitivamente.
Você acha que há, também, uma ignorância em relação à arte por trás desse episódio do senador Magno Malta?
Acho que não. Acho que há uma má-intenção. Porque não é necessário que as pessoas sejam especialistas em arte para entender o que significa criminalizar a arte. Inclusive nota técnica do Ministério Público, emitida há dias atrás, esclareceu todos esses detalhes. Ela explica o que é crime e o que não é, especifica que a classificação indicativa de uma exposição deve ser determinada pelos organizadores etc. Em função dessa nota do MP, o Masp tirou a classificação indicativa de 18 anos. A nota é muito objetiva e revela que o Masp, se continuasse com a pré-classificação, estaria agindo fora da lei.
Por isso causou-me estranhamento a convocação do senador após poucos dias da publicação dessa nota de esclarecimento do Ministério Público. O material não deixa nenhuma dúvida. O fato de ele ter feito essa coercitiva, ignorando uma manifestação do MP, deve ser ressaltado. É um desrespeito à lei.
Como é que você vê a postura do Santander Cultural, que foi quem decidiu pelo cancelamento?
O Santander foi covarde. A postura foi covarde, autoritária e unilateral, porque nunca me consultaram. E caracterizo o fechamento da exposição como um crime contra o patrimônio. As 263 obras da exposição haviam sido pedidas pelo Santander Cultural, uma vez que o banco é o patrocinador, promotor, organizador da exposição, apesar de eu ser o curador.
É uma atitude covarde diante da responsabilidade que ele, Santander, tem, como instituição, de defender a produção artística brasileira de acusações difamatórias, como as que foram feitas.
São obras de 85 artistas que foram emprestadas por colecionadores de todo o País, muitos dos artistas reconhecidos internacionalmente, representantes do patrimônio artístico brasileiro, como Portinari, Volpi, Lygia Clark, Pedro Américo, Adriana Varejão, a lista é infinita.
E esse empréstimo, solicitado pelo Santander, é feito gratuitamente, dentro de um protocolo internacional, porque é uma exposição de caráter museológico. Ou seja, isso é emprestado graciosamente pelos emprestadores, por meio de um formulário de empréstimo, para visibilidade pública, exibição pública.
E quando houve o cancelamento eles não devolveram as obras para os emprestadores.
Não?
Não. Ficou um mês inteirinho com o Santander, a exposição montada, trancada, e as obras presas, numa atitude que eu chamo de sequestro.
Porque uma coisa é o Santander ter cometido crime contra o patrimônio ao fechar a exposição, outra coisa é o banco não tomar as providências imediatas para a devolução das obras.
Isso é muito grave e não tem precedente na história das exposições em todo o mundo. Veja que situação: a instituição financeira pede as obras para exposição pública, depois interrompe essa relação contratual no meio do caminho e não devolve as obras, que ficam sendo difamadas, mesmo com o fechamento. É censura no estágio mais grave, uma vez que a exposição estava lá, montada, mas trancada.
“Nós não permitimos que a sociedade brasileira tenha acesso a essas obras”, é isso que eles estão dizendo ao não desmontar a exposição e, ao mesmo tempo, não permitir o acesso.
E houve alguma justificativa do Santander para a não devolução das obras?
Nada. Nunca. Não se manifestaram. E mais: eu fui convocado como protagonista nesse processo, não só porque eu sou o curador, mas também porque o Santander se recusa a falar.
A única manifestação deles é por meio de uma nota infeliz que informa do cancelamento e condena as obras que ele próprio pediu emprestado, de graça. Diz que as obras não são apropriadas e as sequestra. Por que o que é isso se não um sequestro?
Mais de 50 obras emprestadas pertencem a museus públicos e, enquanto não estavam emprestadas ao Santander, estavam em exibição permanente. Ou seja, tira-se a oportunidade de visitação em outros museus e de empréstimos a outros centros culturais.
E você recebeu alguma resposta do Santander?
Não. Inclusive, a produção contratada para a exposição, terceirizada, não foi consultada também. Não consultaram o curador, nem os produtores contratados. É uma falta de absoluta consideração com artistas que representam o Brasil no exterior.
Acha que esse episódio com o Santander abre um debate sobre o poder de instituições financeiras dentro da arte, como difusoras?
Com certeza. Eu acho que esse debate tem que ser levantado. No caso do Santander, houve uma atitude mercenária, de supostamente querer preservar seus clientes, e absolutamente interesseira em relação à sua história dentro da cultura.
O Santander tem vinte e poucos anos de atividades do centro cultural em Porto Alegre. Quando eles fecham a exposição, todo o status e patrimônio adquirido nesse tempo, diante da opinião pública, por meio da difusão da arte, com a ajuda dos artistas, é prejudicado. Na hora em que o Santander decide que não é mais de seu interesse, ele entra num processo profundo de desmoralização e difamação da produção artística. Eu acho que o Santander perdeu a condição moral de existir como instituição cultural.Como dar credibilidade a uma instituição que fecha e censura uma exposição dessa grandiosidade? Porque eles poderiam não ter cedido às pressões, como outros bancos não cederam, em vários episódios.
E quem do Santander proibiu?
Isso é a “pergunta de um milhão de dólares”. Vai chegar o momento em que uma pergunta terá de ser feita: qual o papel e onde está o diretor do Santander Cultural de Porto Alegre, Carlos Trevi? Ele que aprovou a exposição, levou a exposição para receber a aprovação final do Marcos Madureira, que é o vice de Marketing. Ele sabia desde o início quais obras estariam em exposição.
E por que ele também não é convidado a dar esclarecimentos, já que é o representante do Santander?
Se eu tiver essa oportunidade, falarei na comissão. Acho que essa é uma questão institucional e o Santander tem que responder. É responsabilidade dele também. Não vejo nenhuma razão para o senador estar fazendo essa perseguição à exposição, mas tem de chamar o banco também.
E tem mais um detalhe: o diretor Carlos Trevi é membro da Cnic (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) do Ministério da Cultura, que julga quais projetos da lei Rouanet devem ser aprovados, tendo participado do processo de aprovação da “Queermuseu”, inclusive. Não posso afirmar se ele se isentou na hora de votar ou não, mas posso afirmar que ele estava na reunião que aprovou a “Queermuseu” na lei Rouanet. Carlos Trevi é membro da Cnic há muito tempo. E representa quem? O Santander”.
Quero deixar claro que não há nenhuma pergunta sobre a exposição que eu não possa responder, mas também preciso explicar o que cabe a quem. E o Santander precisa responder várias perguntas: por que as obras ficaram presas? Onde está a Direção local do Santander Cultural, que é membro da Cnic? Isso tem de ser respondido institucionalmente não só pela Direção Geral do banco, mas também por quem responde pelo centro cultural de Porto Alegre.
Para finalizar, o que você diria à Judith Butler, diante dos episódios ocorridos durante a visita dela ao Brasil?
Pediria que ela não acredite que a maioria da sociedade brasileira sejam esses doidos fanáticos e ultra reacionários que a atacaram. Na minha visão, a maioria da população é avançada e acredita na democracia. E que ela tenha certeza de quem grita mais alto nesse momento não é quem mais representa o Brasil.

não posso falar de outros bancos. O Itaú, inclusive, já resistiu a vários episódios de tentativa de censura. Não estou fazendo propaganda para o Itaú, mas eles nunca censuraram um livro, nunca fecharam uma exposição. Havia no ar a ideia de que o Santander teria sido o primeiro a ser atacado. Nada disso. Temos episódios que envolvem outros bancos patrocinadores de arte. Episódios em que não houve fechamento de exposição, censura de livro.
Onde:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/pedofilia-nao-esta-no-museu-mas-em-subterraneos-que-magno-malta-deve-conhecer-bem-diz-o-curador-da-queermuseu-ao-dcm/

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

O silêncio das panelas

Charge de Genin



Perfil transverso de um delegado federal em notas insólitas

Armando Rodrigues Coelho Neto

O paneleiro vive hoje mergulhado em suas contradições, sentimento de engodo, gosto amargo do discurso que abraçou. Órfão e imóvel, a NASA já não informa o dia ideal e ensolarado para protestos. Talvez lhe falte os robozinhos da Rede Globo, MBL, Fundação Ford e PSDB para lhes lhe tirar da inércia. Antes, mais brasileiro que uma jabuticaba, ostentava cores brasileiras, atacava rancoroso elementares conquistas sociais. Hoje, envergonhado e perdido em suas contradições, o paneleiro se limita a dizer que é apartidário, que quer todos os corruptos presos. Alguns até dizem que votaram nulo, uma opção que se verdadeira fosse, reduziria a minguados 20% os votos de Aécio.

Mesmo assim, sobrevive um perfil torpe daqueles que, mesmo envergonhados, não dão o braço a torcer. Recentemente atacaram nas redes sociais um artigo publicado pelo ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão. No texto, o autor critica um decreto lesa-Pátria, assinado pelo impostor Michel Temer, que põe à venda sem licitação Banco do Brasil, Eletrobrás e Petrobrás, entre outros itens do patrimônio nacional. Aragão lembra que o fato se deu num dia imprensado (enforcado pela “ministra” Carmem Lúcia). Há contundente e provocativa critica à imobilidade social diante do saque à Nação.

Os setores retrógados, mesmo envergonhados pelo discurso hipócrita que impulsionou a troca insana da Presidenta Dilma pela corja de Temer, permanecem entorpecidos pelo ódio inexplicado (se é que ódio se explica). Torpedearam o texto do ex-ministro, na base do quem elegeu Temer foram os eleitores de Dilma. Distantes da realidade, tratam esse detalhe como se as condições de elegibilidade e pragmatismo eleitoral oferecessem opção. Ignoram um sistema no qual voto nulo ou branco contribui para eleger candidatos à Presidência da República. Num universo de dez eleitores, o vencedor precisa de seis. Se dois anulam, o vencedor precisa de cinco. São amarras inevitáveis do sistema.

Uma coisa é eleger um vice-presidente para situações pontuais, vinculado a um programa eleitoral. Outra coisa é tirar o programa aprovado nas urnas e colocar em prática o programa perdedor, sob a liderança de um vice traidor cooptado, via  trapaça e votos comprados por uma quadrilha. Mais que isso, manter um impostor na Presidência, que nela sobrevive à custa de manobras feitas não mais à sorrelfa, mas a olhos nus. Diferentemente do voto programático, o paneleiro, símbolo de classe média decadente, que Marilena Chaui chama de “uma aberração cognitiva”, seja o lá o que for que ela quis dizer com isso, votou em Aécio por ódio ao PT sob pretenso discurso moralista e econômico.

Nas redes sociais, paneleiros chamaram o ex-ministro de cínico, pois a crise não é obra de Temer e sim do PT, sem levar em conta a conjuntura internacional. Questões geopolíticas (como sugerem a espionagem da Presidenta Dilma e da Petrobras pela CIA) foram ignoradas. Idem a queda artificial do preço do barril de petróleo e suas conseqüências para um país que elegeu o Pré-Sal como eixo de sua plataforma de crescimento, com prioridade de investimento para a educação. Do mesmo modo, esqueceram dados elementares como a queda do preço das commodities e suas conseqüências para um país, cujo governo se quis derrubar sob desculpa do aumento em 0,20 centavos na passagem de ônibus no estado mais rico da federação.

 Erros do PT à parte, as práticas econômicas postas em prática eram de emergência frente à crise mundial, cujos reflexos no Brasil se minimizaram, justamente pela excepcionalidade de algumas medidas. Entre elas, o abrir mão de mão de impostos, os quais foram transformados em lucro pelas empresas e não em investimento. Por serem medidas emergenciais, seriam objeto de ajustes mais à frente, que o Congresso golpista frustrou, com irrestrito apoio da grande mídia, que se encarregou 24 horas por dia de potencializar a crise. Foi criado o clima de caos, derrotismo e bancarrota, desestimulando a economia, estimulando agências internacionais na desqualificação do Brasil. Disso se aproveitaram.

Hoje, quando as máscaras caíram, ainda surgem vozes para defender a venda subfaturada do país, sob a alegação de modernidade e do estado mínimo (melhor dizer ausente). Aqui neste espaço, divulgamos trecho de um velho manual da PF sobre o combate ao crime organizado. Nele, as privatizações são apontadas como fonte de corrupção, detalhe esquecido pela Farsa Jato.

O mundo das panelas raciocina com o umbigo, na base do “farinha pouca meu pirão primeiro”. É o pensamento dominante nas instituições encarregadas de tornar o Estado instrumento de realização do bem comum. Mas, o corporativismo de seus representantes negam o próprio Estado, e nessa condição se acham modernos. Desqualificam a essência do Estado, aprovam a venda do país, sem cotejar que historicamente, o Estado tem sido regido pelo espírito e ideário das classes dominantes. Digladiam-se com os males inerentes aos valores que cultivam, próprios da cultura de Moros, Marinhos, Malafais, Mesquitas, maçons...

Há algo de muito grave numa sociedade se julga moderna por aniquilar o estado. Que ignora 500 desempregados substituídos por uma única máquina. É moderno? Sim. É um ato social e humanizado? Não. Dá lucro? Sim. Vai ser socialmente distribuído? Não. Não é, portanto, um debate entre o moderno e o ultrapassado. Eis alguns paradoxos sobre dos que se julgam modernos numa sociedade em que defender a dilapidação do patrimônio nacional é ser top.

Quando o eixo de pensamento é dinheiro, lucro e ganância, não há dialogo produtivo com quem tem como eixo básico o olhar humanizado sobre o coletivo. O país que há pouco debatia direitos de empregadas domésticas, tentava regulamentar a profissão de motoqueiros é o mesmo que retorna ao trabalho escravo, extingue direitos sociais.

Agora, que caíram todas as máscaras, da Polícia Federal  a Sérgio Moro, de Aécio Neves a Gilmar, da Veja a Globo e de toda a denominada grande mídia, seria o caso de perguntar aos paneleiros o que efetivamente os fez irem às ruas para baterem panelas. Agora, que as camisas da CBF servem de vestimenta para mendigos nas ruas e as bandeiras enfeitam carroças de catadores de papel, nem é preciso perguntar o que o teria sido determinante o voto em Aécio Neves.

Agora, que o Congresso Nacional, antes “varonil” (pátria, fé e família) revelou sua face porca; ser em grande maioria covil de larápios, quem sabe o paneleiro possa desexplicar seu voto, descobrir sua visão de mundo e se depare com a lucidez ou com ódio (in)consciente...

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

Onde:
https://jornalggn.com.br/noticia/perfil-transverso-de-um-delegado-federal-em-notas-insolitas-por-armando-coelho-neto


domingo, 5 de novembro de 2017

Heil, Carmem!



A "nota mil" na redação de Carmem Lúcia, por Gustavo Conde

Fernando Brito



Gustavo Conde é linguista e professor de redação. Envia-me este texto, que publico tanto por sua dor quanto pelo fato de que alguém, um dia, faça chegar a Cármem Lúcia a redação que ele imagina e que ela incentiva.
“É com muita dor que faço uma redação em forma de paródia-denúncia, estarrecido com a decisão unilateral, apressada e chocante da ministra Cármen Lúcia em não zerar redações que violem direitos humanos no Exame Nacional do Ensino Médio. A sociedade brasileira que já sofre com a violência do Estado não merecia um ato de tamanha violência simbólica do tribunal máximo da república. É o nosso AI-5.
Para um professor que passou anos preparando alunos para respeitar os direitos humanos e que sabe da imensa importância técnica deste critério de correção para a qualidade do debate, do texto e para a construção da cidadania, é humilhante ser obrigado a ver uma decisão dessas em plena e suposta democracia.
O instrumento de zerar a prova de redação que viole direitos humanos não é apenas um critério de correção, como defendeu a ministra em seu texto: é um procedimento de indução do debate público qualificado e cidadão, é uma poderosa ação simbólica que irradia consciência, solidariedade e sentido de liberdade para a sociedade brasileira.
Hoje, posso dizer que me sinto envergonhado diante dessa instituição que atende pelo nome de STF e, sobretudo, por sua presidente. Segue a redação-denúncia. Não é uma leitura leve e peço desculpas por redigir peça tão violenta. Mas, talvez, ela seja importante do ponto de vista pedagógico e histórico, para que esse ato suicida de um tribunal confuso possa ser devidamente combatido em sua verdadeira dimensão imoral. É para chorar e se indignar.
[NOTA: DO PONTO DE VISTA TÉCNICO, É UMA REDAÇÃO QUASE PERFEITA: EM NORMA CULTA, TEMA, COERÊNCIA E COESÃO, TERIA A NOTA MÁXIMA OU QUASE A MÁXIMA. ATÉ A PROPOSTA TAMBÉM SERIA “BOA”, PORQUE ELA ESTÁ “TECNICAMENTE” ORGANIZADA. UMA REDAÇÃO, SEM O ZERO DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, PRATICAMENTE NOTA MIL].

A falácia dos direitos humanos

Autor imaginário, mas menos do que se imagina
‘Desde os primórdios da humanidade, o homem fala em direitos humanos. E sempre que se fala em direitos humanos é para defender bandido. O sujeito rouba, mata e estupra e a sociedade é obrigada a respeitar os direitos humanos dele. Pessoas assim nem podem ser chamadas de pessoas: são subgente. Merecem apodrecer na cadeia, sendo torturadas e humilhadas.
Uma instituição que tem sido exemplar no combate à falácia dos direitos humanos é o STF. Um dos lugares em que mais se mata no mundo são os presídios brasileiros, e a sociedade apoia isso, pois percebe que há uma instituição séria que também apoia. A presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia, visitou recentemente os presídios brasileiros, testemunhou as condições precárias e merecidas desses indigentes e, muito acertadamente, nada fez. O STF tem o apoio de toda a sociedade do bem, que quer a morte de todos esses negros assassinos que só oneram o Estado.
Índios, moradores de rua, sem-terra, sem-teto, homossexuais, negros, deficientes, mulheres pseudo vítimas de violência, crianças delinquentes, toda essa população merece o que lhes ocorre nesse preciso momento: a indiferença do Estado, que tem que se preocupar com as pessoas que trabalham, pagam seus impostos e sustentam suas famílias. Mais do que isso: eles merecem a limpeza étnica que os governos estaduais, através de suas polícias, promovem há anos de maneira exemplar, em suas incursões nas periferias.
A sociedade do bem apoia o STF em sua cruzada contra essa mentira que é a defesa dos direitos humanos. Defesa de direitos humanos é defesa de bandido. É preciso que o STF intensifique sua admirável ação em continuar esmagando essa população que não merece viver, seja com sua indiferença, seja no contingenciamento de verbas para o sistema carcerário, seja punindo quem insistir em proteger bandido. A sociedade do bem tem uma inspiração para continuar combatendo as mentiras da defesa dos direitos humanos: o STF e sua presidente, a ministra Cármen Lúcia. Com essa instituição ativa, a sociedade brasileira vai limpar a toda a sujeira humana que ameaça a vida do cidadão de bem.”


Atualização em 06/08/2017

Ver também a excelente critica de Luis Nassif: 

https://jornalggn.com.br/noticia/carmen-lucia-e-os-principios-como-escada-por-luis-nassif

Onde:
http://www.tijolaco.com.br/blog/nota-mil-de-carmem-lucia-por-gustavo-conde/