quarta-feira, 25 de março de 2015

Conexões e laços


Sobre os laços humanos, redes sociais, liberdade e segurança # Zygmunt Bauman

terça-feira, 24 de março de 2015

O poderoso jogo continua, e você pode contribuir com um verso

Poster literário de Evan Robertson


O Me! O Life!


Oh me! Oh life! of the questions of these recurring,
Of the endless trains of the faithless, of cities fill’d with the foolish,
Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I, and who more faithless?)
Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean, of the struggle ever renew’d,
Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me,
Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined,
The question, O me! so sad, recurring — What good amid these, O me, O life?

Answer.


That you are here — that life exists and identity,
That the powerful play goes on, and you may contribute a verse.



Walt Whitman - Leaves of Grass



Onde:

https://www.pinterest.com/jeffreythezenas/focus-evan-robertson/

http://www.poetryfoundation.org/poem/182088

segunda-feira, 23 de março de 2015

O dicionário das dores obscuras

Socha: A vulnerabilidade escondida dos Outros # John Koening



Onde:

https://www.youtube.com/channel/UCDetdM5XDZD1xrQHDPgEg5w

http://www.dictionaryofobscuresorrows.com/

domingo, 22 de março de 2015

O passado é uma roupa que não nos serve mais...

 "Quem matou Herzog?" (Projeto-cédula) # Cildo Meireles


Avante para o passado

Janio de Freitas, Folha de SP


Férias sem viagem não desligam, logo, não são férias. Mas, a bem da verdade, se não pude viajar no planeta, fui levado a viajar no tempo. Com ótimas e péssimas companhias nos 204 milhões transportados a bordo do Brasil de volta ao século 20.

O século que, para nós, começou antes de chegar. Uma linha de historiadores considera que o século 20 só começou para o mundo em 1914, com o fecho brutal da “belle époque” pela irrupção da Guerra Mundial. No Brasil, o novo século começou em 1889, com o golpe de Estado que expulsou o Império e impôs a República. E que não mais se dissociou dela ainda naquele e no decorrer do século 20, como golpismo latente, como inúmeros golpes tentados e frustrados, e como consumados e numerosos golpes ora brancos, ora em seu clássico verde oliva.

“A democracia brasileira está consolidada” não é mais do que uma ideia generosa com o (mau) caráter da política brasileira, produzido e disseminado pela mentalidade primária e gananciosa, além de alheia ao país, da classe dominante com seus poderes maiores que os dos Poderes institucionais. O golpismo é um recurso natural dessa mentalidade. Por isso está aí.
Se não, por que a exibida indignação dos oposicionistas com Dilma por suas práticas opostas às que propalou na campanha? É só falsidade. Oposição honesta, se não for imbecil, não tem como não estar satisfeita com a adoção de política econômica e medidas antissociais que são autenticamente suas, e de sua conveniência. E satisfeita ainda com a derrota final dos que a repudiaram nas urnas. Um só motivo para tanta indignação exibida: o golpismo.
Alberto Goldman delatou a tática em texto na Folha de 24.2.15. “Como levar adiante uma transição (…) sem ter de aguardar quatro anos” é “um desafio” que “só acontecerá se o agravamento das condições econômicas e política persistirem [o plural é dele] a ponto de mobilizar o povo e os partidos para uma solução que, de qualquer forma, ainda que legal e democrática, não deixa de ser traumática”.
Ou seja, berreiro acusatório total contra “as condições econômicas e políticas” até conseguir clima para derrubar a presidente: (…) “Dilma Rousseff e seu partido não têm condições políticas e morais para conduzir o país por mais muito tempo”.
Pequenos trechos a meio do noticiário confirmam a continuidade do propósito e da prática. Assim, nos últimos dias: “Não se trata de sangrar, a degradação econômica e política pode levar ao impeachment, não se deve ter receio” (Carlos Sampaio, irado líder do PSDB na Câmara). Ou a referência ao governo como “o que não deve ser salvo”, feita por Fernando Henrique. Ou ainda as reuniões da direção peessedebista com delegados e advogados à procura de meios de incriminar Dilma, e por aí em diante.
As negativas de adoção do golpismo feitas pelos oposicionistas vociferantes são apenas falsidade política. Até porque, lá atrás, antes que lhes parecesse inconveniente se mostrarem golpistas, deixaram claro o seu objetivo de forçar o impeachment, cuja falta de fundamentação constitucional não projetou mais do que um golpe baixo.
A falsa indignação com a economia e o uso da Lava Jato contra Dilma não bastam para aproximar o golpismo do êxito. Há muitos motivos políticos para que, no Congresso, uma tentativa forçada de impeachment seja derrotada. No Supremo Tribunal Federal de hoje em dia não há possibilidade de aceitação, ainda que conte com uns três votos, de impeachment que não esteja fundamentado com muita solidez factual e em segura constitucionalidade.
O que entrou e continua no século 21, na vida institucional brasileira, não pode ser esquecido. A proteção das Forças Armadas aos militares acusados de crimes na ditadura impediu a atenção para esta presença. Aos recém-substituídos comandantes general Enzo Peri, brigadeiro Juniti Sato e almirante Júlio Moura é necessário reconhecer que asseguraram, ao longo do governo Lula e no de Dilma, uma conduta exemplar dos militares.
Nem uma só voz de militar da ativa veio agravar qualquer dos vários períodos de conturbação. O homem das casernas tornou-se o exemplo de civilização e civilidade, ao lado da degradação paisana. O antigo troglodismo armado está restrito, inofensivo, aos bolsonaros de pijama no Clube Militar.
Além de torcer para que esse exemplo perdure, é preciso batalhar outra vez contra os ressurgidos obscurantistas.




Velha roupa colorida (Belchior) # Elis Regina

Onde:

http://www.tate.org.uk/art/artworks/meireles-insertions-into-ideological-circuits-2-banknote-project-t12516

http://jornalggn.com.br/noticia/o-golpismo-explicito-da-oposicao-por-janio-de-freitas

sexta-feira, 20 de março de 2015

Liberdade e coragem

As origens da liberdade estão na coragem # Caligrafia de Hassan Massoudy



If your Nerve, deny you 
Go above your Nerve 
He can lean against the Grave, 
If he fear to swerve 

That's a steady posture 
Never any bend 
Held of those Brass arms 
Best Giant made 

If your Soul seesaw 
Lift the Flesh door 
The Poltroon wants Oxygen
Nothing more 

Emily Dickinson



Onde:

http://www.americanpoems.com/poets/emilydickinson/10244

http://www.wikiart.org/en/hassan-massoudy/the-origins-of-freedom-are-in-courage

quinta-feira, 19 de março de 2015

Gente fina, elegante, sincera... e de paz



Pobre oposição! Sem lideranças, protesto contra a corrupção descamba para o ódio, o preconceito e a exaltação da Ditadura
Laura Capriglione

O que leva pessoas educadas, profissionalmente bem colocadas, gentis no trato pessoal, a comparecer a um ato público contra a corrupção, como o realizado no último dia 15 de março, na avenida Paulista, em São Paulo, e para lá levar cartazes, faixas e rimas podres com ofensas de cunho sexista e de ódio contra a presidente Dilma Rousseff –pelo fato de ela ser mulher?

“Quem se habilitaaaa… A comer a Dilma sem birita?”
“Dilma, arruma logo um namorado e para de foder o Brasil.”
“Dilma, pare de ferrar o Brasil e vai transar.”
“Dilma, biscate véia.”
“Dilma, mal comida.”
“Dilma, sapatão.”
“Dilma vaca.”
“Ei, Dilma!, vai tomar no cu!”

O que leva pessoas afáveis, amigas até, a jogar fora toda a sua convicção sobre a importância da solidariedade, da caridade, do amor e, de repente, vestir uma camiseta com a estampa de uma mão com quatro dedos sob o lema: “Basta!”

É a Lula que se refere, por razões óbvias, a tal estampa.(Uma das pessoas que trajavam a indecorosa camiseta com a mão de quatro dedos era Ana Eliza Setubal, mulher de Paulo Setubal, da família que controla o banco Itaú).

Se fossem — Lula ou Dilma — anões, negros, homossexuais, gagos, cegos, surdos, obesos, sem-braços ou sem-pernas, como seriam as cruéis estampas?

Deixo para os representantes de minorias ou dos deficientes físicos, calejados resistentes da lida contra o preconceito, a tarefa de imaginar o circo de horrores que seria retratado — como se toda a sua humanidade pudesse ser reduzida a um traço físico ou psíquico.

Teve grosserias para todos os gostos e estômagos. O meu passou mal. A coisa podia ficar pior — e ficou. No carro de som que pedia a “Intervenção Militar Já”, um notório torturador e assassino de oposicionistas políticos da Ditadura, de nome Carlos Alberto Augusto, conhecido pela alcunha de “Carlinhos Metralha”,(leia aqui o horror) era disputado como celebridade para selfies.

“Metralha” vangloria-se de sua participação no chamado “Massacre da Granja São Bento”, onde foram assassinados vários militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), em janeiro de 1973. Na ocasião, a jovem Soledad Barrett foi entregue, grávida, para ser executada por seu próprio marido, o traidor José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo.

No final do “Dia contra a Corrupção”, o ex-policial festejava: “Posei hoje para retratos com mais de 800 pessoas”. Parte importante de seu discurso era o lamento por não ter conseguido metralhar mais gente em sua carreira homicida. “Faria com o maior prazer”, disse.

Em outros tempos, essa gente nem daria as caras, execrada que seria. Mas, na manifestação de domingo, a massa vestida com a camisa do fracasso do 7 a 1, aplaudia, gritando: “A nossa bandeira jamais será vermelha”, seguido pelo indefectível “Ei, Dilma, vai tomar no cu!”

É claro que a Rede Globo, fazendo tomadas aéreas, de helicóptero ou do alto dos prédios, não mostrou nada disso. Os locutores da emissora preferiram enaltecer “o caráter pacífico do protesto”, “a grande manifestação em prol da democracia”.

A verdade daquela violência simbólica toda, cantada em verso e prosa, impressa em cartazes e camisetas, passou longe das câmeras da emissora do Rio, que preferiu apresentar uma versão adocicada da barbárie, afim de não assustar os incautos.

Como chegamos a este ponto? Como é possível que o discurso do ódio se tenha entranhado a tal ponto em parcela da oposição?

Costuma-se comparar a atual campanha anti-Dilma àquela pelo impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992.

Mas elas têm o sinal trocado em quase tudo. Provavelmente, também no desenlace.

Como jornalista, tive a oportunidade de cobrir a campanha pelo impeachment de Collor.

À frente dela estiveram o maior símbolo do MDB que combateu a Ditadura, o deputado Ulysses Guimarães; o fundador do PSDB e depois governador de São Paulo, Mário Covas; o presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, os então presidentes da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcello Lavenère, e da União Nacional dos Estudantes, Lindberg Farias, além de milhares de entidades e organizações da sociedade civil, artistas e intelectuais.

No ato do dia 15, as grandes figuras da oposição, os artistas, os intelectuais não deram as caras.

Até teve um Jair Bolsonaro (PP-RJ) aqui, um Andrea Matarazzo (PSDB-SP), e um Aloysio Nunes Ferreira (idem) acolá, além de sub-celebridades do segundo time do entretenimento, como Wanessa “Playback” Camargo, Danilo Gentili e Juca Chaves.

Convenhamos, até na época do “Cansei” o camarote vip tinha mais atrações.

Onde estavam Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, Geraldo Alckmin, a oposição no Congresso? Enfurnados em sua covardia, sabe-se lá onde.

Sem referências, sem lideranças, o jeito foi a galera fina, elegante e sincera, vestida com as camisetas oficiais da CBF, aquelas do 7 a 1 (R$ 149,90 na loja virtual Netshoes), chafurdar nos dicionários chulos de palavrões.

Na ausência da dimensão pública representada pela grande política, sobrou espaço para os extravazamentos dos ódios de bombados valentões, cosplayers de Rambos, em coturnos e trajes militares, pedindo a volta da Ditadura

Gol contra pior do que no 7 a 1.

“Eu não vim aqui pra isso. Eu sou contra os militares. Eu perdi amigos na Ditadura”, gritava Maria de Lourdes Di Paula, 57. Professora paulista, Lourdes foi ao ato porque é “contra a corrupção”. Transtornada, ela retirou-se do protesto com mais oito amigas. “A gente é pelo aprimoramento da democracia, não pela destruição dela”, disse.

Por volta das 18h, esgotados manifestantes disputavam um lugarzinho no badalado restaurante Spot, na rua Ministro Rocha Azevedo, vizinho da avenida Paulista, onde uma saladinha da casa sai por R$ 52.

Na porta, duas senhoras perguntavam-se “e agora?”, ao que um fortão com camisa de camuflagem respondeu de bate pronto:

“Impeachment nem pensar porque senão vem o Temer e é pior. A única saída é a intervenção militar”.

Elas se assustaram — “Deus me livre de milicos!”— e fugiram para dentro. Foram em busca de um Prosecco para relaxar.

Acabou-se o protesto.

#jornalistaslivres


Onde:

https://br.noticias.yahoo.com/blogs/laura-capriglione/pobre-oposicao-sem-liderancas-protesto-contra-a-212331958.html#more-id


http://tijolaco.com.br/blog/?p=25601

segunda-feira, 16 de março de 2015

Separar alhos de bugalhos: contra a corrupção, Reforma Política!

Obra de Ursus Wehrli com fotos de Geri Born e Daniel Spehr


É ótimo que a sociedade brasileira se posicione contra a corrupção, pois ela é i-n-a-c-e-i-t-á-v-e-l e drena recursos que são subtraídos das políticas públicas e do bem comum. 

Cidadania implica, também, deveres. Todos nós os temos para com o país e a comunidade. Desde as poderosíssimas Organizações Globo - que não podem inventar artifícios fiscais criativos para sonegar impostos, como foi feito com o dinheiro dos direitos de transmissão da Copa de 2002, enviados para uma empresa de fachada em um paraíso fiscal -, passando por aqueles que compram imóveis sem declarar o valor real para a Receita Federal, cobram consultas com ou sem recibo, até o mais simples cidadão que tem seus impostos descontados em folha.

I-n-a-c-e-i-t-á-v-e-l, também, é a manipulação seletiva e ideológica do tema corrupção, que tenta produzir um clima apocalíptico, histérico, irracional, encharcado de ódio, alimentado por mentiras, demonizações, omissões e desinformações. Nesse delírio manipulatório, tenta-se convencer a sociedade de que a corrupção foi inventada quando os trabalhistas chegaram ao poder. Claro que para isso é necessário omitir e esconder os próprios desvios e os dos amigos e aliados. 

Antes, era tudo limpo e honesto. Não existiram problemas na construção da Transamazônica, de Itaipu, da Ponte Rio-Niterói (e o fato de vivermos em uma ditadura, sob censura e sem liberdade de expressão, de imprensa e de manifestação, era mero detalhe). Nunca houve manipulação de informações sigilosas às vésperas dos planos econômicos e ninguém lucrou com isso. Nunca houve quebras bancárias fraudulentas nem privatizações obscuras e escandalosas de bancos públicos. O "maior processo de privatização do planeta",  pelo qual passaram as empresas públicas brasileiras, foi transparente e franco, como o sorriso banguela de um neném. Os recursos das superintendências regionais, criadas para estimular o desenvolvimento e corrigir desequilíbrios estruturais, nunca foram apropriados por caciques políticos e latifundiários e a "indústria da seca" não passou de uma quimera. Nunca houve uma política criminosa de depreciar e tentar desmembrar  a Petrobrás com vistas a vendê-la a preço de bananas. Jamais existiu a compra de congressistas para aprovar a emenda constitucional que instituiu a reeleição. A lista continua, é volumosa e abarca todos os três Poderes da República, barões da mídia, multinacionais, empresários, grandes proprietários de terras, juízes, políticos, empreiteiros, agentes públicos etc.

No presente, é mesmo modus operandi que esconde o Trensalão tucano e as contas do Rodanel; silencia sobre a construção do aeroporto do tio do Aécio com dinheiro público; mantém o mistério sobre a propriedade do jatinho que matou Eduardo Campos; ignora a responsabilidade da Sabesp na crise hídrica de São Paulo; evita o mensalão do DEM em Brasília e RN; guarda um segredo sepulcral em relação aos 450 kg de cocaína apreendidos no helicóptero dos Perrela; "esquece" os esquemas criminosos  envolvendo a Revista Veja, o Carlinhos Cachoeira e o impoluto Demóstenes Torres; alimenta os vazamentos seletivos da Polícia Federal, do Ministério Público, do Judiciário e atiça a militância escancarada de seus membros (que deveriam mostrar isenção e neutralidade no desempenho do ofício). Etc, etc, etc.

I-n-a-c-e-i-t-á-v-e-l, ainda, é usar o combate à corrupção, que é legítimo, urgente e necessário,  para atacar a democracia, exigir impeachment da presidenta - sem base jurídica nenhuma, apenas o inconformismo com o resultado das eleições -, e pregar o golpe militar. Em relação a este último, a Constituição Federal não deixa dúvidas:

Art. 5, XLIV: "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático".

Golpismo é crime. Defender publicamente golpe militar não é exercer a liberdade de expressão, é fazer apologia de um crime inafiançável e imprescritível! E foi isso que muitos manifestantes fizeram nos protestos de ontem (e, pelo visto, não sabem sequer a diferença entre intervenção federal e golpe militar, ao clamar por uma exdrúxula "intervenção militar"):

http://jornalggn.com.br/noticia/imagens-constrangedoras-das-manifestacoes-de-domingo

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/com-todo-o-respeito-foi-muito-mais-uma-palhacada-que-um-protesto/

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/isso-aqui-e-uma-putaria-e-disso-eu-entendo-o-dono-do-bahamas-e-outras-figuras-na-paulista/

Voltando ao que interessa: o combate à corrupção. Quem é realmente contra a corrupção, quer atacar suas causas e não apenas os sintomas. Como diz Marcelo Zero,

... "Ao contrário do que o ubíquo neoudenismo concebe, a corrupção não se combate com indignação serôdia e moralismo seletivo e politicamente motivado.

O verdadeiro e consistente combate à corrupção se dá fundamentalmente mediante o fortalecimento dos órgãos independentes de controle e pela promoção da transparência na administração pública. Com isso, enfrentam-se as causas mais imediatas e diretas da corrupção.

Pois bem, nenhum governo investiu mais nessa política consistente de combate aos desvios que os governos do PT.

Os dados a esse respeito são inequívocos.

As operações especiais da polícia federal passaram de ao redor de 6 ao ano, nos governos do PSDB, para cerca de 250 ao ano, nos governos do PT. Nas duas gestões de FHC, tais operações somaram somente 48. Nas gestões Lula e Dilma, tais operações especiais já ascendem a 2.226.

A Controladoria Geral da República, motivo de chacota pública no governo anterior ao de Lula, tornou-se uma eficiente instituição que fiscaliza com rigor as verbas federais destinadas aos municípios.

As procuradorias e o Ministério Público foram igualmente fortalecidos e, hoje, desempenham suas funções com independência e desenvoltura. Extinguiu-se a triste figura do "engavetador-geral", com a escolha de procuradores independentes, indicados pelo corpo técnico das instituições. O mesmo aconteceu no âmbito da Polícia Federal, que passou a ser dirigida por delegados sem vínculo político com o governo, como aconteceu nos tempos do PSDB.

O notável fortalecimento do Judiciário, ocorrido em período recente, também contribuiu para que os ilícitos fossem apurados com maior rigor e celeridade.

Ao mesmo tempo, com a criação do Portal da Transparência, a Lei de Acesso à Informação e outras medidas semelhantes, a administração pública federal tornou-se muito mais receptiva ao "detergente da luz do sol", para usar a expressão famosa do juiz Louis Brandeis.

Mas não é só isso.

O governo do PT também vem contribuindo para o combate à corrupção ao atacar causas indiretas, mas profundas, do fenômeno.

Em países como o nosso, a corrupção tem forte correlação com a privatização do Estado, a cidadania de baixa densidade e os altos índices de desigualdade pobreza.

O Estado brasileiro foi frequentemente capturado por interesses privados e, como tal, não operava para o bem comum e o grosso da população, historicamente excluída de direitos e das políticas estatais. Saliente-se que esse caráter excludente e patrimonialista do Estado foi, em alguns casos, exacerbado pelas políticas neoliberais, que consolidaram uma espécie de neopatrimonialismo e tentaram desconstruir os núcleos republicanos do aparelho estatal.

Além disso, o caráter relativamente recente do processo de construção da nossa democracia tende a tornar o aparelho estatal relativamente infenso ao controle social. Isso era agravado por uma "cidadania de baixa densidade", ocasionada pelos históricos processos de exclusão econômica, social e política, e por índices muito altos de desigualdade e pobreza."

Pois bem, os governos de Lula e Dilma iniciaram um processo de "desprivatização" do Estado, direcionando fortemente as políticas públicas para o combate à exclusão econômica e social da maioria da população. Concomitantemente, geraram também um processo lento, mas seguro, de construção e fortalecimento de cidadania, que tende a colocar o aparelho estatal sob a égide e controle de um verdadeiro interesse público, e não mais sob o tacão de alguns interesses privados dos grupos secularmente dominantes.

O fundamental, contudo, é que governos Lula e Dilma iniciaram uma verdadeira revolução social no Brasil, retirando cerca de 36 milhões de pessoas da pobreza extrema e propiciando a ascensão à classe média a cerca de 42 milhões de cidadãos brasileiros."

..."Toda essa política sólida de ataque às causas diretas e indiretas da corrupção e dos desvios fez aumentar, é óbvio, as denúncias e as investigações sobre o tema.

A mídia neoudenista e conservadora apresenta tal fenômeno como algo negativo, um sintoma de um suposto aumento da corrupção no país. Não é verdade.

Na realidade, trata-se de um fenômeno muito positivo para a nossa democracia. O que realmente aumentou, de forma exponencial, foi a capacidade das instituições de controle e da própria cidadania de controlar o Estado e de combater os desvios.

O Brasil não vive, como se diz vulgarmente, uma "crise de corrupção". O Brasil vive o processo doloroso, mas necessário, do fim da sua histórica impunidade.



Não é o "mar de lama", do qual gostam tanto de falar os neoudenistas. É um rio que está passando pela vida do país, limpando-o.



Porém, a luta efetiva contra a corrupção, mal histórico do Brasil, está apenas começando. É necessário avançar muito mais. É preciso, sobretudo, transformar a revolução social ocorrida nos últimos 12 anos no Brasil numa revolução política.


Assim sendo, o próximo e essencial passo é a Reforma Política. Com efeito, tal reforma é fundamental para limitar a influência avassaladora do poder econômico sobre o sistema de representação e o aparelho do Estado. Ela é essencial para colocar as instituições e políticas públicas a serviço do cidadão comum e dos setores populares e, dessa forma, desatar, em definitivo, as amarras políticas ao nosso desenvolvimento ditadas pelo patrimonialismo, o presidencialismo de coalizão, a sobrerrepresentação de interesses dos grandes grupos econômicos e tantas outras mazelas do Estado brasileiro.

Portanto, quem leva o combate à corrupção a sério não se deixa enganar pelo neoudenismo e seu moralismo seletivo e politicamente motivado. Ele não dá respostas racionais à questão, apenas vocifera contra a corrupção que já está sendo combatida.

Por trás dele, estão forças francamente reacionárias que não estão realmente interessadas em combater desvios, mas apenas em desestabilizar um governo legítimo e em rever as próprias políticas que vêm possibilitando a luta consistente contra as causas da corrupção.

Quem é verdadeiramente contra a corrupção e os desvios não quer golpe contra o governo que vem atacando esse mal em sua origem.

Quem é realmente contra corrupção quer a Reforma Política, o aprofundamento das políticas que vêm revolucionando socialmente o Brasil e, sobretudo, o respeito ao mandato legítimo de uma presidenta séria e honesta."



Onde:

The art of clean up # Ursus Wehrli
Chronicle Books

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/173292/Quem-%C3%A9-Contra-a-Corrup%C3%A7%C3%A3o-n%C3%A3o-quer-Golpe-quer-Reforma-Pol%C3%ADtica.htm

domingo, 15 de março de 2015

Salve, Jorge!

Jorge da Capadócia # Jorge Ben Jor e Banda Admiral Jorge V



Macanudo # Liniers


Macanudo # Liniers



Onde:

http://www.youtube.com/watch?v=SeDcDJ8JH3k

http://www.macanudo.com.ar/fecha=2015-03-14

sábado, 14 de março de 2015

Com o ódio acabaremos

Cancion del ódio (versão de Hate song de Steven Vanaver - Mary Rodgers) # Nacha Guevara


Liberdade e felicidade para mim são sinônimos.

Nacha Guevara


Entrevista a Ismael Cala



"Quando eu me for, quero que ponham em minha lápide: "Foi uma eterna aprendiz". Estou sempre aprendendo coisas novas. Na realidade, não se pode ser jovem sem que se tenha pensamentos jovens. Nenhum ser humano fez o milagre de dar pensamentos jovens a terceiros. Porque é nossa própria responsabilidade. Eu tenho o poder de escolher o que penso. Eu tenho o poder de escolher como me sinto. As pessoas tendem a dar tanto poder aos de fora que se esquecem do poder que têm dentro de si."

Nacha Guevara


Onde:

http://www.youtube.com/channel/UCg2Im57qXJi7N4_Ls5np1YA

terça-feira, 10 de março de 2015

Se minhas panelas falassem...

As panelas # Uberti



Chá de panela (Aldir Blanc - Guinga) # Leila Pinheiro


As panelas # Uberti



Ninguém está batendo panela por isso! 
Enquanto os acionistas da Sabesp auferem lucros polpudos, a população de São Paulo está sendo castigada pela falta de um bem essencial à vida. Quando a situação ficar crítica nas piscinas, latrinas, chuveiros e torneiras de Higienópolis, Morumbi e Alphaville, ainda vão apelar para algum malabarismo ilógico-ideológico para livrar a cara de Geraldo Alckmin, do PSDB e aliados, e creditar a tragédia - previsível e anunciada-, na conta de Dilma e do PT. Enfim, uma elite ignorante e autorreferente, encharcada de ódio e ressentimento, que não conhece a Constituição brasileira e o significado dos conceitos de República, Federação, Autonomia Federativa, Presidencialismo, Estado Democrático de Direito etcétera e tal.


IMPRENSA, MASSA E PODER

Luciano Martins Costa

Os jornais de terça-feira (10/3) procuram marcar a reação de moradores de algumas cidades do Sul e do Sudeste à aparição da presidente Dilma Rousseff na televisão, na noite de domingo (9/3), como um divisor de águas no embate político que convulsiona as instituições da República. Numa curiosa unanimidade, como se os três principais diários de circulação nacional fossem editados numa mesma sala, o evento é apresentado como o ponto de inflexão a partir do qual se institucionaliza um novo momento no longo processo de desgaste promovido pela imprensa.

As edições dos jornais seguem uma linha proposta pelos principais noticiosos da TV na noite anterior, quando o protesto foi tratado como uma reação espontânea de parte da população ao conteúdo do discurso presidencial, principalmente ao fato de a presidente da República ter pedido “paciência” pelas medidas econômicas que estão sendo adotadas.Acontece que o barulho nas janelas eclodiu antes que ela começasse a falar, ou seja, as pessoas que se manifestaram nem ficaram conhecendo o teor do discurso.

Mas não se pode dizer que a imprensa brasileira é incoerente. O que explica essa aparente contradição é a linha adotada agora por todos os jornais e vocalizada por alguns representantes da oposição: trata-se de promover o desgaste contínuo da imagem da presidente, impedindo que governe – mas com o cuidado de evitar que o governo fique paralisado.

Até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi alistado entre os porta-vozes dedicados a manter a pressão sob controle. Em discurso e entrevista, ele afirma que os atores políticos vão tomar a frente do movimento que eclodiu nas redes sociais, estimulado pela mídia.

Em suma, o que dizem os diários nas entrelinhas é que a oposição viu no bater de panelas e nos xingamentos uma oportunidade de liderar o protesto nas cidades e nas classes sociais onde a presidente teve menos votos, para transformar esse descontentamento regional e classista em um movimento de caráter nacional.
Essa é a possibilidade que os conselheiros de comunicação da presidente da República não viram, quando recomendaram que ela fosse à TV pedir a compreensão da sociedade para as medidas de correção na economia.Os assessores da presidente ainda acham que esse embate se dá no campo da razão.

O impulso de destruição 

O que está em curso é uma velha lição ditada em 1960 pelo ensaísta Elias Canetti: a boa condução do rebanho consiste em mantê-lo em marcha na direção e velocidade desejadas, sem permitir que iniciativas individuais retardem ou atrapalhem a caminhada.
As vaias e o barulho das panelas indicam que o núcleo dos descontentes está maduro para sair de casa e engrossar a manifestação marcada para o dia 15/3, mas os líderes da oposição e a imprensa estão de olho naquilo que Canetti chamou de “descarga” e “impulso de destruição”.
O que unificou os cidadãos de renda elevada, na noite de domingo, foi a imagem da presidente Dilma Rousseff na televisão, não seu discurso. O que os jornais tentam fazer, dois dias depois, é uma racionalização da descarga de irracionalidade – processo que unifica os componentes dessa massa que são, por sua natureza, extremamente individualistas. Analisar os pontos do discurso, como fazem alguns jornalistas, é parte do processo de legitimação do que vem em seguida: o impulso de destruição.
A oposição busca o poder político, a imprensa busca o poder econômico por meio da política.Para fazer funcionar sua estratégia de conquistar o que não obtiveram nas urnas, a oposição e a imprensa precisam que a pressão social alcance todas as regiões do país, ou pelo menos a maioria das capitais. Mas não podem permitir que o movimento saia de controle, ou seja, é preciso criar as condições para a eclosão da descarga, mas estabelecer a priori um limite para a ação.
Por quê? Simplesmente porque a massa não pode ser controlada no impulso de destruição.
Para obter um consenso mínimo, a aliança liderada pela imprensa precisa cooptar a classe média emergente nos bairros que não aderiram ao protesto – ou garantir que as maiorias permaneçam silenciosas. Não é por outra razão que os jornais tratam de avalizar algumas lideranças de movimentos que, até a véspera, só existiam no ambiente virtual das redes digitais – entre eles um menino de 19 anos que mal consegue articular duas frases com sentido completo.
O principal entre os muitos erros do governo nesse embate é considerar que a razão pode predominar no ambiente comunicacional envenenado e radicalizado pelas grandes corporações de mídia.


Onde:


Catavento e girassol # Leila Pinheiro

http://grafar.blogspot.com.br/2007/09/as-panelas-uberti_21.html

http://grafar.blogspot.com.br/2008/12/as-panelas-uberti_26.html

http://ubertidesenhos.blogspot.com.br/2014/05/cartum_2365.html


http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/imprensa_massa_e_poder

segunda-feira, 9 de março de 2015

Conta um conto, aumenta um ponto

Rango # Edgar Vasques









Onde:
http://evblogaleria.blogspot.com.br/2009/10/quadrinhos-rango.html

...e memes da internet

domingo, 8 de março de 2015

Em busca do espírito de 45

The spirit of 45 # Escrito e dirigido por Ken Loach

O documentário completo, com legendas em português está disponível neste link, no player DropVideo:

http://megafilmeshd.net/the-spirit-of-45/




Em 1945, logo após o fim da II Guerra Mundial, o Partido Trabalhista inglês venceu as eleições pela primeira vez em sua história. Foi uma vitória esmagadora e com um programa socialista que defendia as seguintes prioridades para as políticas públicas: segurança contra guerras, emprego, comida, moradia, vestuário, educação de qualidade, lazer, saúde e previdência universalizados, como condição para se construir uma sociedade livre, democrática, eficiente, justa e progressista.

Embora fosse o berço da Revolução Industrial e tivesse sido, até o início do século XX, a nação mais rica e poderosa do planeta - o "império onde o sol nunca não se punha" -, a Inglaterra convivia com índices de desigualdade acachapantes em seu próprio quintal. Desemprego, miséria, insalubridade, cortiços e favelas, doenças, fome, raquitismo eram a experiência cotidiana de parte significativa da população inglesa.

O documentário acima conta a história da superação dessas condições no pós-guerra, por meio das lutas do povo inglês e da liderança do movimento trabalhista. Graças a eles se construiu o Estado de Bem-estar Social na Inglaterra, considerado um modelo de vida civilizada e de sociedade justa. 

Conta também o desmonte gradativo dessas conquistas, a partir da década de 1970, devido às políticas neoliberais comandadas pelo Partido Conservador de Margaret Thatcher e ao auxílio luxuoso de pelegos e traidores do movimento sindical e trabalhista inglês.

Enfim, um ótimo material para se pensar os impasses e os caminhos de nosso mundo em crise, do nosso país em crise.

Mais democracia e não menos!

sábado, 7 de março de 2015

Sem medo e sem pressa

Hawking  # Produzido, dirigido e filmado por Stephen Finnigan.

O documentário completo, com legendas em português, pode ser visto aqui:

http://megafilmeshd.net/hawking/



"A vida seria trágica, se não fosse divertida."

Stephen Hawking



Onde:

Hawking # Stephen Finnigan

http://www.brainyquote.com/quotes/authors/s/stephen_hawking.html

sexta-feira, 6 de março de 2015

Não me vendo, não se venda, não se vende

Poema de Augusto de Campos



A terceira margem do rio (Milton Nascimento - Caetano Veloso) # Caetano Veloso



"Nothing written for pay is worth printing. Only what has been written against the market."

Ezra Pound


Onde:

À margem da margem # Augusto de Campos
Ed. Companhia das Letras

Circuladô (vivo)cd1# Caetano Veloso

http://blog.ricecracker.net/tag/ezra-pound/

quinta-feira, 5 de março de 2015

Somos todos Ulisses

Odisseu e as sereias # Vaso grego 480-460 AC



Ítaca (Ulisses Rocha) # Ulisses Rocha



 TODOS SOMOS ULISSES DIARIAMENTE

Flávio Cidade*


Quando Ulisses, depois de 20 anos distante, pisou nas terras de sua Ítaca, na Odisseia, de Homero, não a reconheceu.

Precisou da ajuda da poderosa Atena: aqui é a Ilha de Ítaca, anunciou-lhe a deusa. Mas o apoio de que Ulisses precisou não se limitou à informação sobre o local onde estava.
Sem Atena, o seu plano e as suas delicadas e vigorosas interferências, ele não venceria os terríveis pretendentes ao trono.

Não era suficiente ser “completo” como, de fato, Ulisses era. Inteligente, cauteloso, forte, corajoso, sábio, guerreiro, excelente orador, líder de seu povo e, além disso: pai, marido, filho, companheiro e rei de Ítaca.
Não! O mais astuto dos gregos precisava de mais: precisava saber aceitar ajuda.
Tendo aceitado, bateu os pretendentes e recuperou o seu trono, a sua esposa, a sua família, a sua história, as suas origens.

Todos os dias vivemos pequenas odisseias, as nossas travessias marcadas pelos imprevistos mais surpreendentes.
Não é privilégio dos adultos: é condição do ser humano. Viver a vida.
Quando uma criança começa o seu percurso na escola, encontra desafios semelhantes aos de Ulisses.
Assim como o herói quando retorna a Ítaca, a dificuldade inicial está no reconhecimento do local, na aceitação de que aquele é o seu espaço.

Seguem-se milhares de outros desafios. A questão principal não está em saber ou não as respostas para cada um deles. Se todos somos Ulisses diariamente, o ponto está em saber quem pode ser a deusa Atena, aquela que vai facilitar os caminhos. Há várias opções: professores, auxiliares de classe, funcionários, coordenadores, diretores.

Mas sempre o mais interessante é que a criança possa encontrar a sua Atena em outra criança.

É quando tudo faz sentido: o teu igual é capaz de te aceitar, de te compreender, de te auxiliar.

É disso que trata a escola todos os dias, com os seus Ulisses e as suas Atenas.

* Coordenador do Ensino Fundamental 1 do Colégio Ítaca (SP)



Onde:

Só # Ulisses Rocha

http://educacao.estadao.com.br/blogs/colegio-itaca/todos-somos-ulisses-diariamente/

http://traumwerk.stanford.edu/philolog/2009/10/homers_odyssey_in_art_sirens_f.html

quarta-feira, 4 de março de 2015

A alegria de con-viver

A noite estrelada # Vicent Van Gogh




Cosmos e Damião (Moraes Moreira - Luiz Galvão) # Novos Baianos


O homem; as viagens


O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.

Carlos Drummond de Andrade - As Impurezas do Branco 




Onde:

Nova Reunião 1# Carlos Drummond de Andrade
José Olympio Ed./ Instituto do Livro

Série dois momentos # Novos Baianos

https://www.google.com/culturalinstitute/u/0/asset-viewer/pla-gogh/twE3I3KiaXhCyg?hl=en&projectId=art-project