segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Tá escrito


Tá Escrito (Carlinhos Madureira / Gilson Bernini / Xande de Pilares) # Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso 

sábado, 27 de outubro de 2018

Acima de tudo a democracia: esse limite não se ultrapassa




Acima de tudo a democracia

Flávia Oliveira

A democracia é inegociável. A democracia é inegociável. A democracia é inegociável. Repito a frase como mantra do compromisso que, entrante na vida adulta, firmei ao tornar-me jornalista profissional. A ênfase guarda também a perplexidade por constatar que o Brasil dedicou a semana derradeira da corrida presidencial a escorar o regime que parecia solidamente assentado há três décadas. O segundo turno seria tempo de detalhar propostas para içar a pátria do mar de crises: do desemprego agudo à saúde precária, da Previdência insolvente à segurança pública em colapso, da educação combalida à economia emperrada. Mas, às vésperas do 28 de outubro, batuco o teclado para ratificar o velho juramento. Defenderei a democracia.
À moda Raul Seixas, confesso, abestalhada, que estou decepcionada. Mas não silencio. Queria ter, como tantos parentes, amigos, colegas, desconhecidos, o dom de naturalizar ideias brutais considerando-as esdrúxulas. Quisera cobrir-me com o manto de invisibilidade dos isentões. Mas integro o time dos democratas convictos, dos defensores dos direitos humanos como expressos na quase septuagenária declaração universal. Sendo assim, não tergiverso.
Pode ser que os anos de jornalismo econômico, 26 ao todo, tenham me emprestado excesso de desconfiança. Aprendi a duvidar de autoridades que precisam vir a público avisar que tudo está bem. Nos anos 1990, dia sim, dia também, membros do então governo se postavam a jurar em frente às câmeras que o sistema financeiro era sólido e o câmbio, fixo. Alguns dos maiores bancos do país foram varridos do mapa, e a livre flutuação do dólar, desde 1999, não me deixa mentir.
É por isso que, quando a presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Rosa Weber, convoca uma entrevista coletiva num domingo para dizer que as instituições estão funcionando, eu sinto que não. Principalmente, se o candidato vencedor do pleito no primeiro turno e seu círculo mais próximo colecionam declarações que põem em dúvida o sistema de votação e ameaçam o Judiciário. Nos últimos dias, o país foi tomado, de Norte a Sul e além-fronteiras, pelo repúdio às ameaças de Jair Bolsonaro (PSL) e filhos — um deles parlamentar reeleito, não jovem inconsequente — ao Supremo Tribunal Federal, à imprensa e a adversários políticos. Pronunciaram-se o presidente do STF, Dias Toffoli, e os ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, defensores de direitos humanos, instituições da sociedade civil, entidades de defesa da liberdade de imprensa, jornais estrangeiros. Algo vai mal quando tanta gente precisa apelar por independência dos Poderes, liberdade de expressão e convivência com o contraditório numa democracia (supostamente) forte. E vai pior quando exatamente metade da população vê risco de o Brasil ser submetido a uma nova ditadura, como revelou o Datafolha em pesquisa divulgada uma semana atrás.
Favorito nas pesquisas de intenção de voto, o presidenciável Bolsonaro suavizou o discurso nas últimas horas, talvez por ter percebido o quão longe foi sua pregação linha-dura. Mas seu glossário, não é de hoje, comporta expressões afeitas mais ao autoritarismo que ao diálogo; à intolerância, em vez da proteção às minorias (indígenas, negros, mulheres, LGBTQs); à violência, não à cultura de paz. O colunista Elio Gaspari escreveu, na última quarta-feira, no GLOBO e na “Folha de S.Paulo”: “Há casos em que o cidadão tem que traçar a linha que não atravessará”. No meu caso, a fronteira imaginária separa direitos humanos da barbárie; diversidade da supremacia; democracia do autoritarismo. Daqui não passo.
Onde:
https://oglobo.globo.com/opiniao/acima-de-tudo-democracia-23186019


quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Não adianta pedir desculpas daqui a 50 anos

Charge de Aroeira


Não adianta pedir desculpas daqui a 50 anos

Eleonora de Lucena

Ninguém poderá dizer que não sabia. É ditadura, é tortura, é eliminação física de qualquer oposição, é entrega do país, é domínio estrangeiro, é reino do grande capital, é esmagamento do povo. É censura, é fim de direitos, é licença para sair matando.

As palavras são ditas de forma crua, sem tergiversação –com brutalidade, com boçalidade, com uma agressividade do tempo das cavernas. Não há um mísero traço de civilidade. É tacape, é esgoto, é fuzil.

Para o candidato-nojo, é preciso extinguir qualquer legado do iluminismo, da Revolução Francesa, da abolição da escravatura, da Constituição de 1988.

Envolta em ódios e mentiras, a eleição encontra o país à beira do abismo. Estratégico para o poder dos Estados Unidos, o Brasil está sendo golpeado. As primeiras evidências apareceram com a descoberta do pré-sal e a espionagem escancarada dos EUA. Veio a Quarta Frota, 2013. O impeachment, o processo contra Lula e sua prisão são fases do mesmo processo demolidor das instituições nacionais.

Agora que removeram das urnas a maior liderança popular da história do país, emporcalham o processo democrático com ameaças, violências, assassinatos, lixo internético. Estratégias já usadas à larga em outros países. O objetivo é fraturar a sociedade, criar fantasmas, espalhar medo, criar caos, abrir espaço para uma ditadura subserviente aos mercados pirados, às forças antipovo, antinação, anticivilização.

O momento dramático não permite omissão, neutralidade. O muro é do candidato da ditadura, da opressão, da violência, da destruição, do nojo.

É urgente que todos os democratas estejam na trincheira contra Jair Bolsonaro. Todos. No passado, o país conseguiu fazer o comício das Diretas. Precisamos de um novo comício das Diretas.

O antipetismo não pode servir de biombo para mergulhar o país nas trevas.

Por isso, vejo com assombro intelectuais e empresários se aliarem à extrema direita, ao que há de mais abjeto. Perderam a razão? Pensam que a vida seguirá da mesma forma no dia 29 de outubro caso o pior aconteça? Esperam estar livres da onda destrutiva que tomará conta do país? Imaginam que essa vaga será contida pelas ditas instituições –que estão esfarrapadas?

Os arrivistas do mercado financeiro festejam uma futura orgia com os fundos públicos. Para eles, pouco importam o país e seu povo. Têm a ilusão de que seus lucros estarão assegurados com Bolsonaro. Eles e ele são a verdadeira escória de nossos dias.

A eles se submete a mídia brasileira, infelizmente. Aturdida pelo terremoto que os grandes cartéis norte-americanos promovem no seu mercado, embarcou numa cruzada antibrasileira e antipopular. Perdeu mercado, credibilidade, relevância. Neste momento, acovardada, alega isenção para esconder seu apoio envergonhado ao terror que se avizinha.

Este jornal escreveu história na campanha das Diretas. Depois, colocou-se claramente contra os descalabros de Collor. Agora, titubeia –para dizer o mínimo. A defesa da democracia, dos direitos humanos, da liberdade está no cerne do jornalismo.

Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.

Onde:

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/10/nao-adianta-pedir-desculpas-daqui-a-50-anos.shtml

sábado, 20 de outubro de 2018

Poder econômico, mentiras e difamações fraudam as eleições


Charge de Aroeira


As pistas do método 'Cambridge Analytica' na campanha de Bolsonaro

André Barrocal

Alta de Bolsonaro e da rejeição a Haddad coincide com “roubo” de dados do Facebook. Empresa de cibersegurança fez alerta às vésperas do primeiro turno

A campanha do presidenciável da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), é uma guerrilha virtual. O Ministério Público investiga se há um “esquema industrial” e pago de disseminação de mentiras via internet, as fake news, o que é crime eleitoral. A Folha noticiou que empresários bolsonaristas pagam até 12 milhões de reais para difamar o PT via Whatsapp, o que também é crime, pois este ano está proibido o financiamento patronal de candidatos.
Será que o bolsonarismo está por trás de um certo acontecimento de meados de setembro,  um momento em que o seu rival no duelo final de 28 de outubro, Fernando Haddad, do PT, mergulhava na campanha e despontava como favorito?

Em 25 de setembro, o Facebook anunciou ter sido hackeado. Em 12 de outubro, informou que a invasão começou provavelmente em 14 de setembro. Foram “roubados” os dados de 400 mil usuários e, a partir desse “roubo”, os hackers obtiveram informações sobre 30 milhões de pessoas.
Dentre as vítimas, 29 milhões tiveram descobertos o número de telefone e o email. De metade, os hackers conseguiram saber também: o nome da pessoa, gênero sexual, idioma, estado civil, religião, cidade natal, data de nascimento e 15 últimas pesquisas feitas na internet.
Há relação entre o hackeamento do Facebook e a guerrilha digital de Bolsonaro?
A campanha do ex-capitão repete estratégias verbais e operacionais de Donald Trump na disputa pela Casa Branca em 2016. Um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, esteve em agosto, em Nova York, com o principal estrategista de Trump na campanha, Steve Bannon.
A principal maneira de as mensagens políticas de Bannon chegarem aos eleitores e influenciá-los dependeu de “roubo” de dados do Facebook. Uma operação via Cambridge Analytica (CA), um escândalo que veio a público na imprensa mundial em março passado.
A CA foi criada em 2014 por um bilionário americano, Robert Mercer, para ajudar políticos conservadores nos EUA. Um dos colaboradores da empresa, Cristopher Wylie, foi quem deu a resposta sobre como influenciar da maneira mais potente os eleitores americanos.
Segundo Wylie, era preciso montar um perfil psicológico do eleitorado, e a melhor fonte para isso era o Facebook. Ele sabia que na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, havia pesquisas psicosociais a partir do comportamento das pessoas no Facebook.
Um dos pesquisadores, Aleksandr Kogan, topou criar um aplicativo de celular e pagar pessoas para testá-lo. O uso do app permitiu a Kogan “roubar” dados privados de cerca de 280 mil usuários do Facebook e, com base neles, montar um banco “psicológico” sobre 50 milhões de pessoas. Ele recebeu 1 milhão de reais pelo serviço, uma ninharia perto do valor político do seu “produto”.
E o Brasil com isso? A CA aterrissou aqui em 2017. Fez parceria com um publicitário baiano, André Torretta, da Ponte Estratégia, e daí nasceu a CA Ponte. Em entrevistas, Torretta dizia que teria de montar um banco de dados, pois não havia uma base brasileira criada a partir do Facebook. A equipe de Bolsonaro sondou a CA Ponte para trabalhar pelo deputado, mas Torretta foi contra.
Quando estourou o escândalo mundial da CA, em março passado, o Ministério Público brasileiro abriu um inquérito sobre a CA Ponte e chamou Torretta para depor. O MP queria saber sobre o banco de dados da empresa. A investigação corre até hoje sob sigilo.
Será que o hackeamento do Facebook em setembro foi feito para montar um banco psicosocial de dados para uso em favor de Bolsonaro? CartaCapital  questionou o Facebook sobre a nacionalidade das vítimas dos hackers, mas a empresa não quis informar. Diz apenas que colabora com o FBI, a Polícia Federal dos EUA, na investigação do caso. É  sabido, porém  que há muitos brasileiros entre  os atingidos. 
Recorde-se: o hackeamento aconteceu entre 14 e 25 de setembro. A evolução de Bolsonaro nas pesquisas mostra que ele mudou de patamar depois disso.
No Ibope, por exemplo, ele oscilou em torno de 28% entre 11 e 26 de setembro. A partir do dia 1o de outubro, mudou de patamar. Rompeu a barreira dos 30%, alcançou 31% 
Não foi só isso. Enquanto Bolsonaro subia nas pesquisas, a rejeição de Haddad fazia o mesmo. O petista havia entrada oficialmente na campanha em 11 de setembro, data em que o PT o substituiu na Justiça eleitoral como candidato no lugar de Lula.
De 11 a 26 de setembro, a rejeição a Haddad variou entre 23 e 27%. A partir de 1o de outubro, mudou de patamar: chegou a 38%  
Nesse período em que Bolsonaro mudou de patamar nas pesquisas e a rejeição a Haddad também, houve as manifestações #elenão. Foi em 29 de setembro. Elas podem ter se revertido a favor do deputado do PSL, mas talvez uma operação na web com dados do Facebook possa ter ajudado.
Haddad já disse publicamente que sua imagem foi abalada por uma campanha difamatória, movida a mentiras, da parte das equipe de Bolsonaro. Em grupos de Whatsapp e no Facebook, circularam mensagens a apontar o petista como uma espécie de depravado anticristão, daí a repulsa dos evangélicos por ele ter disparado.
Será que essa ação difamatória, lastreada naos atos #elenao, foi bem sucedida graças a um banco psicosocial de dados de brasileiros montado a partir do hackeamento do Facebook?
Em 4 de outubro, três dias antes do primeiro turno da eleição daqui, uma empresa americana de cibersegurança, a FireEye, parceira do governo dos Estados Unidos na investigação de ameaças ao Tio Sam, informou à Folha que havia hackers tentando interferir na eleição brasileira. Seria através das redes sociais e da manipulação de medos das pessoas.
Manipulação de medos foi o que a Cambridge Analytica fez na eleição de Donald Trump. Quem disse isso foi Christopher Wylie, aquele nerd que ajudou a municiar a guerrilha trumpista com a criação de um banco psicosocial de dados.
“Nós exploramos o Facebook para colher milhões de perfis de pessoas. E construímos modelos para explorar o que sabíamos sobre eles e direcionar seus demônios interiores. Essa foi a base em que toda a empresa (Cambridge Analytica) foi construída”, disse Wylie no jornal britânico The Guardian de 17 de março passado. 
A atuação da CA na eleição americana de 2016 tem sido investigada nos EUA. O ponto de partida das investigações é se teria havido interferência de um governo estrangeiro, no caso, o russo.
Hoje com uns 35 anos, Aleksandr Kogan, o pesquisador da Universidade de Cambridge que criou o app de “roubo” de dados do Facebook, nasceu na antiga União Soviética. Foi em uma região que hoje é um país independente, a Moldávia, situada na fronteira entre Ucrânia e Romênia
Kogan é descrito como alguém que já foi financiado pelo governo russo em suas pesquisas. Em julho, durante a Copa do Mundo da Rússia, a rede de tevê americana CNN noticiou que os dados do facebook “roubados” com o know-how de Kogan foram acessados de dentro da Rússia.
E no Brasil? Haverá alguma investigação das pistas sobre o uso de métodos da Cambridge Analytica pela campanha de Jair Bolsonaro?
Onde:
https://www.cartacapital.com.br/politica/as-pistas-do-metodo-201ccambridge-analytica201d-na-campanha-de-bolsonaro



quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A verdade existe e vai vencer




2+2=22, KKK é de esquerda e temas como "galera, onde tem blitz?"


Lenio Luiz Streck

Resumo: “Clarinha está lá atrás, esperando as outras malas. Sabe como é, trouxemos muitas coisas de Maiame e vamos passar separados na alfândega; assim é mais difícil de nos pegarem”. Binguíssimo!
As redes sociais revelam a ambiguidade fundamental de nossa condição. Democratizam o acesso à informação, mas também permitem a disseminação de todo tipo de boato e notícia falsa; aumentam muito a possibilidade de diálogo e troca intersubjetiva, mas também reduzem a linguagem, em sua sagrada complexidade, a emojis (repristinando os acadêmicos de Lagado d’As Viagens de Gulliver, que pretendiam trocar as palavras por objetos); facilitam a pesquisa e incitam a curiosidade, mas simplificam tanto o caminho de forma a promover a idiotização e o emburrecimento coletivo. É a nesciontologia que assume lugar dominante.
A culpa, é óbvio, não é das redes sociais em si. Felizmente, ainda — ainda — é possível compartilhar coisas úteis, interessantes, e não só fake news de candidato. Recebi, dia desses, um interessantíssimo vídeo que, depois, descobri tratar-se do curta Alternative Math — Matemática Alternativa.
Recomendo que assistam, de forma que não pretendo transcrever o vídeo todo aqui — o final é hilário e vale a pena. Em vez de perder tempo em uatiszap da família, brigando com o primo imbecil ou a tia que acha que Darwin era um charlatão, assista ao vídeo.
Mas, resumindo (mas não contarei o final), para chegar em meu ponto, é o seguinte: na escola, um menino é repreendido pela professora ao escrever que 2 + 2 = 22. Nada mais normal, certo? Um aluno ou aluna em idade escolar chega na resposta errada, o professor ou professora corrige.
Pois é. Acontece que, talvez, já não mais seja bem assim. Os pais do aluno perguntam à professora: “Ora, quem é você pra dizer que sua resposta é certa, e a dele, errada?” O caso chega na direção da escola, nos outros professores, na mídia local, enfim... Long story short, a professora é demitida e a mídia repercute a demissão de uma “professora ativista que reprime o aluno por suas visões pessoais”.
A distopia do vídeo é genial porque mostra precisamente o estado da arte do direito brasileiro. “Ora, quem é você pra dizer que sua resposta é certa, e a dele, errada?”
Nem preciso dizer que o motivo central de estarmos mergulhados nessa crise judiciária é o relativismo semelhante ao 2+2=22-e-essa-é-a-minha-opinião. Os pais dos alunos venceram aqui no Brasil.
“Ora, quem é você pra dizer que sua resposta é certa, e a dele, errada?” Não é o aluno que está errado. Errada está a professora que enche o saco. Por que 2 + 2 não pode ser 22? Por que é errado sustentar interpretar é um ato de vontade? Por que é errado sustentar que direitos humanos são só para humanos direitos? Ora, pois.
Como chegamos a isso? Como chegamos a esse sushi jurídico? Nós engendramos esse tipo de imaginário em nossa prática jurídica a partir do momento em que aceitamos a tese de que, bem, “tudo é relativo”. “Não há verdades”. “É questão de opinião”. Como no caso do menino, seus pais e a pobre da professora.
Acontece que nem tudo é relativo. Há verdades, e, mais do que isso, há critérios a partir dos quais se pode dizer qual é a verdade. Direitos humanos, direitos fundamentais, devido processo legal são conquistas civilizatórias. Se eu digo que não há verdades, como posso sustentar que é verdade que não há verdades? Se digo que todos mentem, sou um mentiroso; se digo que se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, estou dizendo aos leitores que o que digo nada significa.
Chegamos nessa estupidez institucionalizada porque permitimos que se deflagrasse, no Direito, a ideia de que respeitar o texto da lei significa uma aplicação mecânica, que proíbe a interpretação. Ora, é justamente e somente a partir da interpretação que se chega na verdade! Acreditar na possibilidade da “letra fria” [sic] da lei é coisa ainda do século XIX. Não se trata disso.
Da ideia de que estamos condenados a interpretar não se segue que vale tudo, e que o intérprete seja livre pra atribuir ao texto o sentido que quiser. Interpretar autenticamente significa respeitar a autoridade da tradição a partir da qual se pode chegar na resposta correta.
A quem interessa essa ideia de que se pode dizer qualquer coisa? É simples. Àqueles a quem cabe dizer essa coisa, seja ela qual for. Engana-se quem acha que o relativismo é uma arma da democracia, que permite a pluralidade de ideias; é justamente o contrário: é o relativismo que autoriza que, aquele que detém o poder, diga o que bem entender, o que bem quiser, e o azar é todo nosso. Porque dissemos que tudo era relativo.
Quem diz o que quer e atribui o significado que deseja a qualquer coisa é Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho. Pior: Humpties Dumpties segurando a concha de O Senhor das Moscas. Para quem não sabe, no livro de Golding, os meninos que sobrevivem a um desastre aéreo e passam a habitar uma ilha instituem — ao menos enquanto sua pequena democracia resiste — que só pode falar aquele que tiver a concha nas mãos.
Pois é. Humpty Dumpty, no Brasil, segura a concha. De forma institucionalizada. 2 + 2 = 22, e ai de quem disser o contrário. Este país é incrível. Vamos ganhar o prêmio Ignóbil. Um deputado entrou com projeto, em 2018, para permitir que as pessoas andem armadas a bordo de aviões (aqui). Poxa. Se o mundo soubesse disso, já de há muito não haveria sequestros e atos terroristas. Si vis pacem parabellum. E eu vou estocar alimentos. Ou vou abrir uma loja de armas.
Vejam em que pé estamos no 2+2=22: já há quem diga — li isso na grande mídia (e não na deep internet) — que a proteção de direitos humanos é inimiga da polícia. Incrível ou crível? E um vereador de São Paulo afirma que a KKK — Ku Klux Klan — é de esquerda (ver aqui). A comunidade negra norte-americana deve ficar feliz com esse “achado histórico” do vereador paulista, por sinal, negro como os perseguidos — e mortos — pela KKK. Como a gente aprende coisas... Bom já sabíamos que os negros foram os culpados por sua escravidão (os portugueses, disse-se, “nem pisaram na África”), agora sabemos mais um capítulo da história oficial (além do fato de já termos admoestado — e humilhado — os alemães por estes não entenderem nada de nazismo!). O vereador paulista deve ter estudado isso na Bullshit University II, no livro How to Offend the US Black Community, da Extreme Right Press. Da mesma editora, o mais recente livro How to teach the art of white supremacy to KKK? And KKK is not laughing emoji. Taí a explicação: o “grande historiador contemporâneo” — nosso preclaro vereador paulista — achou que KKK era um emoji. Bingo. Meu Deus.
E competindo para o Prêmio Ignobil, um delegado de polícia do RS afirma, de pés-juntos, que a suástica é um símbolo hindu. Vai ver que também pensou que era um emoji. E, pior: nada disso é fake news. Creiam. Ah: a terra é redonda, sim. Não é plana.
Post scriptum: Arquétipo do brasileiro médio 1: 23h59 min — “Eu prefiro ser revistado a cada esquina do que ser assaltado”. Um minuto depois: “Galera, onde tem blitz?”. Bingo. Arquétipo do brasileiro 2: Fila de espera de bagagem no aeroporto internacional. O sujeito classe média critica veemente o Brasil. “Assim não dá. Esperando faz 20 minutos as malas. Só no Brasil, mesmo. Falta lei e ordem”, e outras sandices. E o sujeito ao lado, interlocutor do “indignado”: “Onde está sua esposa, a Clarinha”?”. E o “indignado”: “Clarinha está lá atrás, esperando as outras malas. Sabe como é, trouxemos muitas coisas de Maiame e vamos passar separados na alfândega; assim é mais difícil de nos pegarem”. Binguíssimo!
E 2+2 dá..., mesmo, 22! E, na livraria, um best seller: "Como assar melhor o bacon". O prefácio é da lavra de um porco gordinho.
Onde:
https://www.conjur.com.br/2018-out-18/senso-incomum-2222-kkk-esquerda-temas-galera-onde-blitz


sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Isto não é um poema! É um desabafo!

Arnaldo Antunes

FHC, Ciro e a “neutralidade” criminosa diante de Bolsonaro

Por Kiko Nogueira

Não há nada mais abjeto que a omissão.
FHC está embarcando para a Europa por estes dias, coerente com uma biografia crescentemente desprezível.
Ciro Gomes já se encontra em Paris.
As milícias bolsonaristas fizeram mais de cinquenta ataques nos últimos dias. Escolas estão sendo pichadas com suásticas.
Alvos são mulheres, nordestinos, gays, negros, “comunistas”.
Uma professora foi chamada de “preta” e “galinha”.
Ciro, que xingou Bolsonaro de “nazista filho da puta” num comício, agora escolhe o tinto que harmoniza melhor com o peru ao molho de foie gras.
Segundo um estafeta escreveu, num texto confuso e prolixo, a culpa é do PT, que não reconheceu que o pedetista “era o único em condições de vencer, com folga, o fascista e seus seguidores”.
Brizola estaria morrendo de vergonha com a mesquinharia.
Há um abismo civilizatório entre Haddad e seu oponente.
Os pregadores do voto nulo ou da abstenção sabem disso. O resto é conversa mole.
Neutralidade é um luxo ao qual qualquer democrata não pode se dar agora.
O isencionismo nesses tempos é um crime moral.
Existe apenas uma posição política que qualquer pessoa mentalmente sã pode tomar.
Ficar no muro é se alinhar com quem matou o mestre de capoeira Moa do Katendê e com quem se coloca como “representante de uma nova lei, que autoriza violência e justiça com as próprias mãos como um princípio de governo”, na definição do psicanalista e professor da USP Christian Dunker.
“Nós devemos tomar partido. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, não o atormentado”, discursou Elie Wiesel, sobrevivente de campos de concentração (Auschwitz e Buchenwald), ao ganhar o Nobel da Paz.
“Às vezes devemos interferir. Quando vidas humanas estão ameaçadas, quando a dignidade humana está em risco, as fronteiras nacionais e as sensibilidades se tornam irrelevantes”.
Uma frente progressista pode morrer na praia por causa da pequenez de seus líderes.
Onde:

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/fhc-ciro-e-a-neutralidade-criminosa-diante-de-bolsonaro-por-kiko-nogueira/