segunda-feira, 30 de junho de 2014

domingo, 29 de junho de 2014

E a poesia de repente volta a ter razão

Poesia # Angelique Viester




Cidade oculta (Arrigo Barnabé - Eduardo Gudin - Roberto Riberti) # Eliete Negreiros




A POESIA

Vicente Huidobro 

(Fragmento de uma conferência pronunciada em Madri, em 1921)

Além da significação gramatical da linguagem existe outra, uma significação mágica, que é a única que nos interessa. Uma é a linguagem objetiva que serve para nomear as coisas do mundo sem apartá-las de sua qualidade de inventário; a outra rompe esta norma convencional, e nela as palavras perdem sua representação estrita para adquirir outra mais profunda e como que rodeada de uma aura luminosa, que deve elevar o leitor do plano habitual e envolvê-lo numa atmosfera encantada.
Em todas as coisas há uma palavra interna, uma palavra latente e que está debaixo da palavra que as designa. Esta é a palavra que o poeta deve descobrir.
A poesia é o vocábulo virgem de todo preconceito; o verbo criado e criador, a palavra recém-nascida. Ela se desenvolve na primeira aurora do mundo. Sua precisão não consiste em denominar as coisas, mas sim em não afastar-se da aurora.
Seu vocábulo é infinito porque ela não crê na certeza, e sim nas probabilidades. E seu papel é converter as probabilidades em certeza. Seu valor está marcado pela distância que vai entre o que vemos e o que imaginamos. Para ela não há passado nem futuro.
O poeta cria, fora do mundo que existe, o que deveria existir. Eu tenho o direito de querer ver uma flor que anda ou um rebanho de ovelhas atravessando o arco-íris, e quem quiser me negar esse direito ou limitar o campo de minhas visões deve ser considerado um simples inepto.
O poeta faz mudar de vida as coisas da Natureza, recolhe com sua rede tudo aquilo que se move no caos do inonimado, estende fios elétricos entre as palavras e ilumina subitamente rincões desconhecidos, e todo esse mundo estoura em fantasmas inesperados.
O valor da linguagem da poesia está na razão direta de seu afastamento da linguagem que se fala. Isto é o que o vulgo não pode compreender, porque não quer aceitar que o poeta trate de exprimir apenas o inexprimível. A outra fica para os vizinhos da cidade. O leitor comum não se dá conta de que o mundo passa ao largo do valor das palavras, que resta sempre um mais além da vista humana, um campo imenso livre das fórmulas do tráfico diário.
A Poesia é um desafio à Razão, porque é a única razão possível. A Poesia não pode nos induzir ao erro, porque a poesia é, enquanto a razão está sendo.
A Poesia está antes do princípio do homem e depois do fim do homem. Ela é a linguagem do Paraíso e a linguagem do Juízo Final, ela ordenha os úberes da eternidade, ela é intangível como o tabu do céu.
A Poesia é a linguagem do Paraíso. Por isso, apenas os que trazem a lembrança daquele tempo, apenas os que não esqueceram os vagidos do parto universal nem os sons do mundo recém-criado, são poetas. As células do poeta estão juntadas na primeira dor e guardam o ritmo do primeiro espasmo. Na garganta do poeta o universo busca sua voz, uma voz imortal.
O poeta representa o drama angustioso que se realiza entre o mundo e o cérebro humano, entre o mundo e sua representação. Quem não tiver sentido o drama que se desenrola entre a coisa e a palavra não poderá me compreender.
O poeta conhece o eco dos chamados das coisas às palavras, vê os laços sutis que se estendem as coisas entre si, ouve as vozes secretas que lançam umas às outras palavras separadas por distâncias incomensuráveis. Faz se darem as mãos vocábulos inimigos desde o princípio do mundo, agrupa-os e os obriga a andar em seu rebanho por mais rebeldes que sejam, descobre as alusões mais misteriosas do verbo e as condensa em um plano superior, entretece-as em seu discurso, onde o arbitrário passa a ter um papel encantatório. Ali tudo cobra força nova, e pode assim penetrar na carne e dar febre à alma. Ali se acha esse tremor ardente da palavra interna que abre o cérebro do leitor e lhe dá asas e o transporta a um plano superior, elevando-o de categoria. Então se apodera da alma a fascinação misteriosa e a tremenda majestade.
As palavras têm um gênio recôndito, um passado mágico que somente o poeta sabe descobrir, porque ele sempre volta à fonte.
A linguagem se converte em um cerimonial de esconjuro e se apresenta na luminosidade de sua nudez inicial, alheia a todo vestuário convencional fixado de antemão.
Toda poesia válida tende ao limite último da imaginação. E não só da imaginação mas do espírito mesmo, porque a poesia não é outra coisa senão o último horizonte, que é, por sua vez, a aresta onde os extremos se tocam, onde se confundem os chamados contrários. Ao chegar a esse limite final, o encadeamento habitual dos fenômenos rompe sua lógica e no outro lado, onde começam as terras do poeta, a cadeia se desfaz em uma lógica nova.
O poeta vos oferece a mão para conduzir-vos além do último horizonte, acima do cume da pirâmide, nesse campo que se estende além do verdadeiro e do falso, além da vida e da morte, além do espaço e do tempo, além da razão e da fantasia, além do espírito e da matéria.
Ali plantou a árvore de seus olhos e a partir dali contempla o mundo, a partir dali vos fala e vos descobre os segredos do mundo.
Há em sua garganta um incêndio inextinguível.
Há também esse balanço de mar entre duas estrelas.
E há esse Fiat Lux que leva cravado na língua.

Tradução: Antonio Risério e Paulo César Souza




Onde:

Altazor e outros poemas - Art Editora Ltda


Vanguarda da Música Popular Brasileira # Vários artistas


http://www.illustrationdaily.com/angelique-viester


http://www.illunatics.nl/nieuw.html

sábado, 28 de junho de 2014

Brasil: campeão no combate à mortalidade infantil (1990 - 2014)

Mortalidade infantil: Qual o score? # The Health Site



Estrelada (Milton Nascimento - Márcio Borges) # Milton Nascimento, Ponto de Partida e Meninos de Araçuaí



Sabia (Pablo Bertola - Júlia Medeiros) # Ponto de Partida e Meninos de Araçuaí




A Copa do Mundo está sendo um sucesso dentro e fora dos gramados, pelos ótimos jogos,  torcidas vibrantes, celebrações pacíficas e confraternização entre os povos. Bilhões de pessoas estão acompanhando os acontecimentos e despertando a curiosidade a respeito do Brasil.
Em meio a tantas notícias envolvendo o maior evento esportivo do planeta, uma delas quase passou batido, embora signifique muito para os brasileiros.
Dos 32 países participantes da Copa, o Brasil foi o que mais reduziu a mortalidade infantil na faixa de crianças até 5 anos. O estudo compara a situação de cada país entre 1990 e 2014. Todos, sem exceção, melhoraram seus índices e isso é bom. É óbvio que países desenvolvidos já começaram de patamares baixos e os reduziram ainda mais. Alguns países não tão desenvolvidos, mas menos desiguais, também. Os países pobres diminuíram, embora a mortalidade infantil continue altíssima. Em relação ao Brasil os números são alvissareiros: 77% a menos de mortes. Em 1990 eram 64 óbitos por 1000 crianças e  atualmente são 14. 
Catorze crianças mortas em cada 1000 não são motivos de orgulho e satistação pra ninguém, mas a melhora ocorrida e o empenho em reduzir a pobreza e a desigualdade são. Somos a sétima economia do mundo e podemos fazer muito mais nos quesitos distribuição de renda, direitos sociais, qualidade de vida e cidadania. Os avanços são animadores e mostram que estamos no caminho certo, apesar de resistências, preconceito e desinformação em relação às políticas públicas de inclusão social. 

A matéria do blog Tijolaço, explica tim-tim por tim-tim essa importante vitória.


E porque a mídia brasileira não destaca esta Copa? Afinal, são crianças vivas…


Fernando Brito

Saiu com quase nenhum destaque e com o texto frio de um press-release copiado no Estadão.
Mas é uma notícia ótima, destas de encher de alegria os brasileiros.
Porque se trata de centenas de milhares de vidas de crianças que foram poupadas.
Um site de saúde da Índia, o The Health Site, se entusiasmou muito mais e publicou esta imagem e um texto muito mais esclarecedor.
Já “tascou” no título: ” O Brasil já ganhou a Copa do Mundo”.
E, bem-humorado, esclarece:
Bem, nós não estamos dizendo Neymar e o destino de seus companheiros  na Copa do Mundo está decidido, estamos apenas dizendo que,  quando a mortalidade infantil está em causa, o Brasil teve o melhor desempenho entre os seus rivais, vencendo a taça que realmente importa. Desde 1990, os brasileiros reduziram a sua taxa de mortalidade infantil em 77 por cento.
O site publica a imagem que nenhum jornal aqui publicou e que a gente reproduz em parte aí em cima e está aqui, na íntegra.
É o  ranking “ Mortalidade Infantil: Qual é o placar?”, que está sendo lançado neste final de semana da reunião do Fórum Mundial de Parceiros para a Saúde Materna, Neonatal e Infantil , em Joanesburgo,  na África do Sul.
Os indianos reproduzem o que diz Paulo Vicente Bonilha de Almeida, coordenador de saúde da criança do Ministério da Saúde do Brasil.
- Há duas razões principais para a redução da mortalidade infantil no Brasil: a ampliação do acesso aos cuidados de saúde primários e Bolsa Família, o maior programa de transferência de renda do mundo”.O Programa Nacional de Imunizações aumentou as taxas de vacinação entre as crianças brasileiras e da Política Nacional de Aleitamento Materno mais do que quadruplicou a amamentação.
E o site diz mais:
“Desde 1988, a Constituição do Brasil tem garantido a sua cobertura de saúde universal dos cidadãos, para que eles possam acessar os serviços de saúde para salvar vidas, independentemente da capacidade de pagamento. Bolsa Família fornece transferências em dinheiro para famílias pobres em troca de garantir que as crianças recebam as vacinas e frequentem a escola. Hoje, para cada 1.000 nascimentos no Brasil, apenas 14 crianças morrerão antes do seu quinto aniversário – muito menos que as 62 em 1990. 
Tragicamente, nem todos os países estão fazendo, assim como o Brasil em salvar vidas de crianças. Por exemplo, embora a Nigéria tem reduzido a mortalidade infantil em 42 por cento desde 1990, ele ainda tem a maior taxa de mortes de crianças de todas as nações do futebol na Copa do Mundo de 2014. Para cada 1.000 nascimentos na Nigéria, 124 crianças morrerão antes de atingirem 5 anos de idade.”
Claro que nossa taxa ainda é muito alta e precisa chegar perto da que deve ser, quando se trata de vidas de crianças: zero.
Mas é também uma vergonha para um país que sua mídia não dê a estas vitórias, como dá às do futebol – o destaque que elas merecem, até porque alerta para o tema, que não é só médico-hospitalar, mas de educação do nosso povo para hábitos de saúde.




Onde:



Pra Nhá Terra # Ponto de Partida e Meninos de Araçuaí
Participação especial: Milton Nascimento


http://tijolaco.com.br/blog/

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Que tudo seja leve

Quebre a rotina # ???





Leve (Alice Ruiz - Iara Rennó) # Ney Matogrosso




Hoje 
sou uma das coisas
raras do planeta
capaz de dar à vida
tudo que ela tem de luz

flor
que aberta
traria da água escura
o pólen, a fruta

dia 
que tiraria
de dentro da noite
o lado oculto da lua

tão rara 
e como eu
todas as sementes
que o vento arranca de tudo
e atira no nada


Alice Ruiz, em Vice-Versos.1988Ed. Brasiliense.




Onde:

2 em 1 # Alice Ruiz 
Ed. Iluminuras


Inclassificáveis # Ney Matogrosso


http://www.pinterest.com/pin/79938962105304387/

A pura verdade

Ilustração original de Vilh. Pedersen e Lorenz Frolic




É A PURA VERDADE



Hans Christian Andersen


Que coisa horrível! - disse uma Galinha, no outro extremo da cidade, bem longe do bairro onde a história se passara. – É horrível o que houve no galinheiro! Nem arrisco a dormir sozinha esta noite. Ainda bem que somos muitas no poleiro.

E passou a contar o ocorrido, fazendo arrepiar as penas das outras galinhas, a cair a crista do galo. E era tudo verdade, só a pura verdade.
Mas vamos começar do começo, que ocorreu no extremo oposto da cidade. O Sol desceu e as galinhas subiram. Uma delas, de penas brancas, e pernas curtas, punha os ovos regularmente e, como galinha, era respeitável em todos os sentidos. Chegada ao poleiro, começou a catar-se com o bico. Caiu ao chão uma peninha.
- Lá se foi uma pena! – disse ela – Parece que, quanto mais me cato, tanto mais bonita vou ficando – acrescentou, por brincadeira, pois era ela o espírito mais alegre da galinhada, embora fosse, conforme já foi dito, criatura de todo o respeito. E logo adormeceu.
Era escuro ao redor. As galinhas estavam enfileiradas, lado a lado, e a que lhe estava mais próxima não dormia. Ela ouviu, e ao mesmo tempo não ouviu, como convém, para se viver em paz neste mundo. Mas teve, assim mesmo, de confiar à outra vizinha o que ouvira.
– Ouviste o que foi dito aqui! – cochichou. – Não vou dizer o nome de ninguém, mas há aqui uma galinha que quer arrancar as próprias penas para ficar bonita. Se eu fosse galo, a desprezaria.
Logo adiante, pouco acima das galinhas, estava pousada a Coruja, com o Corujão e as corujinhas. Naquela família, sim, todos tinham bons ouvidos. Ouviram cada palavra dita pela galinha. Viraram os olhos e Dona Coruja abanou-se com as asas.
– É feio escutar o que dizem os outros! – começou ela. – Mas, naturalmente, todos ouviram o que disse a galinha. Eu o ouvi com os meus próprios ouvidos, e deve-se escutar, antes que caiam as orelhas. Uma das galinhas esqueceu a tal ponto a decência, que está tirando todas as penas e deixa o galo ver tudo.
– Prenez garde aux enfants! – disse papai Corujão - isso não é conversa para crianças ouvirem.
Preciso contar o caso à coruja vizinha, senhora séria e respeitável.
Dona Coruja saiu voando.
– Hu-hu! Uhu-uhu-uhu! - riram as duas, juntas, pouco depois.
Achavam-se um pouco acima do pombal do vizinho, e as pombas ouviram-nas comentar o caso:
– Ouviram esta? Ouçam, que esta é muito boa! Há aí uma galinha que arrancou todas as penas por causa do galo! Vai morrer de frio, se é que já não morreu. Huuu - huuuu!
– Onde? Onde? Onde? – arrulharam as pombas.
– No galinheiro do vizinho. É como se eu mesma o tivesse visto. É coisa que quase nem se devia contar, pois é um tanto indecente. Mas é a pura verdade!
- Ora, ora, ora! - arrulharam de novo as pombas.
E passaram a história adiante:
– Há uma galinha - há quem diga que são duas – que arrancou todas as penas para não ser igual às outras e chamar a atenção do galo. É uma brincadeira arriscada, pois apanhar um resfriado é o que há de mais fácil, e morrer de febre é o que menos custa. De fato, já morreram, as duas...
– Acordem! Acordem! cantou o galo, voando para o alto do cercado.
O sono ainda lhe pesava nos olhos, mas apesar disso ele cantava:
– Morreram três galinhas, de infeliz paixão por um galo. Elas arrancaram todas as penas. É uma história muito feia, não quero guardá-la comigo. Que vá adiante!
– Deixa que vá adiante – piaram os morcegos.
– Deixa que vá! Deixa que vá! – cacarejaram as outras galinhas.
A história foi assim circulando, de galinheiro em galinheiro, e, por fim, voltou ao local de onde viera.
– São cinco galinhas – contavam. – Todas arrancaram as penas para mostrar qual delas tinha emagrecido mais de paixão pelo galo. Depois brigaram, de tirar sangue, e se mataram de bicadas. Ficaram mortas no terreiro. Foi uma ignomínia para a família delas, e um grande prejuízo para o dono do galinheiro.
Então, a galinha que perdera uma única peninha ao catar-se, não reconheceu a sua própria história, e como fosse uma galinha respeitável, disse lá com os seus botões:
– Desprezo as galinhas como essas. Mas não serão as últimas. Há muitas mais dessa marca. Não se deve silenciar sobre tais coisas. Farei o que eu puder para que essa história saia nos jornais e corra o país todo. É o que merecem essas galinhas e também a família delas.
E a história saiu nos jornais, foi impressa, e uma coisa é verdadeira: uma única peninha pode facilmente transformar-se em cinco galinhas.



Onde:

Contos de Andersen # Ed. Paz e Terra



quarta-feira, 25 de junho de 2014

Heitor Villa-Lobos e o ensino de música nas escolas

Bachianas Brasileiras No 4 (Heitor Villa-Lobos) # Orquestra Jovem das Gerais



"Uma criança que não sabe música, que não sabe cantar, não é alfabetizada. A música está entrelaçada ao conhecimento educacional. O canto está ligado ao mistério da vida humana."

Heitor Villa-Lobos no encarte do CD Floresta do Amazonas.





Bachiana V - Ária (Heitor Villa-Lobos - Ruth Valladares) # Maria Lucia Godoy, Orquestra de Violoncelos/ Regente: Alceo Bocchino




"...A proposta que foi feita por Anísio Teixeira (assessor de Getúlio Vargas) se mostrava irrecusável. Villa-Lobos, que era apaixonado pela música, via a possibilidade de colocar em evidência a educação musical no ensino básico de nosso país, com um resgate sistemático de nosso folclore. Cito aqui um texto do próprio Villa-Lobos que me parece extremamente atual: “O canto orfeônico aplicado nas escolas tem como principal finalidade colaborar com os educadores para obter a disciplina espontânea e voluntária dos alunos, despertando, ao mesmo tempo, na mocidade, um sadio interesse pelas artes em geral e pelos grandes artistas nacionais e estrangeiros.” Através deste trabalho, Villa-Lobos deu um cunho artístico ao material folclórico. Seu “Guia Prático” salva do esquecimento uma série de melodias e textos populares. Eu perguntaria: se não fosse o trabalho de Villa-Lobos certas canções de roda ou melodias infantis ainda seriam conhecidas? Com certeza não. Mas Villa-Lobos foi muito além do seu trabalho de compilador. E esta compilação começou muitos anos antes do Estado Novo. Seus ciclos Prole do Bebê e Cirandas, dos anos 10 e 20, atestam isso. A diferença foi a sistematização, tanto nas obras pianísticas quanto nas obras corais. O magnetismo de Villa-Lobos nas enormes aglomerações corais, com mais de 40.000 vozes, realizadas em estádios de futebol, estão entre os pontos mais fascinantes da vida do músico. Leiam a descrição emocionada do poeta Carlos Drummond de Andrade:“A multidão em torno vivia uma emoção brasileira e cósmica, estávamos tão unidos uns aos outros, tão participantes e ao mesmo tempo tão individualizados e ricos de nós mesmos, na plenitude de nossa capacidade sensorial, era tão belo e esmagador, que para muitos não havia outro jeito senão chorar; chorar de pura alegria. Através da cortina de lágrimas, desenhava-se a figura nevoenta do maestro, que captara a essência musical de nosso povo, índios, negros, trabalhadores do eito, caboclos, seresteiros do arrabalde; que lhe juntara ecos e rumores de rios, encostas, grutas, lavouras, jogos infantis, assobios e risadas de capetas folclóricos.” O maestro fazia uma salutar mistura de “clássico” e “popular”, convidando para estas manifestações artistas como Augusto Calheiros, Francisco Alves, Silvio Caldas e Paulo Tapajós.

Num momento em que a educação musical nas escolas públicas deixou de existir, e num momento em que a disciplina da juventude chega ao ponto de tornar a profissão de professor como uma atividade de risco, me parece completamente injusto condenar Villa-Lobos por ter trabalhado sob um regime ditatorial. Ele o fez por amor à música, enriquecendo o nosso patrimônio artístico. Esses departamentos de música, que criam montanhas de textos e gráficos e pouca música, não tem o direito de falar mal de uma atividade que continua repercutindo de forma única entre nós. Foi uma atividade que colocou a música como algo primordial em nosso país. Se o regime que tornou isso possível é contestável, a ação de Villa-Lobos não o é."


Maestro Osvaldo Colarusso (Trecho)





O Índio de Casaca # Documentário de Roberto Feith e narração de Paulo José




Onde:


Floresta do Amazonas (H. Villa-Lobos)# Maria Lúcia Godoy
Orquestra Sinfônica do RJ - Regente: Henrique Morelenbaum
Coro Masculino do RJ



Maria Lúcia Godoy interpreta Villa-Lobos


http://www.orquestrajovemdecontagem.org/

http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/villa-lobos-e-os-arroubos-errados-do-meio-academico/

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A sombria conjunção do superficial com o pesado

Grrrrrrrrrrr!! # Roy Lichtenstein





Sócrates Brasileiro (Zé Miguel Wisnik) # Zé Miguel Wisnik




SUPERFICIAL E PESADO

por José Miguel Wisnik


Não gostei de me ler no GLOBO falando sobre a vaia verbal a Dilma na abertura da Copa. Quando recebi o telefonema da repórter, imaginei que se tratava do formato enquete, em que se colhe uma frase de cada uma entre muitas pessoas, e não uma entrevista com destaque e fotografia, sugerindo a intenção de um pensamento completo. Prezo muito o esforço para se chegar à formulação de um pensamento minimamente sustentável. É o que tentarei fazer aqui.

Vaias e aplausos são ruídos com sinais opostos. Não têm palavras, mas têm direção e sentidos. Ruídos são ondas sonoras desorganizadas, caóticas, com poder destruidor e mortífero. Mas na forma de aplausos, produzidos pela cascata do bater das mãos, resultam numa soma de frequências graves, médias e agudas que se parecem com o chamado “ruído branco” do mar, lavando o aplaudido num banho consagrador. Já os apupos são viscerais, guturais, contínuos, monocórdicos, como se tentassem soterrar a vítima num monte de excremento sonoro.

Discursos em estádios de futebol são candidatos praticamente eleitos a tomar vaias. O jogo de futebol, que não se faz com palavras, ocupa um espaço imaginário que está no avesso dos cerimoniais e das solenidades. Estas afirmam as hierarquias, os papéis e os valores que sustentam a ordem estabelecida. A massa no estádio de futebol, que tem muito de um carnaval acirrado pela disputa, quer se ver livre disso. É o que diz a frase de Nelson Rodrigues, “estádio de futebol vaia até minuto de silêncio”. A massa vaia o presidente, a presidenta, o juiz, o morto, o que estiver atrapalhando a promessa de gozo. E os brasileiros, diferentemente dos argentinos, vaiam a sua seleção, se esta estiver atrapalhando a promessa de gozo.

A famigerada vaia a Dilma, na abertura da Copa, tem alguma coisa desse destampatório infantil. Mas é menos, ou nada, inocente. Mais que vaia, era um mote verbal ofensivo, dirigido, pontual. Sem nada de original, adaptava uma frase ritmada recorrente em estádios, especialmente em São Paulo, onde a massa é menos imaginativa: “ei, juiz, vai tomar no cu”. Sempre achei esse mote, mesmo no contexto futebolístico, um atestado de primarismo, com sua métrica estropiada e sua rima caolha. Com o nome “Dilma” mal ajambrado ritmicamente no lugar de “juiz”, resulta em definitivo no que há de mais tosco em matéria de “dinamogenia política”, como chamava Mário de Andrade essas manifestações de massa, cuja riqueza ele analisou num comício em São Paulo em 1930.

Frases ritmadas, cantadas em coro pelas multidões, em aglomerações esportivas ou políticas, são sintomáticas do que está acontecendo ali, tanto nos conteúdos quanto nas formas, que são, aliás, inseparáveis. Há uma rica variedade de cantos de torcidas, por exemplo, no futebol do Rio de Janeiro. Freud fala em chistes, cuja elaboração verbal, brotada do inconsciente, com suas rimas, ritmos e duplos sentidos, gratifica o prazer da língua, ao atingir seus alvos de maneira tendenciosa. Cita chistes agressivos, que substituem com palavras o ataque físico, e chistes obscenos, que desnudam e humilham alguém perante outros. Mas, num caso ou no outro, justificados pela engenhosidade do trocadilho, pelas aliterações, pela imaginação que faz rir, por um senso certeiro da carnavalização. O ataque verbal a Dilma no Itaquerão era, além de tudo, um chiste destituído de qualquer chispa de inteligência, um exemplo quimicamente puro da liga do agressivo com o obsceno, inconscientemente orgulhoso de ser burro, no grau zero da dignidade civil.

Já que os estádios não são mais caldeirões sociais, mas arenas para o consumo abonado (e por isso mesmo foram todas construídas ou reconstruídas para a Copa), faço coro à vaia aos VIPs, como escreveu Augusto de Campos, ao protestar contra o uso banalizador, distorcido e ambíguo do seu poema “VIVA VAIA” pela “Folha de S.Paulo”. E também, em desagravo, ao seu VIVA DILMA. A vaia tem um recorte de classe.

Ao mesmo tempo, reverbera aquelas vibrações rancorosas e obscuras que perpassam a sociedade brasileira. As culturas combinam seus aspectos superficiais com seus aspectos profundos, seus pesos com suas levezas. No Brasil, reina uma conhecida alergia àquilo que é profundo e pesado, e uma considerável congratulação com o que é leve e superficial. No entanto, muito das suas mais geniais criações, na literatura, na canção e no futebol, participam de uma etérea e singular leveza profunda. Muito da alegria da Copa do Mundo, agraciada pela dimensão latino-americana que ela assumiu em território brasileiro, é expressão disso. A vaia verbal a Dilma, por sua vez, representa o que pode haver de pior nisso tudo, numa direção ou noutra: a sombria conjunção do superficial com o pesado.




Onde:


Indivisível # Zé Miguel Wisnik


http://www.guggenheim.org/new-york/collections/collection-online/artwork/2494

http://jornalggn.com.br/noticia/superficial-e-pesado-por-jose-miguel-wisnik

http://oglobo.globo.com/cultura/superficial-pesado-12948191


sábado, 21 de junho de 2014

Macunaíma e o futebol

Mario de Andrade # Lasar Segall




Quando míngua a luna (Iara Rennó - Mario de Andrade) # Iara Rennó e grupo


"Maanape gostava muito de café e Jiguê muito de dormir. Macunaíma queria erguer um papiri prós três morarem porém jamais que papiri se acabava. Os puchirões goravam sempre porque Jiguê passava o dia dormindo e Maanape bebendo café. O herói teve raiva. Pegou numa colher, virou-a num bichinho e falou: - Agora você fica sovertida no pó de café. Quando mano Maanape vier beber, morda a língua dele! Então pegando num cabeceiro de algodão, virou-o numa tatorana branca e falou:  -Agora você fica sovertida na maqueira. Quando mano Jiguê vier dormir, chupe o sangue dele! Maanape já vinha entrando na pensão pra beber café outra vez. O bichinho picou a língua dele. Ai! Maanape fez. Macunaíma bem sonso falou: - Está doendo, mano? Quando bichinho me pica não dói não.
Maanape teve raiva. Atirou o bichinho muito pra longe falando: - Sai, praga! Então Jiguê entrou na pensão pra tirar um corte. O marandová branquinho tanto chupou o sangue dele que até virou rosado.
- Ai! que Jiguê gritou. E Macunaíma: - Está doendo, mano? Ora veja só! Quando tatorana me chupa até gosto.
Jiguê teve raiva e atirou a tatorana longe falando: - Sai, praga! E então os três manos foram continuar a construção do papiri. Maanape e Jiguê ficaram dum lado e Macunaíma do outro pegava os tijolos que os manos atiravam. Maanape e Jiguê estavam tiriricas e desejando se vingar do mano. O herói não maliciava nada. Vai, Jiguê pegou num tijolo, porém pra não machucar muito virou-o numa bola de couro duríssima. Passou a bola pra Maanape qüe estava mais na frente e Maanape com um pontapé mandou ela bater em Macunaíma. Esborrachou todo o nariz do herói.
- Ui! que o herói fez.
Os manos bem sonsos gritaram: - Uai! está doendo, mano! Pois quando bola bate na gente nem não dói! Macunaíma teve raiva e atirando a bola com o pé bem pra longe falou: - Sai, peste! Veio onde estavam os manos: - Não faço mais papiri, pronto! E virou tijolos pedras telhas ferragens numa nuvem de içás que tomou São Paulo por três dias.
O bichinho caiu em Campinas. A tatorana caiu por aí. A bola caiu no campo. E foi assim que Maanape inventou o bicho-do-café, Jiguê a largarta-rosada e Macunaíma o futebol, três pragas."

Mario de Andrade, em Macunaíma (Excerto).



Poster polonês para o filme Macunaíma #
Joanna Gorska e Jerzy Skakun 




Onde:

Macunaíma - Ópera Tupi # Iara Rennó


http://www.museusegall.org.br/

http://www.cecac.org.br/coluna/segall_realista_2009.htm

http://mario-de-andrade.blogspot.com.br/

http://www.pigasus-gallery.de/gorska-skakun-poster.php

Na floresta encantada da linguagem

Floresta # Ryuichi Yashiro





Canto I - Inferno (Dante Alighieri - Tradução: Augusto de Campos) # Arrigo Barnabé






"Mas a caça dialética é uma caça mágica. Na floresta encantada da Linguagem, os poetas entram expressamente para se perder, se embriagar de extravio, buscando as encruzilhadas de significação, os ecos imprevistos, os encontros estranhos; não temem os desvios, nem as surpresas, nem as trevas - mas o visitante que se afana em perseguir  a 'verdade', em seguir uma via única e contínua, onde cada elemento é o único que deve tomar para não perder a pista nem anular a distância percorrida, está exposto a não capturar, afinal, senão sua própria sombra. Gigantesca, às vezes; mas sempre sombra."

Paul Valéry, Discurso sobre a Estética (1937).





Onde:


Textos e Tribos # Antonio Risério
Ed. Imago


http://theredlist.com/wiki-2-343-917-997-view-poster-art-profile-yamashiro-ryuichi.html#photo

Sonhadores

Macanudo # Liniers




Esse sonho vai dar (Roberto Mendes - Jorge Portugal) # Maria Bethânia





Sim, sou um sonhador. Sonhador é quem consegue encontrar o próprio caminho ao luar e, como punição, vê o alvorecer antes do resto do mundo.

Oscar Wilde, em O Crítico como Artista.




Onde:

O melhor de Oscar Wilde # Karl Beckson (org.)
Ed. Garamond


A beira e o mar # Maria Bethânia


http://www.macanudo.com.ar/


Lex Drewinski

Globalização # Lex Drewinski





Se a poesia é o design da linguagem, como afirmou Décio Pignatari, o design é linguagem em estado de poema - visual, semiótico, crítico, inventivo, bem-humorado -, como demonstram os posters de um supercraque da área, o artista gráfico polonês Lex Drewinski.    




Crise financeira internacional


OCUPPY - E depois?


China





Crime sexual


1492 -1992


Não à caça das baleias



F   O   M   E


2D 3D - As dimensões da guerra



Bandeira da China


'


Lexicon   F  de Fashion


Lexicon  P de Política



Homo Sapiens


Paz




Onde:

http://www.lexdrewinski.com/home.html


https://pl-pl.facebook.com/LexDrewinski


http://sztukaprowincjonalna.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html

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