Ulisses e as sereias # Pablo Picasso
Finismundo, a última viagem # Haroldo de Campos
FINISMUNDO, A ÚLTIMA VIAGEM
Haroldo de Campos
…per voler veder trapassò il segno
I.
Último
Odisseu multi-
ardiloso - no extremo
Avernotenso limite —re-
propõe a viagem.
Onde de Hércules
as vigilantes colunas à onda
escarmentam: vedando mais um
passo — onde passar avante quer
dizer trans-
gredir a medida as si-
gilosas siglas do Não.
Onde
a desmesura húbris-propensa ad-
verte: não
ao nauta — Odisseu(
branca erigindo a capitânea
cabeça ao alvo endereçada ) pre-
medita: trans-
passar o passo: o impasse-
-a-ser: enigma
resolto (se afinal ) em
finas carenas
de ensafirado desdém — ousar.
Ousar o mais:
O além-retorno o após:im-
previsto filame na teia de Penélope.
Ousar
desmemoriado de Ítaca — o
além-memória — o
revés: Ítaca ao avesso:
a não-pacificada
vigília do guerreiro — no lugar
da ventura o aventuroso
deslugar il folle volo
Tentar o não tentado —
expatriado esconjuro aos deuses-lares.
Re-
incidir na partida. Ousar ——
húbris-propulso —— o mar
atrás do mar. O ínvio-obscuro
caos pelaginoso
até onde se onde esconde a proibida
geografia do Éden —— Paradiso
terreno: o umbráculo interdito:
a lucarna: por ali
istmo extremo ínsula
se tem acesso ao céu
terrestre: ao transfinito.
Odisseu senescendo
rechaça a pervasiva —— capitoso
regaço de Penélope ——
consolação da paz. Quilha nas ondas
sulca mais uma vez (qual nunca antes
o irado
espelho de Poséidon: o cor-de-vinho
coração do maroceano.
Destino: o desatino
o não-mapeado
Finismundo: ali
onde começa a infranqueada
fronteira do extracéu.
Assim:
partir o lacre ao proibido: des-
virginar o véu. Lance
dos lances. Irremissa
missão voraginosa
Ele foi ——
Odisseu.
Não conta a lenda antiga
do Polúmetis o fado demasiado.
Ou se conta
desvaira variando: infinda o fim.
Odisseu foi. Perdeu os companheiros.
À beira-vista
da ínsula ansiada —— vendo já
o alcançável Éden ao quase
toque da mão: os deuses conspiraram.
O céu suscita os escarcéus do arcano.
A nave repelida
abisma-se soprada de destino.
Odisseu não aporta.
Efêmeros sinais no torvelinho
acusam-lhe o naufrágio ——
instam mas declinam
sossobrados no instante.
Água só. Rasuras.
E o fado esfaimando. Última
thánatos eks halós
morte que provém do mar salino
húbris.
Odisseu senescente
da glória recusou a pompa fúnebre.
Só um sulco
cicatriza no peito de Poséidon.
Clausurou-se o ponto. O redondo
oceano ressona taciturno.
Serena agora o canto convulsivo
O doceamargo pranto das sereias
( ultrassom incaptado ao ouvido humano ).
…ma l’un di voi dica
dove per lui perduto a morir gisse
2.
Urbano Ulisses
Sobrevivido ao mito
( eu e Você meu hipo-
côndrico crítico
leitor ) —— civil
factotum ( polúmetis? )
do acaso computadorizado. Teu
epitáfio? Margem de erro: traço
mínimo digitado
e à pressa cancelado
no líquido cristal verdefluente.
Périplo?
Não há. Vigiam-te os semáforos.
Teu fogo prometéico se resume
à cabeça de um fósforo Lúcifer
portátil e/ou
ninharia flamífera.
Capitula
( cabeça fria )
tua húbris. Nem sinal
de sereias.
Penúltima —— é o máximo a que aspira
tua penúria de última
Tule. Um postal do Éden
com isso te contentas.
Açuladas sirenes
cortam teu coração cotidiano.
Facecage # Mir Amir Khataei Khosrowshahi
Onde:
Crisantempo - no espaço curvo nasce um # Haroldo de Campos
Ed. Perspectiva
http://positive-posters.com/posters/profiles/?pid=4956
http://www.wikiart.org/en/pablo-picasso/ulysses-and-sirens-1946
http://positive-posters.com/posters/profiles/?pid=4956
http://www.wikiart.org/en/pablo-picasso/ulysses-and-sirens-1946
Nenhum comentário:
Postar um comentário