segunda-feira, 14 de março de 2016

Se os cartazes fossem sinceros...



A história não chegou ao fim

Joaquim de Carvalho

Vejo as imagens das manifestações de ontem, com uma massa de insofismável maioria branca e bem vestida.

As imagens abertas do Fantástico mostram isso, mas, quando a câmera fecha para as entrevistas, surgem vozes de negro ou negra, pinçados da marcha.

É manipulação.

Quase consigo ouvir a ordem de um chefe orientando o repórter para o povo-fala: quero gente com cara de povo.

E o repórter no meio da multidão, com o microfone, caçando um que não pareça o torcedor que lotou os estádios na última Copa do Mundo, com ingressos que custavam muito caro.

É o povo que fala, mas quem escolhe o povo que vai falar é a política editorial da redação.

Às vezes, nem é preciso orientar o repórter.

Está implícito.

Mas vamos lá.

Vejo as imagens e o que me vem à mente é uma sequência maior de fatos, muitos deles distantes no tempo, mas unidos por algo que talvez se pudesse definir como o “espírito da multidão”, para pegar emprestada uma expressão de Hegel – favor não confundir com Engels.

Vejo Dom Pedro I abdicando do trono depois de um protesto no campo de Santana, Rio de Janeiro, e ele se sentindo traído porque entendia que pagou com sacrifício pessoal pela independência do Brasil.

Vejo Dom Pedro II embarcando no navio à força, rumo ao exílio, por forças que alegavam muitas coisas, mas no fundo estavam inconformadas com o fim da escravidão.

Getúlio Vargas, depois do tiro, inerte, abatido por furiosos que diziam muitas coisas, mas no fundo não se conformavam com um Brasil que não fosse exclusivamente deles.

João Goulart, no avião rumo ao exílio, enxotado por mencionar as reformas de base.

Gosto de relatar fatos, e deles que se extraiam as opiniões.

A minha é irrelevante, daí minha vocação de repórter.

Não fui à Paulista, mas tenho amigos (ou conhecidos) que foram, alguns coxinhas, outros, muito poucos, progressistas, que estavam lá por curiosidade ou dever de ofício – são repórteres.

Os coxinhas gostaram, como fizeram questão de contar em grupos de whatsapp, dos quais faço parte.

Sim, vivo entre coxinhas, um fato da vida, assim como o trânsito infernal de São Paulo e o mosquito da dengue.

Será que são intrinsicamente maus?

Não, imagino.

São ignorantes, mas orgulhosos dessa ignorância, que lhe garante o estilo de vida.

Os coxinhas ficam na Paulista, os progressistas que já tinham cumprido a jornada de trabalho vão embora.

Um deles me conta, no whatsapp: “o clima está ruim.”

Só entendi o que ele quis dizer quando li a reportagem de outro que estava lá por dever de ofício, o Pedro Zambarda.

A foto diz tudo: o maltrapilho no chão, depois que permitiu que o usassem como cavalete para a expressão: era empresário e virei mendigo.

Mentira.

Mas o que importa?

Se a Globo caça gente com cara de povo no meio da multidão, para iludir o público, por que os manifestantes não podem fazer o mesmo com um coitado?

Ou coitados somos todos nós, quando damos permissão à Globo para fazer o que faz?

Mas vamos em frente.

Na véspera da última eleição, fui a Minas Gerais, num fim de semana, para apurar a história do aeroporto na fazenda do tio de Aécio Neves, e a pavimentação e o desvio que beneficiaram descaradamente a fazenda de Roberto Irineu Marinho. Obra também do governo de Aécio Neves.

Na estrada e nas cidades, os aecistas eram ostensivos, muito barulhentos, em suas SUVs com bandeiras azuis.

Parecia mentira que o candidato de Aécio ao governo do Estado de Minas Gerais havia sido derrotado alguns dias antes, ainda no primeiro turno.

Parecia impossível que o próprio Aécio viesse a ser derrotado, inclusive em Minas Gerais, alguns dias depois.

Estava em Botelhos, na região de Poços de Caldas, e conversei com alguns homens simples que estavam sentados na praça. Era domingo.

Um deles tinha trabalhado na fazenda de Roberto Irineu Marinho, na colheita de café, como boia fria.

Eu tinha visto na casa do administrador da fazenda de Roberto Irineu Marinho uma camionete cabine dupla, carro esportivo e uma moto, todas adesivadas com o 45 de Aécio e perguntei ao boia fria, aparência de uns 60 anos de idade, se ele também ia de 45.

Magro, com as pernas cruzadas, boné na cabeça, barba por fazer, o homem de queixo alongado respondeu com uma parábola:

— Olha, antes do Lula, a gente só comia arroz e de vez em quando um franguinho. Depois, a gente começou a comer um pouco de carne e beber um guaraná. Eu acho que, se esse moço ganhar, vão tirar o guaraná da nossa mesa.

No domingo seguinte, deu Dilma, não por ela, mas pelo guaraná.

Mas quem visse a campanha do Aécio acharia que a derrota dele seria impossível.

Eles são barulhentos, mas nós (me incluo nisso?) somos mais.

Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-historia-nao-chegou-ao-fim-por-joaquim-de-carvalho/

http://www.conversaafiada.com.br/brasil/sao-paulo-a-geografia-do-golpe

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