terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Tudo junto e misturado

Eles


Vamos fingir que é normal a carona até Portugal do réu Temer para seu julgador Gilmar

Eugênio Aragão

Vamos todos fingir que é normal o presidente do Tribunal Superior Eleitoral pegar carona com um sedizente presidente da república (com letras minúsculas mesmo) para ir a Lisboa, supostamente para participar das cerimônias funerais do maior democrata português da contemporaneidade. É normalíssimo, porque o tal presidente do tribunal é quem vai pautar um processo que pode significar o fim do que se usou chamar, na mídia comercial, de “mandato” do sedizente presidente da república. O tal presidente de tribunal é inimigo notório da companheira de chapa do sedizente presidente que urdiu um golpe para derrubá-la. Mas, claro, tem toda isenção do mundo para julgar ambos.“Nada haverá de suspeito”, como diria o insuspeito jornalista Ricardo Noblat. Quem ousaria dizer o contrário?
A carona (ou boleia, como diriam nossos irmãos lusos) veio a calhar. É, antes de mais nada, uma bela viagem 0800, com todos custos cobertos por mim, por você, por nós, obsequiosos bobões. A ideia é só aproximar réu e julgador e – por que não? – usufruir um pouquinho do que a capital portuguesa tem de melhor a oferecer: as tabernas, o fado, as ginjinhas, as pataniscas de bacalhau ou os famosos pastéis de Belém. Nestes tempos bicudos, nada melhor que uma “escapadela” para enfrentá-los com maior disposição. Ninguém é de ferro. As exéquias do democrata lusitano certamente são a menor das preocupações do réu e de seu julgador, pois vê-los prestar suas últimas homenagens ao gigante da política portuguesa parece tão obsceno quanto fosse ver Lula prestá-las a Augusto Pinochet.
Vamos todos fingir que neste país chamado Brasil há um patriótico chefe do ministério público, que faz muito bem em ir a Davos. Lá vai cantar uma ode ao combate à corrupção que se usou chamar de sistêmica ou organizada pelas bandas de cá. Ou, quiçá, até de uma forma de governança. Isso também é normalíssimo, porque em Davos se reúnem bancos e fundos de envergadura global para traçar estratégias sobre novos investimentos e analisar a conjuntura política e econômica no planeta. Claro, faz sentido. Com as proezas ditas de si e de seu poderoso órgão acusador, vai atrair enorme interesse por investimentos nobres em seu país. Finjamos que grandes empresas adoram investir em economias tingidas de corrupção sistêmica, certificada pelo chefe da acusação.
O poderoso órgão de acusação, regiamente sustentado com nossos impostos, como é sabido também, sacrificou no altar da moral purgatória mais de um milhão de empregos e pôs fim a um projeto de desenvolvimento nacional e de uma sociedade inclusiva. Mas, claro, tudo com a melhor das intenções. Fez um nobre serviço à democracia do tal Brasil, permitindo ao réu a caminho de Lisboa instalar-se no poder sob as bênçãos de seu julgador caroneiro, para liquidar, num verdadeiro off-sale, os ativos econômicos do país, as jóias da família. Disso empresários em busca de lucros gostam. Mas esse deve ser o menor problema do chefe do ministério público, pois vê-lo em Davos parece tão obsceno quanto ver George Soros num Encontro Nacional dos Procuradores da República em Comandatuba.
Vamos todos fingir que temos um preocupado ministro da justiça que declara publicamente apoio ao governo do Amazonas para debelar, em seu sistema penitenciário, a guerra assassina entre facções de traficantes. Normalíssimo, oras. O azarado ministro, de boa-fé, não se lembrou ter negado o pedido desesperado de uma governadora, de uso da Força Nacional que, talvez, pudesse ter salvo a vida de trinta e poucos brasileiros em Roraima, massacrados na vindita de uma facção contra outra, que dizimara quase sessenta concidadãos em Manaus.
É aceitável, afinal, que o governador do Amazonas, destinatário do apoio do tal ministro da justiça, tenha sido financiado em sua campanha eleitoral pela empresa copiosamente remunerada para administrar a penitenciária onde trucidaram os quase sessenta brasileiros. Faz todo sentido, por isso, que pontifique: “nenhum dos mortos era santo!”, como se aplaudisse os padrões da administração penitenciária contratada de seu doador. E faz todo sentido que o tal governador se julgue Deus, para condenar os trucidados ao fogo eterno. Não é que ele mesmo poderia estar lá, se fossem levar a sério, no tribunal do julgador caroneiro, o imperativo de cassação de seu mandato por compra de votos? Deixá-lo falar de falta de santidade é tão obsceno quanto imaginar o cramunhão ser canonizado.
A literatura popular alemã contém antiquíssimo anedotário de autoria controvertida sobre uma cidadezinha chamada Schilda. Seus habitantes, os ingênuos Schildbürger, são os protótipos de néscios que fazem, com naturalidade, tudo de forma a nada dar certo. Inventaram um papel higiênico que se pode usar nos dois lados: a prova de sua eficiência está na mão… O Brasil de nossos fingimentos virou uma enorme Schilda. Fazemos os maiores absurdos, mas não perdemos a esperança ingênua de acertar. E não entendemos quem ouse não concordar.
Um julgador pegar carona com um réu a ser por ele julgado; um chefe do ministério público ir a Davos para ajudar a atrair investimentos numa economia que chama de podre, ou um ministro da justiça se esquecer de que negara meios a uma governadora para evitar um massacre, mas que agora, diz, vai dá-lo a um outro governador que faltou bater palmas para o banho de sangue no xilindró sob sua responsabilidade: tudo isso não é muito diferente do uso de papel higiênico nos dois lados. Mas quem fica com as mãos borradas somos nós que fingimos estar tudo bem.
Bem vindos à Schilda brasileira!

Onde:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/vamos-fingir-que-e-normal-a-carona-ate-portugal-do-reu-temer-para-seu-julgador-gilmar-por-eugenio-aragao/

sábado, 7 de janeiro de 2017

Entre a civilização e a barbárie





A degola da democracia é a degola dos valores da civilização

Fernando Brito


Nas ditaduras, a autoridade se impõe pela força; na democracia, pela legitimidade.
O que estamos assistindo, no Brasil, é o resultado de uma situação mista em que o país recaiu.
Temos um governo sem legitimidade e sem força, que tem uma única finalidade para a classe dominante brasileira: aniquilar o que restou de garantias sociais e de soberania econômica ao Brasil.
Nada, rigorosamente nada mais lhes interessa e, apesar disso, se vêem constrangidos com a mediocridade desta camada podre de que precisam, no ministério e no parlamento, para fazer isso, mas sabem que precisam de gente assim, completamente desprovida de dignidade, de aspirações que não sejam dinheiro e pequenos poderes, de projetos para o Brasil e para seu povo.
Michel Temer e esta camada lodosa foram sustentáculos de governos, agora são o governo, ou parte dele, porque a economia é governada diretamente pela camada plutocrata e colonial.
E para serem governo, são insuficientes.
Vivem tão assombrados por sua própria vilania que, a cada crise, se atrapalham e metem as mão sujas pelos pés imundos.
Dão pequenos golpes de suposta esperteza, que vão desde o silêncio omisso e até a loquacidade mentirosa, como ficou evidente neste caso dos presídios, onde foram desde o “acidente pavoroso” até a mentira deslavada de dizer que o governo de Roraima não havia pedido ajuda, quando o fizera, formalmente, e a teve negada.
Preocupa, também, à elite dominante o monstro fascista que cevaram e levaram à luz para derrubar o governo eleito. A declaração de um boçal como o ex-secretário da Juventude (!!!) de que deveria haver uma chacina por semana – e o amplo apoio que isso recebe – fere (embora cada vez menos) a sua sensibilidade, da mesma forma que o “trumpismo” provoca engulhos em Nova York.
É o que pensam, mas sabem que não devem dizer em público.
Mas têm de conviver com isso.
Colocaram em marcha um retrocesso civilizatório que para ser neoliberal na economia e destruir  os valores sociais, tende a ser neonazista no comportamento e destruir os valores da humanidade.
Não há progresso social sem a dignificação do ser humano.
Caminham juntos, seja para a frente, seja para trás.

Onde:
http://www.tijolaco.com.br/blog/falta-de-autoridade-deste-governo-e-sua-falta-de-legitimidade/

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O direito de Chico e o direito de Francisco

...e que Chico Buarque nos resgate, e xeque-mate!


O direito de Chico deve ser o mesmo direito de Francisco


Eugênio Aragão


A vida tem dessas coisas. O pastor Silas Malafaia que tanto estrebuchava contra nós, os "esquerdopatas", contra nós, os inimigos da decência por criticarmos os abusos do complexo policial-judicial, foi conduzido coercitivamente sem antes ter sido regularmente intimado, em apenas mais uma das aberrações processuais em franco confronto com a norma posta. Vemo-nos, agora, na contingência de defender Silas Malafaia. Quem diria!

O clamor das ruas desconhece essas particularidades do direito penal. Infelizmente, sob sua perspectiva, ele é sempre bom para os inimigos e profundamente injusto para os amigos. Pois, para quem defende o estado democrático de direito, não pode haver dois pesos e duas medidas: um abuso contra Silas Malafaia vale tanto quanto um abuso contra Lula. Ambos, independentemente de suas orientações políticas, têm o mesmo direito à dignidade, de não serem expostos como troféus pela meganhagem persecutória e de expressarem com veemência seu protesto. Sem mais nem menos.

É vergonhoso que no Brasil de 2016, depois do aprendizado democrático intenso dos últimos treze anos, ainda tenhamos que ver pessoas embrutecidas baterem palmas para o arbítrio, seja de que lado for. Talvez, quem saiba, a lição do próprio padecimento traga alguma luz ao eloquente pastor e o faça ver que o direito de Chico deve ser o mesmo direito de Francisco.


Onde:

http://www.conversaafiada.com.br/brasil/aragao-e-os-direitos-do-malafaia

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Resistir, resistir e ainda resistir




RESISTIR, RESISTIR E AINDA RESISTIR


Bárbara Natália Lages Lobo


Em 2016, retrocederemos, pelo menos, 20 anos.
Voltamos à época do acirramento das desigualdades sociais, em vez de sua eliminação, de vermos a parcela mais torpe da nossa sociedade comer todas as fatias do bolo que crescia. Voltamos às desigualdades raciais. Retrocedemos em liberdades sexuais pela consolidação da cultura do estupro.
33 homens contra uma menina. 53 senadores contra a Constituição.
Assistimos à horda de homens brancos, velhos e ricos que ditam as regras contra a população impotente, iludida e conivente.
Sim. A população brasileira está dividida: impotência, ilusão e conivência. Encontre-se em um desses grupos. Encontre-se em sua consciência.
E não há lugar para correr, não há quem nos socorra. Onze pessoas ocupam a Suprema Corte do nosso País, agindo em prol de seus velhos interesses classistas. O Ministério Público não é público mais, protagonizando, espetacularizando o acinte ao bom senso e a destruição da República.
Milhares de estudantes ocupam as escolas. E assim se afiguram como Davi e Golias, quando o gigante resolveu despertar, oportunista, vingativo, revanchista.
São ilegítimos, são usurpadores esfarelando o que jaz do Estado Democrático.
Choram Marias, Clarices, Marianas, Tatis, Amarildos, Josés. E não resta a quem perguntar “E agora?”.
Invade-nos, como a lama podre do capital que inunda, destrói e mata, um mar de desesperança, que nos frustra e abate. Avançam o retrocesso, a canalhice, a intolerância.
O escárnio, a trapaça, o jogo sujo, os mesmos conchavos, propinas e jetons cantados por Herbert Vianna sobre os 300 picaretas com chapéu de doutor, sobre os quais “Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou”.
A desesperança é leito violento que desemboca em turva foz. Deprime, desencanta, mata aquela que é a última a morrer. A desesperança é o ponto alto das crises, sejam elas de qualquer origem.
Quem já viveu a depressão como doença sabe que o seu ápice é a desesperança. É aquele ponto em você se entrega ou busca as forças escondidas e resiste, e luta, e vence.
Não estou falando da vitória como um fato consumado, como um sete a um. Estou falando da vitória que é não desistir.
Convido-os a seguir o segundo caminho. Armar-se de conhecimento e força. O futuro nos apresenta de forma nebulosa, mas é preciso resistir e construir. Cada um à sua maneira, com aquilo que pode, com aquilo que suporta.
Mas, a entrega, a desistência são finais tristes demais para quem sonha.
Eduardo Galeano nos falou que a utopia é como a linha do horizonte, quando se aproxima, ela se afasta, mas não podemos deixar de segui-la.
Encare a sua desesperança. Enfrente-a com seus sonhos, desejos, com a sua esperança.
Sejamos resilientes!
Bárbara Natália Lages Lobo é professora de Direito na PUC Minas, doutoranda em Direito Constitucional e escritora, autora do livro “O Direito à Igualdade na Constituição Brasileira”

Onde:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/resistir-resistir-e-ainda-resistir-por-barbara-lobo/