O naufrágio de Don Juan - Eugene Delacroix
Byron
I, 213
Cabelo cinza aos trinta (com mais dez,
Como estará? Uma peruca austera
Se impõe). Sem viço o coração e a tez,
Gastei todo o verão na primavera.
Já não reage a alma que me fez
E o meu espírito não é o que era.
Joguei a vida, capital e juros,
No dia de hoje, inúmeros futuros!
I, 217
Perdeu-se a voz de Júlia nos suspiros,
Tempo não houve para uma conversa;
Golfaram lágrimas como reis Ciros
E eu lamentei este lamento persa.
Motivos houve para tantos tiros?
Lutou um pouco, resistiu bastante,
Disse “Não dou!” – e deu (desconcertante)
II, 152
Manhã – eu durmo; à noite, tão leais,
Estrelas e mulheres brilham mais.
III, 2
Amantes de perfumes colhem flores
E abrigam-nas no seio (mau lugar).
Assim pomos no peito alguns amores
– E este é o lugar mais tumular.
III, 8
Petrarca, fosse Laura a companheira,
Faria sonetos uma vida inteira?
III, 36
Um dia de ouro na idade de ferro,
É com que sonha o homem no seu erro.
III, 88
Palavra é coisa. Uma gota de tinta,
Caindo como orvalho numa idéia,
Faz florescer a mente de quem sinta
(Milhões, talvez). A palavra mais feia,
Vencendo a fala, é assim como uma cinta
Que liga as eras. E que o Tempo leia
O homem no papel – estes rabiscos –
Tumba pós-vida, seu legado de riscos.
IV, 100
Afilhado da fama, à procura da essência,
No tempo e língua, o poeta proclama:
A vida é a menor parte da existência.
IX, 20
Deus imortal, que é teogonia?
Homem mortal, que é filantropia?
Mundo atual, que é cosmogonia?
Alguns me acusam de misantropia,
Mas não sei mais que o pau – que agonia! –
Desta mesa. Mas, já, licantropia,
Sei o que é: sem mudar nada,
O homem vira lobo por um nada.
XIII, 6
Ódio é prazer comprido, vida e meia:
Ama-se às pressas, com vagar se odeia.
XII, 40
Muita cautela, marujos novatos
Que se propõem cruzar o Mar Mulher;
Já os lobos do mar – lição dos fatos –
Busquem porto seguro – o Tempo o quer –
Antes que o SOS cinza aos atos
Humanos mostre o fim, com seu preté-
Rito “já era”: vai-se o animus vitae
Entre a ânsia do herdeiro e a dor da artrite.
XIV, 26
Bem maldosa é a expressão “rabo-de-saia”.
Mesmo quem vai atrás nega o seu mando,
Embora de mau grado (não se traia!)
Como quem come sapo. Mas, lembrando
Que sob a saia, aos trancos, nesta raia
Vital nascemos, eu pertenço ao Bando
Da Saia Mística – em mulher bonita
Ou não, ou pobre ou rica, em seda ou chita.
XV, 1
A vida é interjeição, nega e não nega:
É um “oh” ou “ah!”, de júbilo ou miséria;
É um “rá-ra-rá”, um “pô”, um tédio, um “chega!”
– E esta talvez é a ex-clamação mais séria.
XV, 76
Às vezes vejo ouvidos nos olhares
Delas, ouvir que à toa se refuta.
Há sempre um eco em seus auriculares,
Sem que se saiba a fonte da permuta,
Tal música de esferas estelares
Que é muito alta, mas ninguém escuta.
É incrível como ouvem, no ar suspensos,
Sem palavras, diálogos imensos!
XVIII, 11
Genial não sou – mas, às vezes, genioso;
Modesto – mas com certa segurança;
Mutável, sim – mas voluntarioso;
Paciente – sem querer perseverança;
Jovial – mas à lamúria tendencioso;
De boa paz – mas propenso à vingança.
Chego a pensar, se às vezes me concentro:
Sou dois por fora a cada um por dentro.
Tradução: Décio Pignatari
Onde:
31 poetas 214 poemas # Décio Pignatari
Ed. Companhia das Letras
http://www.wikiart.org/en/eugene-delacroix/the-shipwreck-of-don-juan-1840
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