Branco no branco # Kazimir Malevich
Blanco (Octavio Paz/Haroldo de Campos - Marisa Monte)# Marisa Monte
o começo
o cimento
a semente
latente
a palavra na ponta da língua
inaudita inaudível
ímpar
grávida nula
sem idade
a enterrada de olhos abertos
inocente promíscua
a palavra
sem nome sem fala
Sobe e desce
Escala de escapulário,
A linguagem desabitada.
Sob a pele da penumbra
Lateja uma lâmpada.
Supervivente
Entre confusões taciturnas,
Ascende
Num caule de cobre
Resolvida
Em folhagem de lucidez:
Sustento
De realidades derruídas.
Ou adormecido,
Ou extinto,
Alto a pino
(Cabeça em lança),
Um girassol
Agora carbonizado
Sobre uma jarra
De sombra.
Em palma de mão
Fictícia,
Flor
Nem vista nem pensada:
Ouvida
Aparece
Amarelo
Cálice de consoantes e vogais
Incendiadas.
no fogo tua e minha sombras leoa no círculo das chamas
alma animando sensações
o fogo te ata e desata
Pão Graal Áscua frutos de fogos-de-bengala
Mulher os sentidos se exabrem
teu riso - nua na noite magnética
entre os jardins da chama
Paixão de brasa compassiva
Pulso, impulso,
Ondada de sílabas úmidas.
Sem dizer palavra
Escurece-me a fronte
Um pressentir de linguagem
Paciente paciente
(Livingston no rigor da seca)
River rising a little
O meu é rubro e se esgota
Entre saibros chamejantes:
Castelas de areia, naipes rotos,
E o hieróglifo (água e brasa)
No peito do México tombado.
Daqueles lodos sou pó.
Rio de sangue,
Rio de estórias
De sangue,
Rio seco:
Boca de manancial
Amordaçado
Pela conjura anônima
Dos ossos,
Pela sisuda penha dos séculos
E dos minutos:
Linguagem
É expiação,
Propiciação
A quem não fala,
Emparedado,
Dia a dia
Assassinado,
O morto inumerável.
Falar
Enquanto os outroos trabalham
É polir os ossos,
Aguçar
Silêncios
Até a transparência,
À ondulação,
Ao corusqueio,
Até a água:
os rios do teu corpo o rio dos corpos
país de latejos astros infusórios répteis
entrar em ti torrente de cinábrio sonâmbulo
país de olhos fechados maragem de genealogias
água sem pensamentos jogos conjugações jograis
entrar em mim sujeito e objeto abjeto e absoluto
ao entrar em teu corpo rio de sóis
país de espelhos em vigília "as altas feras de luzente pele"
país de água acordada roda o rio seminal dos mundos
na noite adormecida o olho que o olha é outro rio
me vejo no que vejo é minha criação isto que vejo
como entrar por meus olhos perceber é conceber
em um olho mais límpido água de pensamentos
me olha o que eu olho sou a criatura do que vejo
delta de braços do desejo água de verdade
num leito de vertigens verdade de água
A transparência é o que resta ao fim de tudo
Branco (fragmento) - Octavio Paz - Tradução: Haroldo de Campos
Onde:
Transblanco # Otávio Paz - Haroldo de Campos
Ed. Siciliano
Barulhinho bom # Marisa Monte
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