Ainda existe bom humor no país do ódio
Fernando Brito
Ontem, no G1 do Amapá, publicou-se esta preciosidade.
Coisa mesmo do tempo em que brincávamos com o “laicá, nóis laica, mas money que é gud nóis num have“.
Quando a gente comia na barraquinha ou no trailler, e não no “foodtruck” e os bares da faculdade, na Praia Vermelha, eram o “Moscão”e o “Sujinho”.
Tempo em que ter um Fusca era a suprema felicidade e o chamávamos carinhosamente de “caidinho”.
No tempo em que ostentação era coisa de babaca e nosso amigo “rico”, o Robertão, como na música, dizia ter um barracão, à feição do Chão de Estrelas, um barracão no Morro do Salgueiro, onde o “cantar alegre do viveiro” era um grande escudo do Botafogo posto na parede.
Quando comer era um prazer, não um ato de exibição de linhos, louças e lugares, mas de fatura e satisfação em ver parentes e amigos saciados, até levá-los à “desfeita” de recusar mais um pouquinho.
Não porque fôssemos ricos, mas porque éramos generosos.
Foi isso o que fez a Dona Keila Cardoso abrir o Pobr’s, lá em Macapá, numa brincadeira com o “Bob’s”, primeiro fast-food do Brasil, criado pelo grindo Robert Falkenburg, que se apaixonou por uma Mayrink Veiga e veio morar no Brasil.
A ideia do Pobr’s veio de uma cena que, afinal, todos nós já vivemos.
“Fui convidada para um evento chique e com pessoas importantes da sociedade aqui em Macapá e ao chegar lá só me serviram coquetel. Eu estava com muita fome mas só tinha isso. Logo depois meu telefone toca e um amigo me chama para ir no aniversário da mãe dele em uma área periférica. Fui na hora, cheguei e só tinha três balões, mas tinha macarronada, risoto , bolo, torta, tanta da comida que até levei para casa”.
Lembrei-me da mesa do Iapi de Realengo, do cozido, das carnes e dos salgados fumegando, minha avó a reencher o prato dos recalcitrantes que teimavam em dizer que estavam “satisfeitos”, nem sempre com esta sofisticação.
A gente até sabia que carne tinha proteína, mas não fazia a menor ideia do que fossem ômega 3, radicais livres, gordura trans ou o tal do carboidrato que hoje me leva às lágrimas de saudade pelo diabetes.
Éramos uns privilegiados, sabíamos, até porque meu avô havia deixado – para desespero de minha avó – uma bolsa de frutas e verduras comprados na feira para as meninas do vizinho, uma delas sua afilhada, que tinham mais dificuldades.
Pobres, mas não miseráveis, nem mesmo no sentido da mesquinhez que torna tantos ricos miseráveis e os faz achar que os pobres são uns preguiçosos, vadios, e que só por isso seriam “inferiores” e nem precisam comer o que eles próprios comem, em suas “gourmetices”.
Não que não houvesse imbecis, havia. Mas eles acabavam envergonhados de sua própria imbecilidade, até com a ajuda da gurizada, que se encarregava, como se diz hoje, de “zoar os metidos a grande coisa”.
E “zoar” a nós mesmos, porque assim também não nos achávamos melhores do que ninguém.
Como Keyla “zoa” nos nomes dos sanduíches que serve: “Fome Zero”, “Bolsa-Família”, “Pobreza Suprema”, este o mais avantajado. Ainda bem que não apareceu nenhum “politicamente correto” para reclamar….
Não nos ofendíamos com a nossa pobreza “remediada” e estávamos mais perto dos que não tinham nada do que daqueles que tinham tudo.
E ríamos, ríamos, ríamos do prazer de estarmos vivos e vendo os garotos crescendo, indo à escola, aprendendo as letras que os velhos sabiam tão pouco e sonhando em ser “Presidente da República”, que era o grau máximo de sabedoria que se podia imaginar.
Ríamos tanto que ríamos até de nossas desgraças, porque não eram ódios, não eram desprezo pelas outras pessoas como nós, eram a afirmação de nossa felicidade em sermos o que podíamos ser e éramos, com todos os defeitos e vicissitudes de cada um: essencialmente bons, como todo ser humano nasce e devia viver.
Onde:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=29439
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