quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Hirocídio 69

50 anos da bomba de Hiroshima # Yossi Lemel






Rosa de Hiroshima (Vinícius de Moraes - Gerson Conrad) # Secos e Molhados






A BOMBA

Carlos Drummond de Andrade



A bomba
  é uma flor de pânico apavorando os floricultores 


A bomba
  é o produto quintessente de um laboratório falido 


A bomba 

  é miséria confederando milhões de misérias

A bomba
  é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles 


A bomba
  é grotesca de tão metuenda e coça a perna 


A bomba
  dorme no domingo até que os morcegos esvoacem 


A bomba
  não tem preço não tem lunar não tem domicílio 


A bomba
  amanhã promete ser melhorzinha mas esquece 


A bomba
  não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está 


A bomba
  mente e sorri sem dente 


A bomba
  vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados 


A bomba
  é redonda que nem mesa redonda, e quadrada 


A bomba
  tem horas que sente falta de outra para cruzar


A bomba
  furtou e corrompeu elementos da natureza e mais furtara e                                                        corrompera 

A bomba
  multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação 


A bomba
  chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés 


A bomba
  faz week-end na Semana Santa


A bomba
  brinca bem brincado o carnaval

A bomba
  tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia 


A bomba
  industrializou as térmites convertendo-as em balísticos
                                         interplanetários 


A bomba
  sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose,
                                                 de verborréia 


A bomba
  não é séria, é conspicuamente tediosa 


A bomba
  envenena as crianças antes que comece a nascer 


A bomba
  continua a envenená-las no curso da vida


A bomba
  respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais 


A bomba
  pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba 


A bomba
  é um cisco no olho da vida, e não sai 


A bomba
  é uma inflamação no ventre da primavera

A bomba
  tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro,
                            cobalto e ferro além da comparsaria


A bomba
  tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.


A bomba
  não admite que ninguém a acorde sem motivo grave 


A bomba
  quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos 


A bomba
  mata só de pensarem que vem aí para matar 


A bomba
  dobra todas as línguas à sua turva sintaxe 


A bomba
  saboreia a morte com marshmallow 


A bomba
  arrota impostura e prosopéia política 


A bomba
cria leopardos no quintal, eventualmente no living 


A bomba
  é podre 


A bomba
  gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é                                                            vedado


A bomba
  pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o                                                           batismo


A bomba
  declara-se balança de justiça arca de amor arcanjo de                                                      fraternidade 


A bomba
  tem um clube fechadíssimo 


A bomba
  pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel 


A bomba
  é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris 


A bomba
  oferece na bandeja de urânio puro, a título de bonificação, 

                                                átomos de paz 

A bomba
  não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas 


A bomba
  desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para protejer 

                                      velhos e criancinhas 

A bomba
  não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer 


A bomba
  é câncer 


A bomba
  vai à Lua, assovia e volta 


A bomba
  reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação
                                                    em cadeia


A bomba
  está abusando da glória de ser bomba 


A bomba
  não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba 
                                       o instante inefável 

A bomba
  fede 


A bomba
  é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina 


A bomba
  com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve


A bomba 

  não destruirá a vida 

O homem
 (tenho esperança) liquidará a bomba.




Little boy # Uwe Loesh








Onde:


Nova Reunião 1 # Carlos Drummond de Andrade
José Olympio Editora


Secos & Molhados


http://www.palestineposterproject.org/poster/we-dont-need-another-hiro

http://www.uweloesch.de/poster.html

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