terça-feira, 14 de outubro de 2014

Vidas secas: antes e depois

Foto de Sebastião Salgado




A caatinga vista da lua (Eugênio Gomes) # Anna Lemgruber




O Brasil está passando por uma das maiores secas de nossa história. Por que não vemos, como no passado, as cenas dramáticas de esquálidos retirantes nordestinos fugindo em massa para o “sul maravilha”, ou multidões famintas saqueando mercados em busca de comida? Por que não temos apagão de energia no país, como nos anos FHC? Por que as imagens mais expressivas desta estiagem estão ligadas ao sistema Cantareira e à iminência de colapso no abastecimento de água em São Paulo? Ah, sim. Porque a Sabesp preferiu distribuir lucros para acionistas a investir em reparos, controle de desperdício, planos de contingência e proteção dos mananciais.

O Nordeste, finalmente, entrou pro orçamento da União. Isso se deu mediante políticas continuadas de inclusão social, estímulo ao desenvolvimento e promoção da cidadadia: programas como Luz pra Todos, Agricultura Familiar, Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicosobras do PAC e transposição do São Francisco; construção de cisternas, portos, estradas, estaleiros; ampliação de vagas e criação de universidades federais novas, Pronatec, Reuni, ProUni...e também o Bolsa Família. 

O que o preconceito, o ódio e a desinformação não deixam perceber é a interdependência entre tudo e todos. Se o pobre tem luz elétrica, ele pode ter acesso a geladeiras e eletrodomésticos que o rico fabrica; se tem emprego, crédito ou renda mínima, ele consome alimentos, financia uma moto, adquire roupas, material escolar, produtos de higiene (conheço uma pessoa que viveu a infância e juventude na miséria e disse que o sonho dela era poder lavar o cabelo com shampu e tomar banho com sabonete), remédios etc. O valor individual do benefício é pequeno, mas o volume total representa bilhões de reais/ano circulando na economia. Da mesma forma, obras de infraestrutura geram empregos dentro e fora do lugar e demandam materiais de todo tipo e complexidade. Os empresários têm mercado para seus produtos, por conseguinte, trabalhadores têm empregos e governos recolhem impostos. O desenvolvimento de uma região favorece a melhoria do conjunto.




Os retirantes # Cândido Portinari



"...Fabiano ouviu os sonhos da mulher, deslumbrado, relaxou os músculos, e o saco da comida escorregou-lhe no ombro. Aprumou-se, deu um puxão à carga. A conversa de Sinhá Vitória servira muito: haviam caminhado léguas quase sem sentir. De repente veio a fraqueza. Devia ser fome. Fabiano ergueu a cabeça, piscou os olhos por baixo da aba negra e queimada do chapéu de couro. Meio dia, pouco mais ou menos. Baixou os olhos encandeados, procurou descobrir na planície uma sombra ou sinal de água. Estava realmente com um buraco no estômago. Endireitou o saco de novo e, para conservá-lo em equilíbrio, andou pendido, um ombro alto, outro baixo. O otimismo de Sinhá Vitória já não lhe fazia mossa. Ela ainda se agarrava a fantasias. Coitada. Armar semelhantes planos, assim bamba, o peso do baú e da cabeça enterrando-lhe o pescoço no corpo."

Graciliano Ramos - Vidas Secas (1938) (excerto)




Onde:

Vidas secas # Graciliano Ramos
Ed. Record


O negócio é amar # Anna Lemgruber

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