terça-feira, 27 de novembro de 2018

Autocrítica

Charge de Aroeira


O PT precisa fazer autocrítica, mas não a autocrítica que a Folha quer. 

Joaquim de Carvalho

Um dia depois de publicar uma entrevista de Fernando Haddad, a Folha de S. Paulo diz o que pensa sobre o ex-candidato a presidente: um político em dificuldade diante do fracasso.
“Quando seu nome é Fernando Haddad e seu partido é o PT, a dificuldade apenas aumenta”, escreveu.
A Folha de S. Paulo tem o direito de manifestar em editorial o que pensa sobre Haddad ou qualquer político ou fato da vida nacional.
Pode espinafrá-lo se quiser, mesmo depois de ter lhe dado espaço generoso.
Não há aí nada de deselegante.
Mas, pela importância da publicação e seus dias de glória no passado, o jornal poderia fazê-lo com um pouco mais de inteligência. Em vez disso, se socorre a clichês.
Poderia ter aprofundado a análise sobre as razões da derrota eleitoral de Haddad, para alcançar o respeito de leitores mais qualificados.
Em primeiro lugar, o que a Folha chama de derrota foi uma vitória.
O candidato do PT se chamava Luiz Inácio Lula da Silva e, até prova em contrário, seria hoje presidente eleito não tivesse sido retirado da disputa pela violência institucional poucas vezes vistas na história do país.
Lula foi condenado sem provas, preso antes que fossem julgados seus recursos nas cortes superiores e proibido de dar entrevista ou se manifestar por vídeo sobre política.
O Brasil rasgou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de que era signatário, ao rejeitar a liminar do Comitê de Direitos Humanos da ONU que determinava o respeito ao direito de Lula de se candidatar.
Sem possibilidade de lançar Lula, o PT optou por Haddad, que era o vice.
O candidato teve três semanas para fazer campanha e, ainda assim, obteve no primeiro turno mais de 30 milhões de votos, o dobro do terceiro colocado, e foi para o segundo turno, quando conquistou mais de 47 milhões de votos.
Elegeu a maior bancada da Câmara de Deputados e o maior número de governadores, quatro, três deles no primeiro turno.
Como se pode falar em fracasso?
Seu desempenho eleitoral foi positivo sob qualquer aspecto, especialmente se se considerar que o PT é uma organização política sob intenso ataque de setores do Judiciário, Ministério Público Federal e a imprensa corporativa, a velha imprensa.
Ataques que se sustentam em mentiras, como a de que os governos Lula e Dilma jogaram o país no abismo com “ideias irresponsáveis e ultrapassadas” colocadas em prática.
Não é o que mostram os números. O PIB foi de R$ 1,48 trilhões em 2002 para R$ 4,84 trilhões em 2013.
No mesmo período, a renda per capita aumentou de R$ 7,6 mil para R$ 24,1 mil.
A dívida líquida do setor público caiu de 60% do PIB para 34% do PIB. A safra agrícola passou de 87 milhões de toneladas/ano para 188 milhões de toneladas.
As reservas internacionais passaram de 37 bilhões para 375,8 bilhões de dólares, e se mantêm nesse patamar, o que evita que o Brasil mergulhe em uma crise cambial.
O desemprego em 2002 era de 12,2%. Em 2014, estava em 5,4%.
O valor de mercado da Petrobras aumentou, o lucro do BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil também cresceu.
O salário mínimo passou de 80 dólares para 300 dólares. Há outros números exuberantes, mas se tornaria enfadonho relacionar todos aqui.
Estes bastam para mostrar que o fracasso só existe na cabeça daqueles que fabricaram um ambiente para tentar derrotar um projeto político vitorioso, representado primeiramente por Lula, depois por Dilma.
As coisas começaram a mudar efetivamente em 2014, ano de estréia da Lava Jato e da ofensiva eleitoral para tirar Dilma, e colocar Aécio Neves em seu lugar.
Esse ataque prejudicou, de fato, a imagem do Brasil no exterior e, em consequência, o desempenho junto aos agentes econômicos.
Antes o Brasil era visto como um foguete decolando.
Essa imagem foi usada pela revista Economist, a cartilha liberal do planeta, que, a partir de 2014, passou a ver o ambiente politico conturbado como uma ameaça à estabilidade e ao crescimento econômico do país.
A Folha erra na análise, mas acerta num ponto: o PT precisa fazer autocrítica, mas não a autocrítica defendidas pelo jornal.
Depois da apertada vitória em 2014, quando enfrentou juízes e a imprensa, o PT aceitou as bandeiras do candidato derrotado, como o ajuste fiscal e a faxina da corrupção.
Óbvio que o ajuste fiscal era necessário e o combate a corrupção, uma luta permanente. Mas, a rigor, tanto em uma área quanto em outra, o partido cumpria seu dever razoavelmente, indo além de seus antecessores.
O fortalecimento das instituições republicanas e os instrumentos para combater a corrupção, como a delação premiada, foram legados de Lula e Dilma.
O PT não poderia é perder a interlocução com o povão. Não poderia passar a imagem de que, derrotando Aécio Neves, tinha herdado o projeto dele.
É como se Aécio tivesse vencido — o primeiro ministro da Fazenda escolhido por Dilma, Joaquim Levy, mesmo sendo um técnico competente, tinha o perfil de ministro que faria parte do governo do candidato derrotado.
Já estava em curso um movimento para tirar Dilma Rousseff na mão grande, no tapetão, o terceiro turno das eleições.
Em vez de se aproximar de sua fonte de poder, o eleitor brasileiro, o governo Dilma apostou suas fichas na luta institucional.
Deveria ter feito isso, mas ao mesmo tempo se fortalecido junto às classes populares brasileiras. Este foi um erro e é preciso reconhecê-lo.
Seria uma autocrítica, mas muito diferente daquela que querem forças políticas como a velha imprensa brasileira.
Estas gostariam de ver os petistas de joelhos, com um cartaz bem grande onde se leria “Errei e estou arrependido”, como acontecia nos tempos da Inquisição.
Onde:
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-pt-precisa-fazer-autocritica-mas-nao-a-autocritica-que-a-folha-quer-por-joaquim-de-carvalho/

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