quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Amor Humor: Meu tipo de Messias chegará rindo e contando piadas

Poema de Oswald de Andrade

O acaso me colocou diante desses fragmentos de conversa de  Amós Oz, anotados em um caderninho esquecido na gaveta. Provavelmente, são respostas dadas em uma entrevista. Infelizmente, não sei quando, onde, para quem.  Palavras que, anos atrás,  suscitaram reflexões, questionamentos e reconhecimentos, daí as anotações feitas de próprio punho e que voltam com toda força e atualidade trazidas pelos clamores do inconsciente e pela necessidade de compreensão do processo histórico atual.

Temos vários pontos em comum com a situação descrita por Amós Oz: a divisão da população em campos aparentemente inconciliáveis, o crescimento da intolerância e do ódio, a escalada do fundamentalismo religioso, a irrupção da violência política de uma forma perigosa e nova, que não descarta do horizonte os temores de uma ruptura ainda mais profunda, em termos de guerra civil e ditadura civil-militar.

Temos também diferenças de contexto, cultura, História e conjuntura. Nacionalismo, por exemplo, é uma delas. Paralelo às camisetas verde-amarelas da FIFA e aos slogans do tipo "a nossa bandeira jamais será vermelha", nunca o entreguismo e a subserviência foram tão grandes na nossa História. O golpe parlamentar-jurídico-midiático-supranacional dado em 2016 representa uma ferida mortal em nossa soberania e democracia. As nossas riquezas, as empresas públicas, a maior reserva de petróleo descoberta no século XXI, a matriz energética, a segurança hídrica, a Amazônia, a engenharia nacional estão sendo destruídas e oferecidas na bacia das almas para a voracidade dos grandes especuladores internacionais. O governo Bolsonaro dará continuidade a esse projeto de forma ainda mais veloz e radical.

A escalada do neoliberalismo como projeto de dominação, das guerras híbridas como método de operação e das redes sociais e dos recursos digitais como forma de execução são elementos novos que também marcam diferenças.

Enfim, mutatis mutandis, é preciso pensar fora da caixinha e resgatar a boa tradição do livre pensar, do debate de ideias e da racionalidade.

Palavras de Amós Oz:

...Acho que em seus (?) próprios textos, assim como nos de Nadine (Gordimer? Grifo meu.) e nos meus existe esta interpenetração de público e privado, de história e intimidade, ideologia e sensualidade. Talvez pelo fato de nós três vivermos em países cuja História - a maldita História - penetrou nas moléculas mais privadas da vida, em que os horrores políticos ocorrem não apenas nas telas da TV, mas em nossas próprias vidas.

...Estive no campo de batalha duas vezes na vida, em 1967 e novamente em 1973, quando concluí que o maior perigo não está nas armas e bombas, nem nos governos e militares, mas no coração humano: agressão,  fanatismo, prepotência, excesso de zelo, incapacidade de imaginar, incapacidade de ouvir, de rir - principalmente de rir de nós mesmos.

...Paciência! Precisamos de paciência!

...O senhor pergunta a minha opinião sobre quais seriam os meios para difundir a tolerância. Bem, não tenho uma fórmula definida...

E talvez este seja o momento ideal para todas as escolas do mundo criarem a disciplina Fanatismo Comparado, porque ele paira sobre nós. 

Não apenas nos lugares óbvios, como a TV, onde multidões excitadas mostram os punhos e gritam slogans de furor religioso ou nacionalista. Não: está em toda parte, pairando sobre nós. Já vi tabagistas que poderiam queimar vivos todos os que fumam. Conheço vegetarianos que o comerão vivo, por comer carne. Conheço até pacifistas que poderiam me dar um tiro na cabeça simplesmente porque tenho estratégias um pouco diferentes para alcançar a paz entre palestinos e israelenses.

...Se o senhor me prometer que me acompanhará com uma boa dose de ceticismo, posso até lhe dizer que descobri - pelo menos em princípio - a cura para o fanatismo. A cura é ... o bom humor. Nunca vi um fanático bem humorado, nem alguém bem humorado se tornar fanático. Por isso, se eu conseguisse comprimir bom humor em cápsulas e convencer populações inteiras a ingeri-las, assim imunizando-as contra o fanatismo, poderia ter conseguido um título em medicina, em vez de literatura.

...Em outras palavras, meu tipo de Messias chegará rindo e contando piadas. Mas, pensando melhor mesmo a ideia de comprimidos de humor e de fazer toda a humanidade tomá-los está ligeiramente contaminada de fanatismo. O fanatismo é muito contagioso. Pode-se pegá-lo no próprio ato de tentar curá-lo. Conheço o perigo de se tornar um fanático anti-fanatismo. Assim como a violência, o fanatismo pode se disfarçar de muitas formas.

...Todo tipo de redentores, nenhum deles tolera compromissos, quer sempre a redenção total. Os idealistas consideram o compromisso uma espécie de oportunismo, de falta de princípios de honestidade, de integridade moral. Em meu vocabulário particular, porém, a palavra compromisso é sinônimo de "vida": onde há vida, há infinitos compromissos. O oposto do compromisso não é integridade, mas fanatismo e morte.
...Um compromisso que garanta a ambos os lados apenas parte do que cada um considera sua propriedade...Ambos os lados deve admitir seus erros.

...A tolerância deve se tornar intolerante para se proteger da intolerância?

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