Charge de J. Bosco
Se o juiz ganhar todos perdemos
Milly Lacombe
Imagino que não exista mais a figura do brasileiro que deixe de achar que o juiz Sergio Moro está à caça de Lula e quer prendê-lo. Há, naturalmente, os que concordam com o juiz porque também detestam Lula e desprezam tudo o que acreditam que Lula tenha feito de mal ao Brasil. A falta de provas não importa mais. Prendam o homem como conseguirem porque temos certeza de que ele é culpado.
Se o caso é esse, como me parece evidente, então estamos todos lascados.
Já não se trata mais de saber se Lula tem culpa, ou quanto de culpa, se trata de preservar algum vestígio de justiça e de moral, e de ter algum respeito pela presunção a inocência, um direito de todos nós.
Se aceitamos que o juiz seja parte então haverá quem comemore hoje o fato de um inimigo ser preso esquecendo que amanhã o juiz pode ser a parte contra você ou contra alguém que você ame.
Uma passada de olhos na história do nazismo basta para que entendamos o papel que o judiciário alemão teve na tragédia.
O nazismo não foi ilegal, muito ao contrário. Apoiado por leis e decisões judiciais, ele se mantinha com a propaganda de que estava sendo implantado para acabar com a corrupção e para punir severamente os corruptos.
Como agora, havia uma crise econômica no ar e a população, desesperada por ajuda, estava pronta para acreditar em qualquer maluco que prometesse a salvação apontando o inimigo.
A escolha de um inimigo comum, e a fabricação de consenso para que a população acredite na fábula, está por trás dos maiores crimes cometidos contra a humanidade.
Judiciário e imprensa produziram a base de legalidade e de popularidade necessárias para que o nazismo fosse instalado.
O juiz Sergio Moro já deu inúmeras demonstrações de ter ideologia e preferências políticas, o que não seria problema algum se ele não fosse juiz. Assim como já deixou claro o carinho que tem pelos holofotes, o que, outra vez, não seria um problema não fosse ele um juiz.
Mas, pior, já deixou cristalinamente claro que não se intimida em burlar a lei se o objetivo for moralizar a nação. E há quem não veja o absurdo e o bizarro em um juiz cometer ilegalidades e abusos em nome da suposta moralização nacional (veja a lista dos abusos cometido até aqui pelo juiz).
Moro já driblou a lei pelo menos uma dúzia de vezes e foi celebrado por fazer isso pelos mesmos motivos que, no nazismo, celebrava-se juízes que alargavam a lei para acabar com a corrupção. Diziam que por tão nobre motivo liberdades individuais podiam ser perdidas.
Não há como buscar justiça nessas condições. Mas há como buscar o caos, que é para onde estamos caminhando.
Nossas instituições quase não funcionam mais e estamos diante do absurdo de aceitar que o réu e o juiz sejam oponentes. Estamos assistindo de braços cruzados um juiz fazer valer suas crenças e sair em busca de provas que as justifiquem.
Trata-se, como explicou o jurista Rubens Casara, do primado da hipótese sobre o fato, típico da mentalidade inquisitorial.
O juiz, dentro de um quadro mental paranoico, assume como verdade o que é uma possibilidade.
“Se faltam provas dessa hipótese que o o juiz acredita ser verdadeira”, diz Casara, “se os fatos provados não vão de encontro à fé do inquisidor, o juiz passa a acreditar que a culpa dessa ausência de provas é do investigado ou acusado”.
É bastante perigoso que aceitemos esse cenário paranoico apenas porque alguém com quem antipatizamos – e vamos deixar de lado aqui a análise dos motivos que fazem com que Lula seja odiado – está se dando mal.
É perigoso, é cruel, é desumano. E se aparentemente a vítima desse embate com o juiz é alguém que você despreza é melhor ter em mente que a vítima não é Lula, a vítima é você, porque, para o cidadão comum e assalariado, não há vida fora do Estado de Direito.
Onde:
http://domacedo.blogspot.com.br/
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