segunda-feira, 21 de julho de 2014

Tankas

Poster de  Shujiro Shimomura  
(1928)




Por ruas sem nome
perambulo outra vez
em busca de um novo viver


****


Depois de revelar a alma
despeço-me do amigo
procurando algo perdido


****


No meio do caminho
nenhum bonde para meu destino
a chuva, a maré no olhar


****


Muita gente, em algum lugar,
jogos de sorte ou azar:
também quero tentar.


****


Mostrar um milagre qualquer
e desaparecer
enquanto estiverem surpresos


Takuboku Ishikawa

Tradução de Masuo Yamaki e Paulo Colina





Onde:

Tankas # Takuboku Ishikawa
Roswitha Kempf Editores


http://pinktentacle.com/2011/02/japanese-graphic-design-from-the-1920s-30s/




domingo, 20 de julho de 2014

Antigos e novos navegantes

Ulisses e as sereias # Pablo Picasso




Finismundo, a última viagem # Haroldo de Campos




FINISMUNDO, A ÚLTIMA VIAGEM


Haroldo de Campos


…per voler veder trapassò il segno

I.

Último
Odisseu multi-
ardiloso    
no extremo
Avernotenso limite    —re-
propõe a viagem.

                         Onde de Hércules
as vigilantes colunas à onda
escarmentam: vedando mais um
passo     — onde passar avante quer
dizer trans-
gredir a medida   as si-
gilosas siglas do Não.
                              Onde
a desmesura  húbris-propensa      ad-
verte:   não
ao nauta     — Odisseu(
branca erigindo a capitânea
cabeça ao alvo endereçada )    pre-
medita:     trans-
passar o passo:     o impasse-
-a-ser:     enigma
resolto    (se afinal ) em
finas carenas
de ensafirado desdém     — ousar.
Ousar o mais:
O além-retorno       o após:im-
previsto filame na teia de Penélope.
                                       Ousar
desmemoriado de Ítaca        — o
além-memória    — o
revés:  Ítaca ao avesso:
a não-pacificada
vigília do guerreiro  — no lugar
da ventura o aventuroso
deslugar     il folle volo
Tentar o não tentado   —
expatriado esconjuro aos deuses-lares.
                                       Re-
incidir na partida.   Ousar     ——
húbris-propulso     —— o mar
atrás do mar.     O ínvio-obscuro
caos pelaginoso
até onde se onde esconde a proibida
geografia do Éden —— Paradiso
terreno:     o umbráculo interdito:
a lucarna:   por ali
istmo    extremo ínsula
se tem acesso ao céu
terrestre:    ao transfinito.

                                       Odisseu senescendo
rechaça a pervasiva     —— capitoso
regaço de Penélope      ——
consolação da paz.      Quilha nas ondas
sulca mais uma vez     (qual nunca antes
o irado
espelho de Poséidon:   o cor-de-vinho
coração do maroceano.
                             Destino:  o desatino
o não-mapeado
Finismundo:     ali
onde começa a infranqueada
fronteira do extracéu.


                           Assim:
partir o lacre ao proibido:         des-
virginar o véu.          Lance
dos lances.      Irremissa
missão voraginosa
                         Ele foi  ——
Odisseu.
                      Não conta a lenda antiga
do Polúmetis o fado demasiado.
                                    Ou se conta
desvaira variando:   infinda o fim.
Odisseu foi.    Perdeu os companheiros.
À beira-vista
da ínsula ansiada   —— vendo já
o alcançável Éden ao quase
toque da mão:     os deuses conspiraram.
O céu suscita os escarcéus do arcano.
A nave repelida
abisma-se       soprada de destino.
                                Odisseu não aporta.
Efêmeros sinais no torvelinho
acusam-lhe o naufrágio    ——
instam     mas declinam
sossobrados no instante.
                                Água só.  Rasuras.
E o fado esfaimando.        Última
                                         thánatos eks halós
                             morte que provém do mar salino
húbris.
              Odisseu senescente
da glória recusou a pompa fúnebre.
Só um sulco
cicatriza no peito de Poséidon.
Clausurou-se o ponto.        O redondo
oceano ressona taciturno.
Serena agora o canto convulsivo
O doceamargo pranto das sereias
( ultrassom incaptado ao ouvido humano ).



                               …ma l’un di voi dica
                               dove per lui perduto a morir gisse


2.

Urbano Ulisses
Sobrevivido ao mito

( eu e Você     meu hipo-
côndrico crítico
leitor )  —— civil
factotum  ( polúmetis? )
do acaso computadorizado. Teu
epitáfio?  Margem de erro:   traço
mínimo digitado
e à pressa cancelado
no líquido cristal verdefluente.
                                 Périplo?
Não há.     Vigiam-te os semáforos.
Teu fogo prometéico se resume
à cabeça de um fósforo           Lúcifer
portátil   e/ou
ninharia flamífera.
                    Capitula
( cabeça fria )
tua húbris.         Nem sinal
de sereias.
Penúltima           —— é o máximo a que aspira
tua penúria de última
Tule.       Um postal do Éden

com isso te contentas.

Açuladas sirenes
cortam teu coração cotidiano.







Facecage # Mir Amir Khataei Khosrowshahi






Onde:

Crisantempo - no espaço curvo nasce um # Haroldo de Campos
Ed. Perspectiva

http://positive-posters.com/posters/profiles/?pid=4956


http://www.wikiart.org/en/pablo-picasso/ulysses-and-sirens-1946

sexta-feira, 18 de julho de 2014

G'atos


Scary legs # Simon's Cat






O gato e o canário (Pixinguinha - Benedito Lacerda) # Pixinguinha




uma
mosca pousa
no almoço
e o gato a traça.
baratontas
pelos quatrocantos da casa
e o gato atrás.
aranharames
descem do teto
e o gato zás!
lesmolentas
na tábua corrida
e o gato é um ás.
a abelha vai embora.
a formiga migra.
a pulga pula fora.
nas garras do gato
bruxas murchas,
pernilongos 
e bezoutros insetos
incertos.

Guilherme Mansur



Gato de letras * Guilherme Mansur




Onde:

Os sete fôlegos # Guilherme Mansur
Ed. Risco do Ofício


Dez anos sem ele # Pixinguinha


http://www.simonscat.com/

Bashô o santo





Luas e sóis (meses e dias) são viajantes da eternidade. Os anos que vêm e se vão são viajantes também. Os que passam a vida a bordo de navios ou envelhecem montados a cavalo estão sempre em viagem, e seu lar se encontra ali onde suas viagens os levam. Os homens de antigamente, muitos, morreram pelos caminhos, e a mim também, durante os últimos anos, a visão de uma nuvem solitária levada pelo vento me inspirou contínuas ideias de meter o pé na estrada.
O ano passado dediquei a vagar pela costa. No outono voltei a minha cabana às margens do rio e a limpei de teias de aranha. Aí, me surpreendeu o fim do ano. Quando veio a primavera e houve neblina no ar, pensei em ir a Ôku, atravessando a barreira de Shirakawa. Tudo o que via me convidava a viajar, e estava tão possuído pelos deuses que não podia dominar meus pensamentos. Os espíritos do caminho me faziam sinais, e descobri que não podia continuar trabalhando.
Remendei minhas calças rasgadas e troquei as tiras do meu chapéu de palha. A fim de fortalecer as pernas para a viagem, me untei de moka queimada. Logo a ideia da lua na ilha de Matsushima começou a apoderar-se de meus pensamentos. Quando vendi minha cabana e me mudei para o sítio de Sampu para esperar ali o dia da partida, pendurei este poema numa viga da minha choça:

a cabana de ervas secas
o mundo tudo muda )
vira casa de bonecas

Quando, em 27 de março, me pus a caminho, havia neblina no céu da madrugada. A pálida lua matutina tinha perdido o brilho, mas inda se podia vislumbrar debilmente o monte Fuji. Em Ueno e em Yanaka, os ramos das cerejeiras em flor me despertaram pensamentos tristes ao perguntar-me se algum dia os voltaria a ver.Meus amigos mais queridos tinham todos vindo à noite à casa de Sampu, para poder me acompanhar durante o curto trecho de viagem que eu faria em barco. Quando desembarcamos num lugar chamado Senju, a ideia de começar uma viagem tão longa me encheu de tristeza. De pé sobre o caminho que talvez ia nos separar para sempre nesta vida que é como um sonho, chorei lágrimas de despedida:

 primavera
                       não nos deixe
       pássaros choram
lágrimas
                         no olho do peixe




Parte inicial de Sendas de Ôku, o mais célebre dos relatos de viagem de Matsuó Bashô, traduzido por Paulo Leminski.





Onde:

Matsuó Bashô # Paulo Leminski
Ed. Brasiliense


http://basho-imagery.blogspot.com.br/2012/11/basho-in-sumi-wood-bronze.html

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Onde a paz começa

Caligrama de Laura  Ruggeri






Search for peace (McCoy Tyner) # Vitor Assis Brasil



A Paz começa dentro de nós mesmos e se estende para a casa, a vizinhança, a nação e além.

Satguru Subramunyaswami






Onde:

Trajeto # Vitor Assis Brasil


http://www.lauraruggeri.com/

Achados e perdidos

Garota do balão # Bansky





Aqueles olhos verdes (Nilo Menendez - Adolfo Utrera - versão: João de Barros) # Trio Irakitan




"Amor é a gente querendo achar o que é da gente."

João Guimarães Rosa



Onde:

Grande Sertão: Veredas # João Guimarães Rosa
Ed. Nova Fronteira


JK # Trilha sonora da minissérie


http://banksy.co.uk/

terça-feira, 15 de julho de 2014

Para sempre Leminski

Poema visual de Paulo Leminski




Dor elegante (Paulo Leminski - Itamar Assumpção) # Itamar Assumpção e Zélia Ducan






nada foi 
feito o sonhado
mas foi bem-vindo
feito tudo
fosse lindo


***

nada que o sol
não explique

tudo que a lua
mais chique

não tem chuva
que desbote essa flor


***

enxuga aí

vê se enxerga

essa lágrima
eu deixei cair

examina

examina bem

vê se não é
água da pedra
ouro da mina
essa gotadágua

minha
obra-prima


***

que tudo passe
passe a noite
passe o verão
passe oinverno
passe a guerra
passe a paz

passe o que nasce
passe o que nem
passe o que faz
passe o que faz-se

que tudo passe
e passe muito bem


***

manchete

CHUTES DE POETA
NÃO LEVAM PERIGO À META


***


quero a vitória
          do time de várzea

valente

covarde

           a derrota
           do campeão

5 X O
         em seu próprio chão

                                  circo 
                                  dentro
                                  do pão



***

não sou o silêncio
que quer dizer palavras
ou bater palmas
pras performances do acaso

sou um rio de palavras
peço um minuto de silêncios
pausas valsas calmas penadas
e um pouco de esquecimento

apenas um e eu posso deixar o espaço
e estrelar este teatro 
que se chama tempo




Onde:

Caprichos & Relaxos # Paulo Leminski
Editora Brasiliense


Pretobrás # Itamar Assumpção


http://radardabola.com/2014/06/07/conheca-os-nomes-dos-32-paises-da-copa-em-ingles/