domingo, 11 de janeiro de 2015

Ave, Palavra

Peacock # Bembo's Zoo


Bembos Zoo (animais tipográficos)


ZOO (Rio, Quinta da Boa Vista)

Zangosa, arrepiada, a arara é tarde de-manhã – vermelho sobre ouro-sobre-azul – velhice colorida: duros os bis-bico e o caráter de uma arara.
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Canta um sabiá sem açúcar.
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A cigarra cheia de ci.
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O urubu é que faz castelos no ar.
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A girafa: – Ei-la e não ei-la!
Elefante: ele sabe onde tem o nariz.


ZOO (Hagenbecks Tierpark,Hamburgo - Stellingen)

PÓRTICO: Amar os animais é aprendizado da humanidade.
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– “Antes um pássaro na mão, que dois voando ”...
– Na mão de quem? – pergunta a raposa.
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O arrebol de um pavão.
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A gorila-fêmeo. A chimpanza ou chimpanzefa. A orangovalsa.
(Não menos acertará quem disser a chimpanzoa.)
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Se todo animal inspira sempre ternura, que houve, então, com o homem?
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A camurça estatuesca: sobre nobre esquema de salto.
O canguru, às culapadas. Mas k a n g u r u é que ele é!
O rato, o esquilo, o coelho:
– Haja o que se roa, desta rara vida...
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Tigres, recrespos, dentro de constantes andantes círculos.
A pantera, semeada, dada, engradada.
Um despulo de urso.
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Leõezinhos e tigrezinhos comem: nos pedaços de carne, bofe e fígado, ganham também gotas de vitaminas.
Os grandes carnívoros jejuam aos sábados. Sua saúde precisa de lembrar-se das agruras da liberdade.
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Uma panóplia de gaviões.
Uma constelação de colibris.
Um ancoradouro de caimões.
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O macaco: homem desregulado. O homem: vice-versa; ou idem.
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Monólogo do mono Simão, que se vende por meia casca de fruta:
– Aos homens, falta sinceridade...
Dito o que, vai bugiar, espontâneo.
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O macaco está para o homem assim como o homem está para x.
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As gazelas assustadas alinham-se flexilfacilmente.
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A coruja não agoura: o que ela faz é saber os segredos da noite.
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À gazela que fino pisa: – Oh florzinha de quatro hastes!
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Os corvos, totalmente cabeçudos, xingam  o crasso amanhã com arregritos.
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Só o cintilante instante sem futuro nem passado: o beija-flor.


ZOO (Jardin des Plantes)

Perdoar a uma cascavel: exercício de santidade.
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Sem terra nem haste, como as borboletas.
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Silêncio tenso – como pausa de araponga.
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O voo dos pardais escreve palavras e risos.
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Há também o riso do crocodilo.


ZOO (Parque Zoologique du Bois de Vincennes)

O cisne, cisna. A cisne sem ledices.
Passarinhos piam, disto e daquilo: crise, mil virgens, vida difícil...
O cisne ouvindo a alegria dos melros: – Cantarei, mais tarde.
O marrequinho vira-se de costas, para poder descer o barranco.
Um pinguim: em pé, em paz, em pose.

João Guimarães Rosa (Excertos) – Ave Palavra 



Onde:

Ave, Palavra # João Guimarães Rosa
Editora Nova Fronteira

http://www.bemboszoo.com/

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